2º turno: uma oportunidade de buscar identificação com as mulheres, por Teresa Sacchet

07 de outubro, 2010

“É preciso evitar um retrocesso no discurso de direitos civis das mulheres e a ameaça da perda de conquistas mínimas adquiridas a tão duras penas”, alerta a cientista política Teresa Sacchet, do Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP, em artigo divulgado com exclusividade pela Agência Patrícia Galvão.

Leia na íntegra:

“Foram vários os motivos que levaram estas eleições para o segundo turno. Primeiro, as notícias sobre a quebra do sigilo fiscal de membros do PSDB; depois, o caso Erenice Guerra -ambos amplamente difundidos na mídia; e, por fim, a questão da suposta defesa do aborto e da união civil de pessoas do mesmo sexo pela candidata do governo, divulgada e combatida por pastores evangélicos, padres da Igreja Católica, jornalistas e blogueiros em geral. Estas questões contribuíram para conduzir o eleitor indeciso, ou ainda pouco convencido sobre sua escolha em meio a tantas informações pouco esclarecedoras, para o campo Marina Silva (PV).

Talvez por ter pouco a perder, Marina Silva foi a única candidata que, por bem ou por mal, conferiu algum viés ideológico à sua campanha, e com isso convenceu e cresceu junto ao eleitorado. Os outros dois candidatos -Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB)- ficaram em suas zonas de conforto e primaram pelo pragmatismo e defesa de propostas pouco diferenciáveis entre si, que no final não atraíam votos de mais ninguém.

Neste contexto, foi natural que Dilma Rousseff viesse a ser a candidata mais prejudicada. Por um lado, sua campanha não soube responder de forma convincente às críticas, em particular aquelas que se referem ao caso Erenice Guerra; por outro, Dilma foi  acusada por grupos conservadores de defender propostas não tão populares de grupos discriminados.

Dilma Rousseff perdeu a oportunidade de buscar uma identificação com as mulheres; ela não falou diretamente para elas ou sequer apresentou de forma contundente propostas específicas nos campos sociais e políticos, que viessem a beneficiar este grupo, que compõe a maior parte do eleitorado e dos indecisos nestas eleições. Serra também poderia ter feito isso, mas Dilma encontrava-se em posição privilegiada por ser mulher.

No Chile, Michelle Bachelet destacou sua campanha das demais defendendo propostas relacionadas aos interesses das mulheres. Falou de creches, de igualdade salarial e promoção das mulheres ao mercado de trabalho, de políticas para a família, da violência contra as mulheres, e prometeu paridade de gênero na composição ministerial. Com sua vitória, milhares de mulheres saíram às ruas usando faixas presidenciais, em um simbolismo que dispensa comentários

As últimas eleições na Inglaterra, para o cargo de primeiro ministro, foram chamadas de “Mumsnet Election” (em referência a um site que discute questões de gênero e direitos das mulheres, em que foram travadas discussões entre os candidatos e membros dos partidos), dada a importância que as questões de gênero ganharam durante o período na plataforma de candidatos que buscavam atrair o voto feminino.

Com exceção de uma proposta solta aqui e outra ali sobre educação e saúde, e da tão comum caminhada entre o povo ou visita a locais populares com abraços e apertos de mão, aqui no Brasil, apesar de dois dos três principais candidatos serem mulheres, o estilo retórico das campanhas foi masculino e o foco ficou restrito a um discurso desenvolvimentista, com a divulgação de imagens megalomaníacas de grandes projetos e obras, que buscavam atrair o voto de um público que se supunha sem sexo e sem raça.

Em outras palavras, há um acúmulo de fatores que fizeram com que as eleições fossem para um segundo turno. Mas o que aparece neste momento como o motivo principal é a questão do aborto. O que vemos então é uma enxurrada de e-mails, tanto de blogueiros progressistas como de conservadores, tentando convencer o eleitor de que seu candidato é o mais anti-aborto dos dois, independentemente da causa em questão. Há no meio disso tudo um retrocesso no discurso de direitos civis das mulheres e a ameaça da perda de conquistas mínimas adquiridas a tão duras penas. No vale-tudo da campanha, a agenda dos direitos das mulheres passa a ser utilizada como moeda de troca entre os diferentes campos.”

Contato com a autora:

Teresa Sacchet – cientista política e pesquisadora
Núcleo de Pesquisa de Políticas Públicas da USP
São Paulo/SP
(11) 3091-3272 (nupps) – [email protected]
Fala sobre: gênero e política; participação política das mulheres no Brasil

Leia também :  Voto feminino foi decisivo para levar a eleição ao 2º turno(O Globo – 07/10/2010)

 

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