(Agência Patrícia Galvão, 28/04/2014) O ano de 2014 marca o aniversário dos 82 anos do direito de voto feminino no Brasil. Desde a conquista de 1932, as mulheres brasileiras obtiveram diversas vitórias: tornaram-se maioria da população e do eleitorado; conquistaram maior esperança de vida e menores taxas de mortalidade; adquiriram níveis crescentes de educação, ultrapassando os homens em todos os níveis de ensino; elevaram as taxas de participação no mercado de trabalho, reduzindo os diferenciais de gênero nos rendimentos totais; são maioria dos beneficiários da previdência e do Programa Bolsa Família; trouxeram duas das três medalhas de ouro nas duas últimas olimpíadas (Pequim e Londres) e conquistaram diversas vitórias na legislação nacional.
Porém, na política parlamentar as mulheres brasileiras estão praticamente estagnadas e perdendo posição em relação ao resto do mundo. A luta contra a exclusão feminina da política tem crescido desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Entre 1945 e 1995 a participação feminina cresceu mas se manteve baixa no Brasil e no mundo. Em 1995, houve a 4ª Conferência Mundial de Mulheres, em Beijing, que propôs a adoção de políticas de cotas para aumentar o empoderamento feminino. Neste ano, a participação feminina na Câmara de Deputados estava em torno de 12% no mundo e 6% no Brasil.
Nos dezenove anos depois da Conferência de Beijing, os avanços das mulheres nos parlamentos do mundo foram maiores do que nos cinquenta anos anteriores. Segundo a Inter-Parliamentary Union (IPU), as mulheres mundiais ultrapassaram 22% de participação na Câmara dos Deputados ou em Parlamentos Unicamerais (Lower ou Single House). Todavia, a participação feminina no Brasil permeceu abaixo de 10% e a diferença entre as taxas brasileiras e mundiais nunca foi tão alta (13,5%), como em 2014. Isto quer dizer que as mulheres brasileiras estão perdendo posição relativa em relação às demais mulheres dos diversos países do mundo.
No ranking da IPU, os países que possuem a mesma taxa de participação feminina aparecem empatados com o memso número de classificação. Desta forma o Brasil estava em 71º lugar em 01 de janeiro de 1997 e em 125º lugar em 01 de fevereiro de 2014. Contudo, no ranking global (considerando quantos países estavam na frente) o Brasil aparecia em 103º lugar em janeiro de 1997 e em 158º lugar em fevereiro de 2014. Portanto, o Brasil perdeu participação relativa e as mulheres brasileiras possuem uma das taxas de participação no Parlamento mais baixas do mundo.
Em 1997, em termos de equidade de gênero na política parlamentar, o Brasil perdia para todas as regiões, menos para os países Árabes. Mas em 2014, perde inclusive para os países árabes que passaram de 3,3% em 01/01/1997 para 17,8% em 01/02/2014, enquanto o Brasil passou de apenas 6,6% em 01/01/1997 para 8,6% em 01/02/2014. Ruanda é o único país com maioria feminina (atualmente com 63,8%) e Andorra possui paridade com 50% de deputados para cada sexo.
Como explicar esta situação em que as mulheres brasileiras avançam na maioria das áreas de atividades na sociedade, mas ficam para trás na política parlamentar?
Como explicar que nas eleições de 2010 as duas mulheres que disputavam a Presidência da República tiveram dois terços dos votos (Dilma Rousseff com 47.651.434 de votos – 46,9% – e Marina Silva com 19.636.359 de votos – 19,3%), mas foram eleitas apenas 8,6% de deputadas federais?
Como explicar que o Brasil tenha uma mulher na Presidência da República – esteja na frente dos Estados Unidos e da França que possuem longa tradição democrática mas nunca tiveram mulheres na Chefia do Executivo – porém fique em 158º lugar no ranking mundial de participação feminina parlamentar?
Os diversos Institutos de Pesquisa do país já mostraram que o eleitorado não só não discrimina as mulheres, como tem uma visão positiva da participação feminina na política. A prova mais cabal que o problema da baixa participação feminina na política não está no eleitorado é que, como mostrado acima, nas eleições de 2010 havia 9 candidatos à Presidência (7 homens e 2 mulheres) e o resultado do primeiro turno mostrou que dois terços (67%) dos votos foram para as mulheres.
Portanto, o problema da desigualdade de gênero na política não pode ser imputado ao eleitorado. Tudo indica que a razão do problema está nos partidos políticos que não conseguem abandonar suas práticas misóginas. São os políticos do sexo masculino que controlam os principais cargos dentro dos partidos e os espaços públicos de poder. Controlam também os recursos financeiros e o processo de escolha de candidaturas. Diversos estudos mostram que a principal barreira da participação feminina está na máquina partidária e no processo de definição das listas eleitorais e de organização das campanhas.
Para aumentar a participação feminina na política no Brasil é preciso alterar a participação das mulheres na estrutura de poder dos partidos políticos. No dia 10 de maio de 2011, militantes (de ambos os sexos) dos partidos progressistas e de movimentos sociais estiveram reunidas, em Brasília, no auditório Petrônio Portella, no Senado, no seminário “As mulheres e a reforma política”. Na ocasião definiram, dentre outros pontos, a necessidade de participação paritária de homens e mulheres em todos os cargos de representação partidária, nos níveis nacional, estadual e municipal.
A participação com paridade de gênero na política é fundamental. Não só na estrutura partidária, mas a paridade precisa ser instituida nas secretarias municipais e estaduais e no ministério federal. A equidade de gênero precisa ser implementada também nos altos Tribunais do Poder Legislativo e até nas diretorias das empresas privadas. No processo eleitoral é preciso garantir a paridade nas listas eleitorais e paridade no acesso aos recursos da campanha eleitoral.
Tem crescido a parcela da opinião pública que defende uma maior presença pública feminina. Pesquisa Ibope, que faz parte de um levantamento global de opinião pública realizado em 65 países pela rede WIN, mostrou que 41% dos brasileiros acreditam que o mundo seria um lugar melhor se as mulheres fossem maioria no mundo político. Assim, é possível se atingir a igualdade de oportunidade entre os sexos na família, na sociedade e na política.
Se os partidos quiserem podem oferecer igualdade de disputa para homens e mulheres nas eleições gerais de 2014. Para 2018, existe uma proposta do Senador Anibal Diniz (PT-AC) de garantir paridade de gênero quando houver eleições para a renovação de dois terços do Senado Federal, reservando uma vaga para as candidatas mulheres. A proposta é excelente do ponto de vista da equidade de gênero, pois garantiria, de imediato, uma representação feminina no Senado Federal de pelo menos 33% dos assentos. Caso aprovada, poderia mitigar uma desigualdade histórica e garantir maior justiça na representação de gênero no Poder Legislativo. Porém, esse tipo de ação afirmativa deveria ser estabelecido por um tempo limitado, por exemplo, durante duas ou três eleições, até que as mulheres conseguissem maior igualdade de oportunidade na disputa eleitoral. Do contrário, do ponto de vista da representação democrática, reduziríamos a autonomia e a soberania dos eleitores.
Mas tudo pode mudar já nas eleições de 2014, quando se comemora os 82 anos do direito de voto feminino no Brasil. Se os partidos derem espaço e apoio para as candidaturas femininas para deputados federais e estaduais e para senadores e governadores, o Brasil pode dar um salto no ranking mundial, deixando de ficar na lanterninha da América do Sul e deixando de perder posição para países como Iraque, Afeganistão, Moçambique, Sudão e outros com menores níveis de desenvolvimento e maiores índices de desigualdade social de gênero.
No dia 05 de outubro de 2014 (data do primeiro turno das eleições 2014) o Brasil pode dar um salto no ranking mundial de participação feminina na política. Mas para tanto é preciso que as convenções partidárias, que devem ocorrer de 10 a 30 de junho (período definido no artigo oitavo da Lei das Eleições – Lei nº 9.504/1997 e seguindo as regras da Lei n° 12.034/2009), garantam uma boa participação das mulheres nas listas partidárias e que haja apoio total para as candidaturas femininas durante a campanha eleitoral.
*José Eustáquio Diniz Alves é doutor em demografia e professor titular do mestrado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. Telefone: (21) 2142.4689; E-mail: [email protected]
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