Vice de Bolsonaro, general Mourão afirmou que famílias sem “pai e avô” e com “mãe e avó” são “fábricas de desajustados” que ingressam no narcotráfico.
(HuffPost Brasil, 18/09/2018 – acesse no site de origem)
As famílias no Brasil são cada vez mais chefiadas por mulheres. As brasileiras empregadas dedicam mais tempo aos cuidados domésticos do que os homens desempregados. Mais de 80% das crianças têm como primeiro responsável uma mulher e 5,5 milhões não têm o nome do pai no registro de nascimento. Os dados são de pesquisas publicadas nos últimos anos pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e demonstram a força da presença feminina e da ausência paterna na educação dos filhos.
Apesar dessa configuração familiar representar a maioria dos lares brasileiros, o general da reserva Antônio Hamilton Martins Mourão, vice-candidato de Jair Bolsonaro (PSL) na disputa presidencial, apontou essa estrutura como causa da criminalidade no País.
“Família sempre foi o núcleo central. A partir do momento que a família é dissociada, surgem os problemas sociais que estamos vivendo e atacam eminentemente nas áreas carentes, onde não há pai nem avô, é mãe e avó. E por isso torna-se realmente uma fábrica de elementos desajustados e que tendem a ingressar em narco-quadrilhas que afetam nosso país”, disse Mourão em evento do Sindicato da Habitação (Secovi), em São Paulo, nesta segunda-feira (17).
A frase foi dita em um momento em que Bolsonaro tenta ampliar sua popularidade no eleitorado feminino, que representa 52,5% do total. À frente nas pesquisas eleitorais, o candidato passou a ser o preferido entre as mulheres, mas ainda enfrenta barreiras neste grupo. A rejeição no segmento é de 49% contra 44% entre os brasileiros em geral, segundo pesquisa Datafolha divulgada em 14 de setembro. De acordo com a sondagem, ele tem 26% da preferência na população em geral, mas o indicador cai para 18% entre o eleitorado feminino.
Aliado do presidenciável, o deputado Capitão Augusto (PR-SP) minimizou a declaração e disse que o candidato não pensa dessa maneira. Ele sugeriu que Mourão fizesse um esclarecimento público. “Eu mesmo sou órfão. Meu pai faleceu e meu avô quando eu tinha 6 anos. Quer dizer que sou desestruturado? Em hipótese alguma”, afirmou em entrevista ao HuffPost Brasil.
Diante da repercussão, nesta terça-feira (18), o candidato a vice fez uma correção de sua fala. “Ontem, numa exposição similar a essa, em outro ambiente, eu deixei claro que esse atingimento da família é muito mais crucial nas nossas comunidades carentes, onde a população masculina ou está presa, ou está ligada à criminalidadade ou já morreu, e que deixa a grande responsabilidade por levar a família à frente nas mãos de mães e avós”, afirmou em evento com empresários em São Paulo.
Pela frase suponho que [Mourão] venha de uma família estruturada.
Capitão Augusto, em entrevista ao HuffPost Brasil.
Quanto ao impacto na campanha, aliados negam que Bolsonaro seja machista ou homofóbico e atribuiu o rótulo à descontextualização das condutas do presidenciável. “A imprensa rotula e as pessoas começam achar isso. A culpa é da imprensa. No imaginário, a população começa a acreditar que é isso”, afirmou Capitão Augusto.
O candidato é réu em um processo no STF (Supremo Tribunal Federal) por injúria e incitação ao estupro após dizer que a deputada Maria do Rosário (PT-RS) “não merecia ser estuprada”. Ele também já defendeu que as mulheres não devem receber o mesmo salário que os homens, mesmo que exerçam a mesma função e se referiu ao fato de ter uma filha como uma “fraquejada”: “Eu tenho 5 filhos. Foram 4 homens, a 5ª eu dei uma fraquejada e veio uma mulher”, afirmou em 2017. A conduta tem mobilizado brasileiros no movimento #Elenão e #Elenunca.
Capitão Augusto reconheceu que a presença feminina na criação dos filhos é majoritária e disse desconhecer o contexto de criação de Mourão. “Pela frase suponho que venha de uma família estruturada”, afirmou. O general da reserva já contou que “o pai é amazonense e a mãe era “cabocla”.
Abaixo, o HuffPost Brasil compilou alguns dados já conhecidos sobre a realidade das mães no Brasil.
1. Lares brasileiros são cada vez mais chefiados por mulheres
O número de lares brasileiros chefiados por mulheres passou de 23% para 40% entre 1995 e 2015, segundo a pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, divulgada em março de 2017 pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, com base nos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad).
Nessas famílias, em 34% há presença do cônjuge. O estudo destaca que a ausência masculina aumenta “o risco de vulnerabilidade social, já que a renda média das mulheres, especialmente a das mulheres negras, continua bastante inferior não só à dos homens, como à das mulheres brancas”.
2. Brasil ganhou mais de 1 milhão famílias de mães solo
Entre 2005 e 2015, o número de famílias compostas por mães solo subiu de 10,5 milhões para 11,6 milhões, segundo dados do IBGE divulgados em 2017.
Considerando apenas as famílias com filhos, o percentual desse arranjo aumentou de 25,8% para 26,8%, nesse período. Por outro lado, em 2015 os pais solteiros representavam os pais solteiros representavam apenas 3,6% dos arranjos familiares.
A pesquisa também revelou que as mulheres foram apontadas como responsável pelo lar por em 15,7% das casos em 2015. O percentual era de 4,8% em 2005.
3. Mulheres empregadas fazem mais trabalho doméstico que homens desempregados
As mulheres que trabalham fora de casa dedicam 18,1 horas semanais às tarefas de casa, filhos e idosos, segundo a Pnad com base em dados de 2017. Homens desempregados ou inativos, por sua vez, dedicam apenas 12 horas semanais a essas atividades.
Para os homens empregados, a média é de 10,3 horas por semana. Já brasileiras fora do mercado de trabalho chegam a dedicar 23,2 horas aos afazeres domésticos em uma semana.
Os números mostram que a responsabilização pelo lar cresceu entre as mulheres, mesmo quando elas estão inseridas no mundo do trabalho, o que evidencia o acúmulo de funções.
4. 84% das crianças são cuidadas principalmente pela mãe
Das 10,3 milhões de crianças brasileiras com menos de 4 anos em 2015, 83,6% (8,6 milhões) tinham como primeira responsável uma mulher, seja mãe biológica, de criação ou madrasta, de acordo com o Suplemento Aspectos dos cuidados das crianças de menos de 4 anos de idade, da Pnad 2015.
A pesquisa revelou a continuidade do predomínio expressivo da figura feminina como principal responsável pela educação infantil e o impacto no mercado de trabalho.
Entre as crianças dessa faixa etária cuidadas por mulheres, apenas 45% dessas brasileiras estava trabalhando. Por outro lado, o percentual subia para 89% no caso dos homens.”A atribuição de cuidar da criança trouxe para a mulher um reflexo importante no indicador de ocupação”, afirmou a pesquisadora do IBGE Adriana Araújo Beringuy ao comentar a pesquisa.
O estudo foi feito pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, em parceria com o Ibope Inteligência divulgado em 2017, por sua vez, mostra que em 89% dos casos analisados, as mães são responsáveis pela criação dos filhos na faixa até 3 anos. Na média geral, a responsabilidade cabe aos pais em cerca de 5% dos casos. O restante são avós, tios ou outras pessoas.
A pesquisa Primeiríssima Infância – Creche também revela a influência do fator social. A criação pelas mulheres só não ultrapassa o índice de 90% nas famílias que recebem mais de 5 salários mínimos, onde o indicador cai para 72%. Nas famílias com renda até cinco salários mínimos que vivem em capitais ou em cidades de regiões metropolitanas, por sua vez, em 93% dos casos a mãe é a responsável.
5. Mulheres cuidam mais dos filhos do que homens
De acordo com a Pnad Contínua divulgada em 2017, 32,4% das mulheres de 14 anos ou mais no país cuida de um integrante do domicílio, sejam filhos, enfermos, deficientes ou idosos. O percentual cai para 21% entre homens.
A diferença aumenta em alguns quesitos. No auxílio nos cuidados pessoais, por exemplo, elas atuam em 86,9% dos casos e eles em 65%. Nas atividades educacionais, as brasileiras respondem por 71,1% e os brasileros, 58,8%.
Os homens não superam as mulheres em nenhuma dos quesitos avaliado, mas em alguns registram uma diferança menor. No caso de atividades voltadas ao lazer, como leituras e brincadeiras, elas respondem por 74%, enquanto eles, 72,1%.
A pesquisa apontou ainda que 89,9% das mulheres dedicaram pelo menos uma hora por semana para atividades como cozinhar, lavar louça, limpar a casa, fazer compras e cuidar de animais. O percentual masculino é de 71,9%.
O perfil masculino que faz serviços domésticos é empregado (75,5%), principal responsável pelas contas do domicílio (80,6%), tem entre 25 e 49 anos (75,9%) e branco (73,9%). Para as mulheres, a maioria é cônjuge ou companheira de principal responsável pelo domicílio (95,6%), negra (90,9%), tem de 25 a 49 anos (93,5%) e tem emprego (92,2%).
6. Pobreza é maior em famílias de mãe solo
A taxa de pobreza por família pobreza, medida pela linha dos US$ 5,5 por dia, é maior entre famílias compostas por mulheres sem cônjuge e com filhos. O indicador representa 57% desse universo, de acordo com a Síntese de Indicadores Sociais 2017 – SIS 2017, do IBGE.
O percentual cai para 30% em famílias de casal com filhos, 12% nas de casal sem filhos e 9% nas formadas por uma pessoa apenas.
A chance de ser mãe solteira na periferia é até 3,5 vezes maior do que no centro expandido de São Paulo, de acordo com pesquisa do Estadão Dados com o Ibope publicada em 2013. Segundo o levantamento, a probabilidade de uma mulher em áreas periféricas ter um marido para ajudar a cuidar dos filhos é praticamente a metade.
7. 5,5 milhões de brasileiros não tem nome do pai no registro
Há 5,5 milhões de crianças brasileiras sem o nome do pai na certidão de nascimento, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base no Censo Escolar de 2011.
Dados regionais mostram um cenário onde o abandono paterno é evidente. Só no estado de São Paulo, há 750 mil pessoas de 0 a 30 anos, sem o nome do pai no registro, de acordo com dados do governo estadual, segundo reportagem do UOL.
Em entrevista ao site, o promotor de Justiça Maximiliano Roberto Ernesto Fuhrer, da Promotoria de São Bernardo do Campo, classificou o fenômeno como uma “epidemia social”. Ele é responsável pela criação do serviço gratuito de reconhecimento e investigação de paternidade, criado em 2005. Na época, a iniciativa era oferecida apenas para crianças em escolas do ABC Paulista. A estimativa é que 10 mil menores não contassem com a presença paterna antes do programa.
No Distrito Federal, uma pesquisa da professora Ana Liése Thurler, do Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília (UnB), em 2007 estimou que 12% das crianças nascidas na região não sejam reconhecidas pelos pais, com base em dados de cartórios.
Um estudo anterior da especialista estima que uma em cada 4 crianças brasileiras não tem o nome paterno no registro de nascimento. Para Thurler, o motivo é a cultura machista. “Ainda vivemos em uma sociedade patriarcal, sexista, na qual o homem não se sente comprometido a assumir os filhos tidos fora do casamento ou em uniões não-estáveis”, afirmou à época. Ela também ressaltou a dificuldade de acesso a métodos contraceptivos para mulheres de renda mais baixa “Como as mulheres de extratos sociais mais baixos muitas vezes não podem escolher entre engravidar ou não, acontecem muitas gestações indesejadas”, completou.
Marcella Fernandes