(Último Segundo, 25/09/2014) Pela primeira vez em uma eleição nacional, o número de candidatas superou o percentual de 30% exigido pela lei nas eleições proporcionais. No entanto, a participação de mulheres na política com reais chances de vitória é ainda pequena. Apesar de três mulheres estarem na corrida presidencial, duas com chances reais de disputarem o segundo turno, a bancada feminina na Câmara, por exemplo, corre o risco de minguar.
Muitas das atuais deputadas federais optaram por alçar outros voos, para o Senado, para governo de seus estados ou para vice. Enquanto isso, os partidos pouco investiram na construção de novos quadros femininos.
“Nós estamos com essa situação de não contar com as mulheres que naturalmente retornariam, por já terem um capital político e uma eleição mais garantida como deputada federal. Esta é uma das dificuldades que a gente enfrenta”, constatou a deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG), atual coordenadora da bancada feminina.
Nestas eleições, das 7.139 candidaturas a vagas na Câmara, somente 2.272 são de mulheres, contra 4.867 candidaturas masculinas. Nos últimos 15 anos, o percentual de candidaturas femininas na comparação com as masculinas cresceu 11 pontos. Nas eleições para Câmara, em 1998, o número de mulheres na disputa era de 10%, hoje alcança 31%. Nas eleições de 2010, este percentual foi de 19%.
Ainda assim, para a doutora em Ciência Política pela Universidade de Brasília (UnB), Patrícia Rangel, que desde 1998 acompanha a evolução das candidaturas femininas, o aumento no número de candidaturas neste ano poderia ter sido bem maior, se não fosse a “falta de vontade política” dos partidos em realmente investirem recursos nas candidaturas de mulheres.
“Os partidos brasileiros têm a dimensão dos mecanismos necessários para aumentar a participação feminina na política. Falta vontade política. Neste e em outros aspectos, os partidos brasileiros têm se mostrado como instituições conservadoras. Além das mulheres, estão sub-representados os negros e os índios. Política no Brasil tem sido arena de homem, branco e proprietário”, disse a pesquisadora, consultora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfema), responsável pela série histórica Mulheres e Eleições 1996 – 2012, que acompanha a evolução das candidaturas de mulheres.
Bancadas
Entre as bancadas estaduais, a do Paraná, por exemplo, poderá zerar sua participação feminina. Dos 30 deputados paranaenses, as duas mulheres são candidatas a vice-governadoras. Cida Borguetti (PROS) compõe chapa com Beto Richa (PSDB) e Rosane Ferreira (PV) está na chapa com o senador Roberto Requião. Em contrapartida, apenas uma mulher tem se mostrado competitiva na disputa: Professora Marlei (PT).
A Paraíba também perderá sua única representante mulher na Câmara. A deputada Nilda Gondim (PMDB) deu lugar na disputa para o filho, Veneziano.
Proporcionalmente, a presença feminina na bancada capixaba foi maior que em qualquer outro estado nesta legislatura. Dos 10 deputados do Espírito Santo, quatro são mulheres. Nestas eleições, a única com chances de se reeleger é a deputada Iriny Lopes (PT).
Já a deputada Rose de Freitas (PMDB), que chegou a ser vice-presidente da Câmara nos anos de 2011 e 2012, é candidata ao Senado em um quadro ainda bastante indefinido. Lauriete (PR) e Sueli Vidigal (PDT) alegaram pedido da família para não entrarem na disputa.
“A primeira percepção que nós tivemos é que é preciso construir uma estratégia de acumulação eleitoral para mulheres. É preciso fazer com que os partidos entendam que é necessário fazer deste pleito uma preparação para as próximas eleições. E isso ainda não é entendido pelos partidos”, reclama Jô Moraes.
“Muitas mulheres disputam as eleições, mas sabem que não serão eleitas agora. Seria importante que os partidos já adotassem a estratégia de investir nestas candidaturas com o objetivo de fazê-las, por exemplo, candidatas a vereadoras e a prefeitas com reais chances de vitória na próxima. Trata-se de adotar para as mulheres a mesma lógica de acumulação eleitoral que se usa para as candidaturas masculinas”, destacou.
Partidos
Ex-ministra das Mulheres nos dois primeiros anos do governo da presidente Dilma Rousseff, a deputada Iriny também responsabiliza os partidos. “Há um risco real de encolhimento da bancada feminina na Câmara, na contramão da luta da própria bancada. Este é o caminho inverso do crescimento da Democracia. Esse encolhimento demonstra mais uma vez que ainda é baixa a compreensão dos partidos políticos sobre a importância disso. Isso demonstra que ainda não levam a sério a necessidade de se criar as condições reais para que mais mulheres entrem na disputa”, defendeu Iriny.
“Falo isso em relação a todos partidos, inclusive o meu, o PT”, enfatizou a deputada, que tem investimentos do partido em seu nome. “O que o PT faz no Espírito Santo, ao investir na minha candidatura, não é regra como deveria ser. Infelizmente, ainda é exceção no país. É raríssimo ver uma mulher que esteja na ordem de eleição de qualquer partido”, enfatizou.
“Neste aspecto, a questão do financiamento das campanhas é fundamental. É uma questão central. É só pegar as prestações de contas das candidaturas femininas que é possível o observar que a arrecadação dos homens é muito maior que das mulheres. Não só os partidos colocam mais dinheiro, como as empresas preferem financiar candidatos homens”, considerou a deputada capixaba.
“Laranjas”
Neste contexto, Patrícia considera que as cotas previstas na lei para a disputa proporcional foi importante, mas insuficiente para garantir o poder de mulheres. Ela lembrou que nas eleições passadas, quando pela primeira vez a cota para a proporcional foi cumprida nas eleições municipais, houve um percentual grande de mulheres não receberam sequer um voto.
No Rio de Janeiro, por exemplo, 46% das candidatas a vereadoras nas eleições passadas não receberam sequer um voto e 77% não prestaram contas ou não movimentaram recursos em campanhas.
De acordo com Patrícia, há um temor que este fenômeno se repita nas eleições para a Câmara neste ano. “Ainda não temos uma base empírica para afirmar que isso ocorrerá, mas há um temor do movimento feminista e de quem mais luta pelo aumento da participação das mulheres na política de que isso se repita”, relatou a pesquisadora.
Reforma
Entre as medidas elencadas pela bancada feminina e por entidades defensora de direitos para mulheres, com o objetivo de melhorar a participação feminina na política, algumas dependem da reforma política. Um exemplo é a obrigatoriedade de alternância de gênero na lista dos partidos de candidatos proporcionais.
Patrícia alerta que, o atual sistema de votação proporciona é ineficiente para garantir este aumento. Neste caso, a adoção de lista fechada, com alternância de gênero seria o mais apropriado.
Este modelo é o que funciona na Argentina desde o início dos anos de 1990 e ajudou o país a aumentar rapidamente a proporção de mulheres no Parlamento. Hoje as mulheres ocupam 40% das cadeiras na Câmara. No sistema proporcional com lista fechada, os candidatos são apresentados em ordem fixa, determinada pelo partido. Esta ordem tem que ser seguida na hora de distribuir as vagas na Câmara. Nas listas da Argentina, as mulheres devem ocupar pelo menos os 3º, 5º e 7º lugares.
Além desta medida, propostas de estabelecer percentuais de investimentos nas candidaturas e a obrigatoriedade de tempo maior de TV também estão em pauta.
Luciana Lima
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