(El País, 30/12/2014) Quando Dilma Rousseff vestiu a faixa presidencial pela primeira vez, no dia 1 de janeiro de 2011, enalteceu o fato de ser a primeira mulher eleita presidenta do país. Ao longo de seu discurso, a palavra ‘mulher’ foi dita dez vezes. “Pela decisão soberana do povo, hoje será a primeira vez que a faixa presidencial cingirá o ombro de uma mulher”, disse. “Venho para abrir portas para que muitas outras mulheres também possam, no futuro, ser presidentas; e para que – no dia de hoje – todas as mulheres brasileiras sintam orgulho e a alegria de ser mulher”, prosseguiu.
De fato, naquele momento surgia uma nova era para as mulheres na política. Naquele ano, além de Dilma Rousseff, 45 deputadas federais foram eleitas, além de oito senadoras e duas governadoras. Um número baixo, se levado em conta o total de parlamentares (513 deputados federais, 54 senadores e 27 governadores), mas alto, pensando no contexto sócio-político do Brasil: um país patriarcal, cuja cultura machista é amplamente enraizada, e onde a mulher só conquistou o direito ao voto muito tempo depois de ser deixada de escanteio no jogo político. Por isso, 2010 foi sim um grande ano para as mulheres na política. E ao longo do seu mandato, Dilma Rousseff deu poder a um time feminino em pelo menos dez ministérios – e ainda, Graça Foster na presidência da Petrobras.
Quatro anos depois, o cenário mudou um pouco. Foi eleita apenas uma governadora – Suely Campos (PP), em Roraima – cinco senadoras e 51 deputadas federais. Este foi o primeiro ano em que todos os partidos políticos cumpriram com a cota de 30% de mulheres entre seus candidatos. E cumprindo a lei, a participação feminina entre os postulantes cresceu 60%, em relação a 2010. Mas isso não se refletiu, necessariamente, em votos que registrassem uma mudança consistente. Talvez porque uma lei não muda necessariamente uma cultura. Pelo menos não de uma hora para outra. A mudança deveria continuar pelas mãos de Rousseff. Mas na lista ainda incompleta de ministros do novo Governo, figuram apenas duas mulheres entre os 17 nomes: Katia Abreu, na Agricultura, e Nilma Lino Gomes na Secretaria de Igualdade Racial. Ainda faltam nomes a serem anunciados, mas as pastas mais fortes serão chefiadas por homens, como a Casa Civil, que muito provavelmente continuará sob comando de Aloizio Mercadante.
Embora numericamente a participação feminina não apresente grandes avanços, algumas mulheres fizeram com que 2014 fosse um ano importante para o gênero feminino. Inegavelmente, foi uma eleição histórica, com três mulheres na disputa. As notícias não são necessariamente as melhores. Entre dólar entre as roupas íntimas à rainha eleita pelas feministas, as mulheres que causaram na política brasileira neste ano foram:
A ambientalista que mudou todas as peças do xadrez eleitoral
De vice-candidata, Marina Silva virou protagonista dessas eleições após a morte de seu cabeça de chapa Eduardo Campos (PSB) em um trágico acidente de helicóptero. O país esperou Marina Silva se pronunciar – ou talvez, antes de mais nada, se decidir – sobre o futuro de sua candidatura. Foi a público dizer que ficava. Mas as incertezas de Marina rondaram sua cabeça e sua campanha. Para tentara agradar gregos e troianos, Marina foi de um lado para outro em diversas questões, como os direitos dos homossexuais e o apoio do PSDB em São Paulo, e renegou seu discurso ‘paz e amor’ ao decidir rebater os ataques dos adversários. Talvez, ainda que inconscientemente, criticou tanto Dilma Rousseff que passou a se parecer com ela. Freud poderia explicar. Ou não. A pérola “Eu prefiro perder ganhando que ganhar perdendo. Mas nós vamos ganhar ganhando” que ela soltou em sua conta no Twitter, poderia ser perfeitamente dita por Rousseff, que volta e meia se perde um pouco com as palavras.
A rainha das feministas
Seu sotaque gaúcho ficou conhecido. Luciana Genro (PSOL) virou meme. Foi chamada de musa por homens e feministas. Colocou no centro questões tabus para a política brasileira como a legalização das drogas e do aborto. Esquentou um debate entre os presidenciáveis que tinha tudo para ser morno, quando disse para o candidato tucano Aécio Neves “não apontar o dedo” para ela, enquanto ele a chamava de “leviana”. Neves encolheu o indicador e quase guardou o dedo dentro do bolso e foi taxado de machista pelo resto das eleições. Genro comparou Neves ao PT, dizendo que era “o sujo falando do mal lavado”, se referindo ao partido do qual foi filiada por anos, e onde seu pai ainda permanece. Foi irônica e séria, algumas vezes pendendo para um discurso um pouco ultrapassado em relação à economia. Criticou a Rede Globo em um debate na própria emissora. Perdeu as eleições, mas dos candidatos menores foi a mais bem votada, ficando em quarto lugar. Levou uma boa parte dos votos de Marina Silva e Dilma Rousseff. Já fora do jogo eleitoral, a candidata do PSOL fez seu último barulho, dizendo aos seus 1,6 milhão de eleitores: “Não votem em Aécio”. Genro só fez silêncio na hora de dizer em quem votar, já que, apesar da aversão a Aécio Neves, a gaúcha tampouco declarou apoio a Rousseff.
Marina Rossi
Acesse no site de origem: As mulheres que ‘causaram’ na política brasileira em 2014 (El País, 30/12/2014)