(Dimalice Nunes/Agência Patrícia Galvão, 14/08/2016) A luta pelo voto feminino no Brasil começou em 1916, com o registro do primeiro pedido formal de direito ao voto para as mulheres. Cem anos depois, o Brasil amarga a 153ª posição no ranking da IPU (Inter-Parliamentary Union) de participação feminina no parlamento entre os 185 países listados, atrás de países como Serra Leoa, Somália, Iraque e Afeganistão. Como se a colocação em si já não fosse decepcionante, há retrocesso: o Brasil perdeu 32 posições depois da eleição de 2014. Hoje, há 16% de mulheres no Senado e apenas 9,9% na Câmara Federal. Considerando as Américas, o Brasil só está na frente de Haiti e Belize.
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– Estrutura partidária ainda impõe barreiras à entrada das mulheres na política
– Candidaturas e mídia estão desafiadas a pautar interesses das mulheres no debate eleitoral
Nos municípios, que são considerados a principal porta de entrada para as mulheres na política , a situação não é melhor. Segundo dados do Ibam (Instituto Brasileiro de Administração Municipal), nas eleições de 2012, 13% dos candidatos às prefeituras eram mulheres, que ficaram com 12% dos municípios. Para as Câmaras Municipais, mesmo resultado: 12% dos vereadores eleitos são mulheres, que eram 31% dos candidatos. “A gente não consegue romper essa barreira dos 12%. Esse número nos persegue de forma cruel mesmo quando há aumento do número de candidatas mulheres, como vimos para as vagas de vereador na última eleição”, explica Adriana Vale Mota, socióloga e consultora do Ibam. “Ainda temos uma representação que não corresponde à força e as contribuições das mulheres na sociedade brasileira. A participação das mulheres na vida pública é um dos pilares da democracia”, avalia Adriana. Os números são ainda piores no âmbito estadual: 11,4% nas assembleias legislativas, e 3,7% dos governos estaduais.
O machismo arraigado nos partidos e na vida pública afasta as mulheres com ambições políticas. Além de serem vistas apenas como um número para o preenchimento de cotas – desde 1997 é obrigatório que 30% das candidaturas de cada partido seja de um dos sexos. Mas essa determinação legal só passou a ser respeitada em 2012 pelos partidos. As mulheres que decidem brigar em pé de igualdade com os homens no ambiente político e partidário são invariavelmente vítimas de intenso preconceito e violência . “E a violência na política é diferente contra homens e mulheres. Enquanto com os homens a violência é física e até mesmo letal, contra as mulheres ela é simbólica, é uma violência que se disfarça de muitas formas e a Justiça não tem uma resposta para isso”, explica Adriana. De acordo com estimativas de estudiosos, caso não haja mudança na legislação eleitoral brasileira a equidade entre homens e mulheres só será alcançada no Brasil em 150 anos.
Para o cientista político da Universidade de Brasília (UnB) Luis Felipe Miguel, especialista em participação feminina na política, as mulheres vivem uma “corrida de obstáculos” para chegarem a cargos eletivos e alcançarem novos lugares na vida pública. Assim como para muitos homens, a carreira política geralmente começa na vereança, mas o gargalo a ser atravessado para avançar é ainda mais apertado para as mulheres do que o enfrentado pelos homens. Muitas carreiras políticas femininas se encerram no âmbito municipal. “Isso se explica em boa parte pela divisão sexual do trabalho. A vantagem no município é a proximidade da unidade familiar, o que explica também uma maior presença feminina em cidades pequenas”, afirma Luis Felipe.
Segundo o especialista, “o regime é formalmente igualitário, mas com ônus muito diferentes para homens e mulheres”. Ele lembra que itens como falta de creches ou escolas em período integral, por exemplo, limitam a participação das mulheres na vida pública. Além disso, dificilmente um homem que parte em busca de uma carreira pública na capital do seu estado ou em Brasília será questionado sobre os cuidados com os filhos ou sobre administração doméstica. As mulheres serão. E além de questionadas, terão dificuldade, ou a impossibilidade, de obterem o apoio necessário.
Para além dos números
As cotas colaboram com uma maior presença feminina na política, mas incentivam candidaturas pouco competitivas na visão de Luis Felipe. Candidatas “laranja” – lançadas apenas para o preenchimento das cotas – ainda são comuns e não há uma fiscalização efetiva do cumprimento dessas cotas. A lei de cotas só foi plenamente cumprida, em número, no pleito de 2014. “Os espaços de poder formal importam e os partidos ainda têm o monopólio desse acesso.”
O controle masculino da máquina partidária se mostra também na diferença entre as eleições para cargos representativos – onde valem as cotas – e majoritários, sem cotas. Basta comparar a presença de mulheres no Senado (16%) e nos governos dos estados (3,7%). “As mulheres não conseguem penetrar nesses espaços. Há um poder simbólico que quer mostrar o tempo todo que o espaço da política é só para homens”, completa Miguel.
Para Jacira Melo, diretora do Instituto Patrícia Galvão, “o convite para que mulheres se candidatem é só para preencher a cota. Em geral os partidos convidam na última hora mulheres que não têm chance eleitoral”, afirma. “Sem apoio, é tão difícil o processo de campanha dessas candidatas que a maioria não volta a se candidatar, conclui.
As pesquisas e as urnas, muitas vezes, provam o quanto os partidos estão dissociados da realidade da sociedade. Para Fátima Jordão, socióloga e especialista em pesquisas de opinião e campanhas políticas, a imagem das mulheres candidatas tende a ser mais positiva para o eleitorado do que a dos homens. É frequente que elas sejam mais associadas a palavras como honestidade e ética. “Há uma força real das mulheres que os partidos ainda teimam em ignorar. Haverá mais candidatas esse ano pela força da lei eleitoral, mas os partidos aos poucos também começam a perceber essa força.”
Além da fiscalização do que a lei já determina, Adriana, do Ibam, acredita que é necessário que uma proposta de reforma política contemple de fato a perspectiva de gênero. Para ela, regras devem viabilizar a criação de cotas para mulheres eleitas, aquelas que de fato ocuparão os espaços políticos. Isto é, exigir de cada partido ou coligação o percentual, por exemplo, de no minimo 30% de eleitas por sexo e não mais de 30% de candidaturas por sexo.
A ideia tem respaldo popular. Em pesquisa de percepção realizada pelo Ibope e pelo Instituto Patrícia Galvão, 80% dos entrevistados defendem a obrigatoriedade de participação de 50% de mulheres no Legislativo e 74% acreditam que só há democracia de fato com a presença de mais mulheres nos espaços de poder e tomada de decisão. Quanto aos partidos, 78% dos entrevistados concordam que eles deveriam apresentar listas de candidatos compostas por metade homens e metade mulheres e 73% dos entrevistados defendem punição no descumprimento disso.