(Correio Braziliense, 18/01/2015) A presidente Dilma Rousseff traçou no discurso de posse a prioridade do segundo mandato: Brasil, Pátria Educadora, tamanha é a magnitude do desafio que a presidente postulou, ainda que para ele “deva convergir o esforço de todas as áreas do governo”.
Ela não se referia somente a mais investimentos em educação. Mas defendia algo muito maior: a democratização do acesso ao ensino de qualidade em todos os níveis e, sobretudo, a existência de sentido educador nas ações e políticas públicas. Visava, com isso, à criação de uma sociedade mais justa, ética e inclusiva, com oportunidades iguais para todos.
Posso falar do tema porque fui professora. E professora de toda a cadeia da educação: dos ensinos fundamental e médio à universidade. É na condição de educadora que defendo com entusiasmo a bandeira e a sua implementação. Ela é fundamental para a emancipação do Brasil e, mais ainda, das brasileiras. Nós, mulheres, somos 51,8% da população. Conhecemos muito bem o que é ter de lidar diariamente com a discriminação de uma sociedade machista secular.
Basta aprofundar um pouco a discussão necessária à implementação responsável e radical dessa bandeira para perceber que temos que buscar muito mais do que uma mudança de currículo escolar. Claro que uma pátria educadora exige também a reconstrução dos currículos de educação: para a introdução da perspectiva de gênero desde a educação básica até o pós-universitário; para a introdução da perspectiva da não violência, da não discriminação, do não preconceito e da aceitação das diferenças. Mas o que significa concretamente tornar o Brasil uma pátria educadora? E qual a urgência disso
Transformar-nos nessa direção – a exemplo das outras transformações recentemente conquistadas – significa mudar agora, já, os aspectos da cultura que pautam os preconceitos nas relações sociais. Porque estamos falando de atitudes que cotidianamente reduzem e constrangem milhões de brasileiras, que as humilham, que as torturam, que as mutilam e as assassinam. Só por ser mulheres.
O Estado está fazendo a sua parte. O Pronatec é bom exemplo de programa social que se alinha ao espírito traçado pela presidente. Com seus diversos cursos técnicos distribuídos por todo o país, vem contribuindo para a capacitação profissional da mulher – inclusive em áreas não tradicionais – e para a mudança de mentalidade no mundo do trabalho. Capacitação profissional é sinônimo de maior autonomia. E maior autonomia é sinônimo de não submissão à violência doméstica.
O Estado está fazendo a sua parte, por exemplo, com a Casa da Mulher Brasileira (dentro do programa Mulher, Viver sem Violência, desta Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República). Quando entrar numa dessas casas (as inaugurações começam em janeiro), a mulher humilhada e agredida sentirá o Estado ao seu lado com força, compromisso e poder de inovação. Esses complexos integram num só espaço todos os serviços públicos – incluindo a orientação para a autonomia econômica. Em breve, todas as capitais do país contarão com a própria casa.
Outra política muito concreta de mudança: quando um casal beneficiário do Minha Casa, Minha Vida se separa, o governo dá a titularidade do imóvel à mulher. Igualmente, quando se reconhece uma catadora de lixo como cidadã de primeira categoria, isso obviamente traz em si efeito educador.
Uma pátria educadora exige também maior participação da mulher na política e no poder. Pressupõe, por isso, derrubar o hiato na participação de homens e mulheres (apenas 12%, para elas) nos três poderes – sobretudo no Legislativo. Este, predominantemente masculino, tenderá a reproduzir indefinidamente normas machistas.
Não bastam só as cotas dentro dos partidos, mas, principalmente, é necessária a mudança dos valores intrínsecos a essas agremiações, os quais são patriarcais. Defendemos, por isso, uma reforma política que inclua a lista paritária de gênero para as candidaturas.
Afinal, se há uma parte da população do país que tem que participar da consolidação da democracia no país como reais protagonistas, essa parte somos nós, as mulheres: além de constituir mais da metade da população, somos mães da outra metade.
Acesse o PDF: A Pátria Educadora e as mulheres, por Eleonora Menicucci (Correio Braziliense, 18/01/2015)