(iG) A diretora gerente do Fundo Monetário Internacional, Christine Lagarde, está longe de ser uma francesa típica, apesar do inegável apreço que mantém há décadas pelas bolsas da grife Hermès. Dona de um inglês ofensivo até para os mais poliglotas dos franceses, Lagarde tem mais admiração por Adam Smith do que por Marx, não suporta vinho e acha que seus compatriotas trabalham pouco – ela, que fez quase toda a carreira nos Estados Unidos, é uma crítica ferrenha da jornada de trabalho de 35 horas. Por isso, quando a noite cai nos bistrôs do Quartier Latin, é comum ver os franceses mais empedernidos referindo-se a ela como “l’Américaine”.
Apesar de todos os indícios, Largarde não parece ter voltado tão americanizada quanto fazem crer seus detratores. E não é só corpo esguio que, aos 55 anos de idade, desfila mundo afora que prova isso. Aos poucos, ela vem se mostrando uma feminista de dar orgulho a Simone de Beauvoir – e de arrepiar a vasta cabeleira de Sarah Palin. Em uma clara afronta aos bons modos liberais, a diretora chefe do FMI se tornou a mulher mais poderosa do mundo a defender cotas para mulheres em cargos de liderança em empresas e instituições, como o próprio Fundo Monetário Internacional. “Em uma reunião, homens em posição de poder têm a tendência de ficar competindo para ver quem tem o peito mais cabeludo ao invés de ir diretamente ao ponto dos problemas”, disse ela, pouco antes de assumir o FMI.
Excesso de testosterona
Na prática, Lagarde acha que a meritocracia não é o bastante para que o poder seja dividido de forma mais equânime entre os gêneros. E mais: propõe leis para garantir que mulheres tenham a mesma chance de ascender profissionalmente que os homens. “Quando jovem eu era contra as cotas, mas os avanços estão ocorrendo de forma muito lenta, é preciso fazer alguma coisa”, disse ela em uma entrevista ao jornal britânico Financial Times. “Eu sinceramente acho que nunca deveria haver tanta testosterona em uma sala onde decisões importantes são tomadas”, afirmou a diretora geral do FMI, que, antes de assumir o cargo, foi sabatinada por 25 diretores do Fundo, todos os homens.
Na França, onde a juventude protestou contra as reformas propostas por Lagarde, a cota para mulheres já está em vigor
A proposta de Lagarde é controversa, mas já foi adotada em alguns países. Na Noruega, uma lei que estabelece cotas para mulheres em conselhos de administração de empresas públicas e privadas entrou em vigor em 2003. Pelo projeto aprovado no país nórdico, 40% dos assentos de um conselho, o órgão que representa os acionistas e, na prática, define os rumos de uma companhia, deveriam ser ocupados por mulheres. As empresas norueguesas tiveram cinco anos para se adaptar.
Na esteira da Noruega, outros países europeus criaram leis semelhantes. A França aprovou a lei em 2007 e exigiu a paridade salarial na negociação, para evitar que as mulheres fossem colocadas nos conselhos apenas por formalidade, sem remuneração. Na Espanha a lei passou também em 2007 e inclui um período de adaptação até 2015, mesmo prazo da Holanda. Bélgica e Itália que estabeleceram cota de 33% em 2011.
No Brasil o assunto também entrou na pauta. Um projeto de lei (PL 112/10) apresentado pela senadora Maria do Carmo Alves (DEM/SE) no ano passado prevê a instalação de cotas para mulheres nos conselhos de administração das empresas nas quais a União seja a sócia majoritária. Pela proposta da senadora, 40% das vagas nos conselhos das estatais teriam que ser ocupadas por mulheres. O projeto ainda está tramitando pelas comissões do Senado e não tem data para ir à votação.
Apoio tímido
Mas, ao contrário do que espera Lagarde e a senadora sergipana, parecem ser poucas as mulheres a defender a proposta. São raras as manifestações femininas mundo a fora e no Brasil a favor da imposição das cotas. Em uma pesquisa realizada no ano passado pela Harvard Business School a pedido da consultoria de Recursos Humanos Heidrick & Struggles, apenas 25% das mulheres entrevistas eram a favor da imposição por lei de vagas para mulheres em conselhos de administração. Na outra ponta, 59% das ouvidas se mostravam absolutamente contra a ideia. Quando a mesma pergunta foi feita aos homens, apenas 1% concordava com a proposta, enquanto 93% discordavam totalmente.
No Brasil, apenas 7,7% das vagas de conselhos de administração de empresas privadas e públicas é ocupada por mulheres. Em números absolutos isso significa que 165 mulheres têm assento no conselho de pouco mais de 14º companhias. “A fatia é muito pequena e a participação das mulheres nos conselhos vai demorar para pegar”, diz Heloísa Bedicks, diretora executiva do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, uma entidade que tem como principal função incentivar a criação e a qualidade dos conselhos de administração.
Apesar de reconhecer que a diversidade sexual na posição de comando das companhias se dá de forma lenta, Heloísa é contrária à ideia das cotas. “Não deve ser algo imposto”, diz ela. “É preconceituoso achar que as mulheres não conseguirão galgar posições de comando nas empresas e, além do mais, cotas podem atrair pessoas pouco qualificadas para os conselhos”.
Essa também é a posição de Lia Valls, que coordena o Centro de Estudos do Comércio Exterior do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas. Ela até concorda que as cotas têm um sentido afirmativo de inclusão e que podem servir como um agente político de mudanças. “Mas não pode ser uma concessão, há que haver mérito”, diz Lia, que é doutora em economia pela UFRJ e mestre em filosofia em economia pela Universidade de Cambridge.
Não tivesse decidido ser mãe, seriam grandes as chances de a economista Mônica de Bolle ter Christine Lagarde como sua chefe hoje. Por cinco anos, entre 2000 e 2005, Mônica deu expediente no Fundo Monetário Internacional. Passou quase meia década viajando de um lado para o outro no mundo como emissária do fundo. “Eu viajava muito, estava indo bem no FMI, mas ai decidi ser mãe”, conta ela, que hoje mora no Rio de Janeiro e é diretora da Galanto, uma consultoria econômica.
Para ela e o marido, estava claro que a rotina do FMI era absolutamente incompatível com a maternidade. “Para mim, a questão principal é que a mulher tem um tempo diferente daquele do homem na ascensão profissional”, diz ela, hoje mãe de duas crianças. “Mais do que discutir cotas, acho que precisa se discutir o fato de que a mulher tem um ciclo de vida diferente do homem”, diz Mônica. “É natural que nossa progressão seja diferente”.
Mas apesar de não gostar da proposta de Lagarde, Mônica concorda com a opinião da diretora chefe do FMI a respeito dos homens. “Quanto há mais mulheres nas reuniões que participo, e isso é muito raro, as coisas fluem melhor, nós somos mais objetivas”, diz ela. “Somos mais pragmáticas”. Há controvérsias.
Acesse em pdf: Christine Lagarde defende cotas para mulheres (iG – 09/12/2011)