28/03/2012 – A mulher no poder, por Eliana Cardoso

28 de março, 2012

(O Estado de S. Paulo) Sete anos valem milênios neste nosso século 21. Entre 2003 e 2010, a participação das mulheres em cargos de alto escalão cresceu 4,2 % no Brasil e impressionantes 30% na Noruega. Por lá essa participação anda agora em torno de 45%. Aleluia! A ala feminina vence obstáculos depois de séculos de submissão. As jovens americanas estão passando na frente dos rapazes: nas 150 maiores cidades dos EUA, as mulheres com menos de 30 anos ganham em média mais do que os homens da mesma idade. Reflexo do sucesso acadêmico. Em 2011, engenheiras na fronteira técnica e administradoras de empresas de TI entraram no elenco das “100 mulheres mais poderosas do mundo”, que, tradicionalmente, listava apenas autoridades e ativistas.

Na Europa as mulheres agora representam 60% dos formandos nas universidades e entram no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens. Resta saber se subirão as escadas do sucesso junto com os colegas. Ou se, mal integradas nas redes masculinas que dominam organizações complexas, sumirão ao longo do caminho. De qualquer maneira, embora não seja possível determinar uma relação de causalidade, vale a pena observar que as empresas mais bem-sucedidas na Europa e nos EUA contam com maior número de mulheres em altas posições.

Nem tudo são rosas. O relatório do Banco Mundial Mulheres, Negócios e Direito (2011) mostra que, dos 141 países analisados, em 103 deles as mulheres ainda sofrem discriminação. Na média, as mulheres trabalham mais e ganham menos que os homens. Mas a média ilumina pouco. Esconde a diferença entre a sueca e a afegã. Divide a soma de uma parcela – que tem carreira igual à dos homens e ganha tanto quanto eles – com outra maior – que come o pão de cada dia em empregos de baixa produtividade e se esfalfa em tarefas organizadas em torno da necessidade de servir à família.

Considere o Índice de Oportunidade Econômica para Mulheres em 128 países, publicado pela revista The Economist e obtido a partir da combinação de informações sobre, por exemplo, o status legal da mulher e seu acesso a financiamento e educação. É imensa a distância entre os países onde as mulheres praticamente gozam de igualdade com os homens – como Suécia, Noruega e Finlândia – e aqueles onde a desigualdade entre os gêneros é extrema – como Irã, Chade e Sudão. O Brasil fica no meio do caminho.

No mundo diverso do século 21, Dilma Rousseff, Angela Merkel e Christine Lagarde dividem espaço com Obama, Sarkozy e Putin. Na política internacional, enquanto Lagarde bate o tambor pedindo aos europeus que ponham à disposição mais recursos para os países periféricos, Merkel proclama a necessidade de consolidação fiscal. São posições contraditórias apenas na aparência. Ambas acreditam que as duas coisas precisam ocorrer. Merkel representa a Europa do Norte e enfatiza o papel da disciplina fiscal, que sempre foi dogma no Fundo Monetário Internacional (FMI) de Lagarde, enquanto esta representa a Europa do Mediterrâneo, na busca de recursos para evitar o caos.

Será apenas simbólico o bom convívio entre elas? Não, diria Steven Pinker, psicólogo da Universidade Harvard. Ele acredita num mundo mais pacífico, desde que governado por mulheres. De fato? Duvido. Golda Meir, Indira Gandhi, Margaret Thatcher e rainhas inglesas de outras eras levaram seus países à guerra. Contudo é verdade que – ao contrário das regiões em que a violência vem diminuindo – as regiões onde a violência perdura são as que impõem barreiras para dificultar às mulheres o controle do próprio corpo e o acesso a posições de poder nas empresas e no governo.

Há quem acredite que, como líderes, as mulheres são menos hierárquicas do que os homens e mais capazes de estimular a participação dos subordinados. Nem sempre. A História presta testemunho do contrário. Para chegarem ao topo das organizações muitas adotam estilo masculino e contrariam expectativas de doçura. Ora, gente de sucesso combina o lado masculino e o feminino e abraça modos duros ou brandos conforme necessário. Estereótipos não servem à mulher nem ao homem.

Nossa presidente entrou em rota de colisão com Angela Merkel no evento que deveria marcar a comunhão de interesses entre Brasil e Alemanha. Nas relações com o Congresso prefere afirmar sua autoridade a evitar enfrentamentos. Estaria mais à vontade com o lado da pedra dura do que com o da água macia? A imprensa retrata-a como nossa dama de ferro. Ao mesmo tempo, acusa-a de ingenuidade ao tentar impor novos padrões à conduta dos políticos. Mas ao demitir ministros acusados de corrupção conquistou a mais alta popularidade desfrutada por um presidente brasileiro no seu primeiro ano de governo. Apesar do fraco desempenho da economia, a imprensa também a retrata como boa administradora – traço mais importante numa prefeitura do que na Presidência da República. Ainda é cedo para saber se, além de gerente, Dilma Rousseff tem os traços de personalidade comuns a presidentes de sucesso.

Em geral, um presidente bem-sucedido usa máscara política sem trair as próprias convicções. Convencido de que é líder de nascença, como Lula, intui o contexto no qual se acha inserido e fareja oportunidades. Combina informações numerosas e mutantes num modelo coerente, como FHC. Dotado de apetite voraz por contato social e de desejo quase compulsivo de se ver cercado de pessoas, como JK, consegue extrair de milhares de encontros sociais a percepção do que os outros desejam. Ao contrário de Jânio Quadros, goza de segurança emocional e não guarda ressentimentos. É capaz de empatia com o sofrimento alheio. Flexível quando as coisas vão mal. E, sabendo que precisa dos outros, evita o excesso de arrogância conferido pelo poder e pelos bajuladores.

Eliana Cardoso – PH.D em economia pelo MIT, é autora de Mosaicos da Economia (Saraiva, 2010)

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