(Marília Scriboni, da revista Consultor Jurídico) As mulheres são maioria nas urnas desde 2000. Nas eleições de 2012, as eleitoras — 71,6 milhões — serão 54,2% do total. Os eleitores do sexo masculino serão 66 milhões. Em um ano, o crescimento foi rápido, já que em outubro de 2011, elas representavam 51% dos votantes.
A curva é ascendente. Outubro de 1998 foi a última vez que elas foram minoria, com 49,1% do votos, segundo estatísticas do Tribunal Superior Eleitoral. Nas últimas eleições, em 2010, as mulheres já tinham 5 milhões de votos a mais que os homens.
Embora as mulheres representem metade do eleitorado brasileiro, a participação delas no Legislativo está bem abaixo do percentual mínimo estipulado em lei para qualquer dos sexos: 30%. Como conta a professora Lúcia Avelar, da Unicamp, autora do livro O segundo eleitorado: tendências do voto feminino no Brasil (Editora da Unicamp, 132 páginas), a participação das mulheres no poder político continua “irrisória”. O percentual de eleitas como deputadas federais é o mesmo de dez anos atrás: 8%.
Força nas urnas
Quando se fala em conquista de direitos, o voto é sempre lembrado. É famosa a luta da mulher pelo direito de votar e de ser votada. Uma de suas principais líderes, Bertha Luz (à esquerda), nascida em 1894, empenhou-se com furor na campanha pelo voto feminino. Sua atuação foi marcada, sobretudo, por propostas de mudança na legislação referente ao trabalho da mulher.
A história da candidatura feminina passa ainda por Almerinda Farias Gama (à direita), primeira mulher a ganhar holofotes no cenário político brasileiro. Advogada e líder sindical, foi delegada na eleição de representantes classistas na Assembleia Nacional Constituinte, isso em 1933.
O reconhecimento do direito veio em 1932, com restrições. Quase 70 anos depois, em 2010, Dilma Rousseff (PT) foi eleita a primeira mulher presidente da República do país, vencendo o segundo turno do pleito.
Emancipação lenta e gradual
Por muito tempo, “a mulher sequer teve inserção jurídica”, conta a juíza Andréa Pachá, ex-conselheira do Conselho Nacional de Justiça e juíza da Vara da Família do Rio de Janeiro. Para efeito de ilustração, basta citar o Código Civil brasileiro, que até 1962 considerava a mulher casada como relativamente incapaz. A legislação a equiparava aos índios, por exemplo. Por meio da sociedade conjugal, era o marido quem a representava.
Enquanto incapaz, o domicílio da mulher, como determinava o Código Civil de 1916, era o mesmo do marido. O artigo 178 da lei determinava, ainda, a prescrição em dez dias, contados do casamento, “da ação do marido para anular o matrimônio contraído com mulher já deflorada”. Em quatro anos, prescrevia a ação para “reaver do marido o dote”.
Ao tratar da intimidade do lar e visando ao menos diminuir uma situação que ainda perdura no país, mais recentemente entrou em vigor a Lei Maria da Penha — a Lei 11.340/2006. Para Andrea Pachá, não é suficiente que a Constituição estipule a igualdade entre homens e mulheres. “A igualdade não pode ser apenas formal. É preciso que uma lei regulamente o assunto”, diz. Ainda assim, com diversas leis que tratam do universo feminino, a sociedade precisa de tempo para se adaptar. “Estamos em um momento de transição.”
Os ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram, no começo de março, que a Lei Maria da Penha é constitucional, e que o Ministério Público pode atuar nos casos de crimes de lesão corporal contra as mulheres independentemente da representação da vítima. O julgamento encerrou os questionamentos sobre o conflito dos artigos 1º, 33 e 41 da lei e garantiu a existência de ações contra os agressores mesmo quando a queixa é retirada ou sequer é prestada pelas mulheres.
Poder econômico
Nos primeiros anos da década de 1970, apenas 30,9% da população economicamente ativa do país era composta pelo sexo feminino. Hoje, as mulheres já são maioria também nesse quesito. Dados do IBGE apontam que elas constituem uma parcela de 57,8% dos empregos formais do país.
A Consolidação das Leis do Trabalho dedica um capítulo inteiro ao tema. Estão lá assuntos como duração, condições do trabalho, discriminação, períodos de descanso e proteção à maternidade. “O artigo 390 da lei, e.g., vedado que o empregador contrate mulheres para prestar serviços em atividades que demandem o emprego de força física superior a 20 quilos para o trabalho contínuo, ou 25 quilos, em se tratando do trabalho ocasional.”
Rui Meier, sócio responsável pelo Núcleo Trabalhista do Tostes e Associados Advogados, diz concordar apenas com leis específicas que foquem na peculiaridade da mulher, “ou seja, a maternidade”. “O direito à aposentadoria mais cedo, por exemplo, não se justifica”, opina, em alusão à idade em que o benefício é concedido: aos homens, aos 65 anos, e às mulheres, aos 60.
Também é da mesma opinião o advogado Marcel Cordeiro, sócio do Salusse Marangoni Advogados. Ele explica que, embora a justificativa empregada seja a dupla jornada da mulher — trabalho e afazeres domésticos —, do ponto de vista puramente técnico, “não é possível concordar com tal diferenciação, particularmente se não ficar comprovada a existência de maior desgaste para as mulheres que se submeterem ao mesmo tempo de contribuição dos homens ao longo da vida”. “Por outro lado, sob o prisma humanístico e social, o governo deveria oferecer maior amparo às pessoas que exercem atividades domésticas”, diz.
A advogada Gláucia Massoni, especialista em Direito do Trabalho e sócia do Fragata e Antunes Advogados, acredita que esse tipo de lei só existe porque muitas vezes “a preocupação maior é com o bolso”. “Se o país fosse sério, não precisaríamos dessa lei”, diz. Ela também lembrou que as empresas, quando argumentam que a licença maternidade é onerosa, não dizem a verdade.
Instituído em 1988 pela Constituição Federal, o período de licença maternidade de 120 dias, com possibilidade de prorrogação por mais 60, é reconhecido pela Organização Internacional do Trabalho.
Proteção castradora
Na seara trabalhista, a mulher, tida como sexo frágil, teve de superar uma pseudoproteção. A tese é defendida pela procuradora do Ministério Público do Trabalho Cristiane Maria Sbalqueiro Lopes, no artigo Direito do trabalho da mulher: da proteção à promoção. “Até a Constituição de 1988, o ordenamento jurídico brasileiro tendia por ‘proteger’ o trabalho da mulher, o que perpetuou a discriminação da mulher no mercado de trabalho”, escreve.
Somente em 1989 o trabalho noturno da mulher foi autorizado, quando o artigo 379 da Consolidação das Leis do Trabalho, que vedava a atividade, foi revogado. Como conta a procuradora, “o artigo 380 da CLT condicionava a autorização para o trabalho da mulher, nas hipóteses de força maior e excesso de produção, além da apresentação de atestado médico (que provaria a possibilidade de trabalhar sem agredir à saúde), a apresentação, pelos empregadores, de atestado de bons antecedentes e capacidade física e mental”.
Para a autora do texto, a medida apenas reflete a intenção dos legisladores em proteger a honra marital. De acordo com ela, “o trabalho do homem também era sobre-explorado e nem por isso se pensou em providências semelhantes; o que comprova que o interesse de ‘proteger’ não era mais que recordar o verdadeiro lugar da mulher na sociedade de então: em casa, cuidando da família”.
Em 1918, durante as discussões do projeto do Código do Trabalho, que nunca chegou a ser aprovado, cogitou-se a possibilidade de trabalho da mulher sem necessidade de concordância do marido. A ideia, no entanto, nunca saiu do papel. Os parlamentares se opuseram. O deputado Augusto de Lima chegou a dizer que “este contrato traz a separação não sabida, não consentida pelo marido e, portanto, altamente suspeita, pondo em perigo o bom nome do lar”.
Acesse no site: Com voto decisivo, mulheres são maioria dos eleitores (Consultor Jurídico – 28/07/2012)