As mulheres que ocupam cargos políticos são mais vigiadas que os homens. A opinião é da professora e pesquisadora da Universidade Federal da Paraíba Glória Rabay, uma das autoras do livro Mulher e Política na Paraíba, histórias de vida e luta. Em entrevista exclusiva ao JORNAL DA PARAÍBA, ela avalia que o sistema de cotas para as mulheres na política deixa muito a desejar. “Até a eleição de 2012 nenhum partido cumpria a cota em nenhum processo eleitoral”. Glória Rabay conta que somente a partir da década de 80 as mulheres passaram a ter uma participação mais ativa na política brasileira.
(Jornal da Paraíba) – Como a senhora avalia a participação da mulher na política brasileira?
GLÓRIA RABAY – Sem dúvida essa participação tem crescido, especialmente depois de 2010 com a eleição da presidente Dilma Rousseff. Apesar disso, eu ainda considero insignificante diante da base eleitoral feminina que corresponde a mais de 52% do eleitorado. Hoje, ocupando cargos políticos, nós somos menos de 20% e apenas na última campanha para prefeito e vereador foi que todos os partidos conseguiram alcançar a cota de 30% de candidatas. Mas mesmo tendo conquistado através do voto o poder, ainda somos menos de 20%.
JP – A que se deve isso?
GLÓRIA RABAY – Eu acho que tem a tradição. A sociedade dividiu os papéis de homens e mulheres de uma maneira que deixou as mulheres trancadas no âmbito doméstico. Desde a antiguidade que você vai ter homens exercendo o poder, a cidadania, discutindo a república, discutindo o governo, o Estado, enquanto que as mulheres estão totalmente alijadas do poder político. Isso só vai ser revertido no Brasil em 1932 com Getúlio Vargas que vai permitir às mulheres o direito ao voto. Mas essa conquista não correspondeu a uma participação enquanto candidata. Isso só vai ser minorado a partir do processo de abertura política já na década de 80. Mas de 32 até a década de 80 são raras as mulheres que são apontadas para disputar um cargo de poder. Então, tem esse papel da história e é lógico que isso está associado a uma tradição patriarcal, ao machismo, a várias concepções que vão pensar a mulher num papel unicamente doméstico, recluso ao lar. A sociedade de um modo geral vai pensar a cidadã como alguém incapaz de governar, de gerir a sociedade, de propor políticas públicas. É tanto, que as mulheres não educadas para exercer [2] isso também vão se abster de desejar, de querer esse papel. É como se não fosse legítimo para as mulheres desejarem mandar, desejarem estar no poder. Há várias chacotas que associam o desejo de poder com mulheres mandonas, masculinizadas. O desejo de poder faz parte da natureza humana. Nós temos ideias, queremos influir nos rumos da sociedade. Se eu tenho ideia de como a sociedade deve se comportar, que políticas publicas são interessantes, eu quero ter a oportunidade de expor essas concepções. Isso também faz parte do poder.
JP – O sistema de cotas para as mulheres não está funcionando no Brasil?
GLÓRIA RABAY – O sistema de cotas no Brasil demorou muito a funcionar. Primeiro porque a lei sempre foi muito flexível. Os partidos apontavam justificativas para não preencher as cotas e as justificativas eram aceitas sem nenhuma punição para os partidos que não cumpriam a cota. Até a eleição de 2012 nenhum partido cumpria a cota em nenhum processo eleitoral. No ano passado a Justiça Eleitoral mudou uma palavrinha tornando obrigatório o preenchimento das cotas e aí os partidos preencheram. O modelo que a gente instituiu de cota favorece, mas não tanto, como por exemplo na Argentina. Lá são 50% de homens e 50% de mulheres e pela força da lei não pode ser diferente. Aí sim você conquista uma real participação no processo político. No nosso caso a concepção das cotas não foi tão avançada. A gente espera que numa reforma política isso possa ser modificado.
JP – As mulheres formam a maioria do eleitorado brasileiro. Mas percebemos que elas preferem votar nos homens. Isso é preconceito das mulheres com as mulheres?
GLÓRIA RABAY – Eu diria que homens e mulheres preferem votar nos homens. Os homens não se elegem só com o voto das mulheres. Culturalmente a sociedade tem informado que as mulheres não servem para exercer o poder. São barreiras culturais e políticas que precisam ser vencidas. Os partidos sempre alegam que têm muita dificuldade de apontar uma mulher para se candidatar. E deve ser verdade, porque objetivamente a sociedade não dá essa oportunidade. A mulher já é penalizada com a dupla jornada de trabalho e se ela se candidatar e resolver ser militante de alguma causa, ela vai ter que enfrentar uma tripla jornada, porque ela não pode deixar de trabalhar, de cuidar de sua casa e ainda vai ter que se dedicar à terceira causa. Isso é um dos fatores que fazem com que a mulher se abstenha da participação política. Os partidos fazem convenções, mas não oferecem creches, não fornecem a alimentação para que a mulher não precise ir em casa correndo preparar a comida. Tudo isso dificulta a participação efetiva da mulher no poder porque ninguém se candidata de um dia para outro, tem um nome a ser construído e você não constrói esse nome se você não for brilhante numa carreira, se não tiver uma participação política significativa em algum setor, como sindicatos e os movimentos sociais, ou então quando você vem de uma família tradicionalmente envolvida com a política e isso vale para homens e para mulheres. A gente costuma pensar que esse é um fenômeno só das mulheres. Em qualquer lugar do mundo a política é um campo marcado pela tradição familiar. O poder, o prestígio, as influências, se passa de pai para filho, de marido para esposa, de pai para filha, de irmão para irmã.
JP – Na política paraibana as mulheres estão representando bem o sexo feminino?
GLÓRIA RABAY – Eu costumo dizer que os políticos de um modo geral não representam bem porque não estão representando todos os segmentos da sociedade. A política no Brasil é estruturada de uma forma que você precisa de grandes somas de dinheiro para se eleger. Setores dos trabalhadores, setores que não dispõem dessa influência econômica acabam sendo alijados do processo. A política no Brasil é um espaço dos mesmos e isso é para as mulheres e para homens. Estando no poder, as mulheres pautam temas que os homens não pautariam. Por exemplo, uma lei mais punitiva contra os crimes sexuais, uma lei que amplia a licença maternidade, a aposentadoria da dona de casa. Algumas pautas no parlamento são trazidas pelas mulheres e nesse sentido elas fazem a diferença. A questão da violência, a Lei Maria da Penha, tudo isso era impensável quando o Congresso era um campo unicamente masculino. As mulheres que trazem esse debate para a política.
JP – No Executivo, as mulheres também desempenham bem seu papel?
GLÓRIA RABAY – O Executivo é um espaço com menos oportunidades de observação disso. Nós nunca tivemos uma governadora, só tivemos uma prefeita, mesmo assim ela era vice-prefeita e assumiu (Cozete Barbosa em Campina Grande). Na Presidência da República é a primeira vez. Então, a gente tem poucos espaços de observação. Eu acho que Dilma está fazendo uma boa administração. Nas prefeituras das pequenas cidades do interior é muito pequeno o número de mulheres. Eu acho também que elas não estão fazendo feio. Das 223 prefeituras da Paraíba só 49 são governadas por mulheres e elas têm levado propostas inovadoras para a sua gestão.
JP – A corrupção é um problema sério da política brasileira. Pode se dizer que em se tratando de mulheres esse tipo de problema quase não existe?
GLÓRIA RABAY – Eu acho que não dá para a gente afirmar que as mulheres são honestas enquanto os homens não são. Acho que homens e mulheres cometem os mesmos pecados e podem ter as mesmas virtudes. Agora é claro que estando as mulheres num processo inaugural elas são objeto de grande observação pública. Todo mundo tá de olho, todo mundo tá prestando atenção. Elas são mais vigiadas. Mas não gosto de pensar que as mulheres são essencialmente honestas e por isso não se envolvem em corrupção. Talvez elas ajam de forma diferente dos homens por questões culturais. Elas foram ensinadas a obedecer.
JP – Por termos hoje uma mulher na Presidência da República, a senhora acha que vai haver um maior interesse das mulheres nas disputas eleitorais?
GLÓRIA RABAY – Eu acho que já foi visto no resultado da campanha eleitoral de 2012. A presença de Dilma na Presidência da República influiu positivamente no número de candidatas e no número de eleitas. É como se uma figura exemplar transmitisse para outras mulheres a noção de que elas também podem. É legítimo que a gente deseje o poder para com ele transformar, fazer valer nossas propostas.
JP – Como a senhora avalia a pouca participação das mulheres na formação dos governos?
GLÓRIA RABAY – A gente não é criança, a gente sabe que a formação dos governos é feita de acordos, a maioria das vezes são negociações políticas. E aí como tem mais homens nesse campo do que mulheres é mais fácil indicar um homem do que uma mulher. Mas eu acho que também falta determinação. Eu sei que existe um projeto aqui na Paraíba que determina que 30% dos cargos do Estado sejam ocupados por mulheres, mas a lei não tem força. Existe a lei, mas não é cumprida e no fim não se faz nada, não existe uma punição, não existe uma obrigação.
Acesse em pdf: Mulheres são mais vigiadas na política (Jornal da Paraíba – 16/06/2013)