(Terra, 19/05/2016) Ausência de mulheres no primeiro escalão do governo interino causou polêmica e levou grupos feministas a tomarem a frente em um movimento de oposição a Michel Temer e a facções conservadoras no Congresso Nacional.
Apesar de representarem ainda hoje menos de 10% do Congresso Nacional, as mulheres estão assumindo cada vez mais destaque na sociedade civil à frente de um movimento de oposição ao governo. O ato mais recente aconteceu no último domingo (15/05), quando milhares protestaram contra o presidente interino Michel Temer. Convocada nas redes sociais como “Mulheres contra Temer”, a manifestação reuniu ainda representantes do movimento negro, de grupos LGBT e movimentos estudantis.
Sônia Coelho, integrante da Sempreviva Organização Feminista (SOF) e da Marcha Mundial de Mulheres, lembrou em entrevista à DW Brasil que foram as mulheres as primeiras a chamar a atenção para propostas retrógradas no governo da presidente Dilma Rousseff, as quais avançam na administração Temer. Os temas mais controversos dizem respeito à descriminalização do aborto e o combate ao assédio sexual e à violência doméstica.
“Ano passado, na chamada ‘Primavera Feminista’ aqui no Brasil, não só os movimentos, mas muitas meninas que nem são organizadas foram para as ruas”, conta Coelho. “As belas são feras. Pesquisas mostram que as mulheres querem estar no mercado de trabalho, querem atuar no espaço público. Para a grande maioria, não existe esse desejo de estar no lar”, afirmou Coelho.
#AgoraÉQueSãoElas
Outra campanha feminina a ganhar manchetes recentemente foi #AgoraÉQueSãoElas, que chamou a atenção para a baixa participação feminina na mídia e no discurso político no Brasil. Manoela Miklos, autora da ideia, disse à Deutsche Welle: “Estamos diante de um governo que naturaliza a desigualdade de gênero e entende que lugar de mulher não é na política. A brasileira vai ter que participar nas ruas e nas redes: protestando e defendendo seus direitos dos muitos ataques que este grupo que hoje dirige o país deseja encampar.”
Para Miklos, “a [falta de] representatividade feminina [nos ministérios] é só o primeiro ataque”. Segundo ela, faz parte do governo interino “o mesmo grupo que ameaça, desde 2015, os poucos direitos reprodutivos que temos. E que apoia projetos de lei que proíbem o debate sobre questões de gênero nas escolas. Os direitos da mulher estão em risco. Os direitos humanos e de todas as minorias estão na mira.”
“A dificuldade em lidar com a diversidade certamente se refletirá nas políticas públicas deste governo provisório – e a mesma naturalização das desigualdades deve guiar outras políticas sociais “, resumiu a ativista.
Visão de mundo
Para o cientista político Maurício Santoro, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, a composição da equipe de governo de Michel Temer expressa uma visão de mundo. “O problema não é só a ausência de mulheres. Não tem negros. É um ministério de homens brancos e, em geral, de meia idade ou idosos”, pontua, acrescentando que se trata de “um perfil muito semelhante ao do Congresso Brasileiro, que reflete a base de apoio parlamentar que levou adiante o impeachment e colocou Temer na presidência.”
Para Santoro, são as mulheres que estão se mobilizando como oposição. “Quem estou vendo aqui no Brasil mais mobilizado contra o impeachment, contra o governo Temer? São os movimentos das mulheres. Feministas e ativistas me dizem que têm um medo muito grande dos grupos políticos que o Temer vai favorecer no governo: ligados ao Eduardo Cunha, aos evangélicos.”
Embora esses grupos também fizessem parte da base de apoio do governo Dilma, Santoro destaca que eles não tinham papel central. “Agora, quem vai, no governo, tentar conter esses grupos? Alguém está preocupado em contê-los?”
Padrinhos políticos
Santoro o cientista político, são muito poucas as mulheres no Brasil que fazem carreira política sem ser dependentes do marido, do pai ou outro padrinho político. “São uma minoria dentro desta minoria que são as mulheres na vida pública. Boa parte daquelas em posição de destaque fez campanhas ligadas aos maridos ou como integrantes de dinastias políticas.”
A ativista Sônia Coelho ressalta que, entre os 10% de mulheres no Congresso, muitas adotam o mesmo discurso machista dos homens. “Queremos eleger mulheres que tenham outra visão da política, que não estejam ligadas aos grandes interesses econômicos e religiosos que dominam este país”, defendeu a feminista. “São necessárias outras discussões sobre mulher e poder, sobre democracia participativa no Brasil, sobre democracia direta, sobre democracia representativa, para ver onde de fato vamos poder participar, para ver onde de fato vamos poder tomar decisões.”
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