Como rótulos ligados à maternidade afetam a carreira de líderes políticas

03 de agosto, 2017

Entrevistas com líder partidária na Nova Zelândia, que foi questionada sobre a população ter o direito de saber se uma candidata a premiê pretende sair de licença-maternidade, evidenciam estereótipos enfrentados por elas ao decidir ter ou não filhos.

(BBC Brasil, 03/08/2017 – acesse no site de origem)

Uma série de entrevistas a que foi submetida a neozelandesa Jacinda Ardern reabriu a polêmica mundial a respeito do papel da maternidade entre as líderes políticas.

Frauke Petry, política alemã, grávida

A política alemã Frauke Petry tem cinco filhos (Foto: Reuters)

Ardern, de 37 anos, foi eleita líder do Partido Trabalhista da Nova Zelândia na terça-feira e, na mesma noite, foi questionada se sentia que tinha de escolher entre ter filhos ou progredir na carreira.

“Não tenho problemas em responder essa pergunta porque tenho sido muito aberta em discutir esse dilema, enfrentado por muitas mulheres”, afirmou. “Minha posição não é diferente da mulher que equilibra três empregos ou que pode estar na posição de conciliar diversas responsabilidades.”

Mas os questionamentos não pararam. Na manhã desta quarta-feira, Ardern voltou a ser questionada – agora, se a população tem o direito, ao escolher um premiê, de saber se seu líder tirará licença-maternidade.

“Se você é o empregador em uma empresa, precisa saber que tipo de mulher está empregando”, questionou o entrevistador. “A pergunta é: é válido uma primeira-ministra sair em licença-maternidade enquanto estiver no cargo?”

Ardern, visivelmente irritada com a pergunta, disse que as mulheres têm o direito de manter seus planos de maternidade no âmbito privado e que não podem ser discriminadas por isso por seus empregadores.

“É totalmente inaceitável, em 2017, que mulheres tenham que responder esse tipo de pergunta no ambiente de trabalho”, respondeu a política. “Ter ou não filhos é uma decisão da mulher e isso não deve predeterminar se ela receberá ou não oportunidades de trabalho.”

Jacinda Ardern

Jacinda Ardern passou a ouvir perguntas sobre trabalho e maternidade ao assumir liderança partidária na Nova Zelândia (Foto: AFP)

‘Estéril’

Filhos – ou a ausência deles – são frequentemente alvo de debates quando se trata de mulheres na política.

Ali perto da Nova Zelândia há um exemplo recente disso: a ex-premiê da Austrália, Julia Gillard, que chegou a ser chamada de “deliberadamente estéril” por um senador da oposição e de “uma ateia ex-comunista sem filhos” por um rival de seu próprio partido.

Em um editorial, o jornal Sydney Morning Heraldescreveu que “a persona midiática (de Gillard) não cumpria as expectativas de alguns eleitores: uma mulher solteira, sem filhos, que dedica sua vida a sua carreira”.

Gillard costumava reagir a esse tipo de ataque. Em resposta ao líder da oposição, ela disse: “Se ele quer saber qual a cara da misoginia na Austrália moderna, ele precisa de um espelho”.

A cientista política britânica Jessica Smith, do Birkbeck College, em Londres, pesquisa paternidade, gênero e política. Ela afirma que, apesar das mudanças de papéis na sociedade, a ideia que se sobressai das mulheres é de que elas são mães.

“O estereótipo de mulheres como cuidadoras ainda é a lente pela qual elas são vistas”, diz Smith à BBC. “Há também (a ideia) de que, se uma mulher não teve filhos, ela sacrificou (a maternidade) pela carreira.”

Smith afirma que famílias se tornaram cada vez mais importantes na política, à medida que nos tornamos “mais interessados nas personalidades dos políticos”. Mas ela faz a ressalva de que “homens parecem conseguir escapar das discussões sobre família, ao contrário das mulheres”.

Angela Merkel

A mulher mais poderosa da Europa não tem filhos – e a imprensa de seu país não comenta o assunto (Foto: Getty Images)

Na Alemanha, o cenário é um pouco distinto. A chanceler (premiê) Angela Merkel costuma ser chamada, de modo afetuoso, de “mutti” (mãe) por muitos alemães, mas ela própria não tem filhos biológicos.

Não é de conhecimento público por que Merkel não teve filhos, e o assunto não é coberto pela imprensa – a Alemanha tem leis rígidas de proteção de privacidade.

Mas isso não impediu que oponentes políticos tentassem politizar o tema: em 2005, quando Merkel concorria contra seu antecessor, Gerhard Schröder, a mulher deste, Doris Schröder-Köpf, comentou que ela “não personificava, com sua biografia, as experiências da maioria das mulheres” – em uma clara referência à ausência de filhos.

O Reino Unido viveu episódio semelhante no ano passado, quando as políticas Andrea Leadsom e Theresa May disputavam a liderança do Partido Conservador – e, por consequência, do país.

Leadsom disse a um jornal que, por ser mãe de três filhos, “tinha um interesse muito real” no futuro do país, declaração que foi interpretada como uma alfinetada a May, que não tem filhos.

Mas o comentário pegou mal e, apesar de Leadsom ter pedido desculpas, acabou preterida – e May se tornou premiê. De qualquer forma, o episódio mostrou como a ausência de filhos pode ser usada contra uma política.

A mãe ‘típica’

Estereótipos comumente definem mulheres como mais “amáveis” que os homens, diz Smith, e a maternidade pode ajudá-las a formar essa imagem.

Na América Latina há exemplos disso: a ex-presidente Dilma Rousseff era chamada de “mãe do PAC”, o Programa de Aceleração do Crescimento, quando se projetava rumo à Presidência; a ex-primeira-dama argentina Evita Perón era frequentemente chamada de “mãe dos pobres”.

Sarah Palin com seus filhos em 2008

Sarah Palin com seus filhos em 2008: ela capitalizou em cima da imagem de mãe ao concorrer nas eleições presidenciais de 2008 (Foto: Getty Images)

Atualmente, Smith diz que essa imagem maternal tem sido explorada por políticos à direita no espectro político, com o objetivo de se associarem a valores familiares tradicionais. Ela cita a “hockey mom” (“mãe do hóquei”) Sarah Palin, que concorreu à Vice-Presidência dos EUA em 2008 como a “típica mãezona”. Apesar da derrota, ela se projetou nacionalmente na ala mais à direita da política americana.

De volta à Alemanha, Frauke Petry é o mais recente exemplo de uma mãe cujos filhos são centrais para sua imagem.

A líder do partido populista de direita AfD participou da conferência partidária quando já estava no final da gravidez de seu quinto filho. Na semana passada, ela tuitou uma foto sua com o bebê recém-nascido, acompanhada da seguinte legenda: “Qual a sua razão para lutar pela Alemanha?”

E há também a ex-candidata à Presidência americana Hillary Clinton, que tentou suavizar sua imagem ao jogar luz sobre o fato de ser avó.

“Qual a sua razão para lutar pela Alemanha?”, questiona Frauke Petry, líder de partido populista (Foto: @FRAUKEPETRY)

Obstáculos

Para algumas políticas, porém, a maternidade virou um obstáculo.

No Japão, em 2009 a ministra encarregada de elevar as taxas de natalidade do país, Yuko Obuchi, disse que estava preocupada em como conciliar a maternidade com o trabalho.

Seis anos antes, a ministra russa Zumrud Rustamova percebeu, enquanto participava de uma reunião uma semana antes de dar à luz, que “as pessoas fingiam que tudo estava bem, mas secretamente não tiravam os olhos da minha enorme barriga”.

O escrutínio extra sobre a vida familiar da mulher costuma refletir a forma como os eleitores veem as candidatas mulheres.

“Eleitores reconhecem que há dois pesos e duas medidas (para mulheres na política), mas tomam parte disso ativa e conscientemente”, argumenta a Barbara Lee Family Foundation, organização americana que estuda questões de gênero na política.

“Eles demonstram ansiedade quanto ao trabalho político da mulher ficar em segundo plano em relação a seu papel doméstico e se perguntam quem está cuidando das crianças (enquanto a mulher trabalha). Se uma candidata não tem filhos, os eleitores temem que ela não seja verdadeiramente capaz de entender as preocupações das famílias.”

Nalina Eggert

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