Em artigo exclusivo para a Agência Patrícia Galvão, a socióloga Clara Araújo, pesquisadora do Departamento de Ciências Sociais da UERJ, comenta a eleição de Dilma Rousseff, a primeira mulher presidente da República do Brasil, e o significado -simbólico, político e real- do compromisso que assumiu em seu primeiro pronunciamento como presidente eleita: “honrar as mulheres brasileiras”.
Leia na íntegra:
Jogo político
“As brasileiras não estão só de parabéns pela eleição da primeira mulher à presidência do país. Estão reconfortadas pelo conteúdo da primeira mensagem da presidente eleita e também com expectativa ainda maior diante dos compromissos explicitados no seu primeiro discurso.
A campanha eleitoral foi marcada por manifestações conservadoras preocupantes, particularmente para um projeto igualitário e feminista. Neste jogo, entraram todos os candidatos, seja como ataque ou defesa. E não há como esconder o fato de que isso foi incensado por uma parte da mídia, em tentativa constante de desacreditar a então candidata e presidente eleita Dilma Rousseff. O que se viu nestes últimos meses foram discursos (nas chamadas das manchetes, nas notícias ou nas suas entrelinhas) carregados de preconceitos velados ou explícitos.
Sem entrar no mérito das formas mais acintosas de conservadorismo que vieram à baila, estimuladas, em parte pela própria mídia, cabe aqui ressaltar, particularmente, o trabalho incessante de tentativa de descrédito, por meio de constantes afirmações sobre sua “inexperiência política”, de sua caracterização, ora como um mero “instrumento” de presidente Lula ora como “mandona” e/ou autoritária. Um trabalho de “despersonalização” surpreendente e agressivo. Passou-se por cima de mais de 30 anos de luta e participação política constante da agora presidente (quer discordemos ou não de algumas de suas formas), reduzindo-se a política fundamentalmente à sua expressão eleitoral, esta, aliás, sempre criticada e associada pela mídia com interesses pessoais e corrupção.
Desconsiderou-se, também, a trajetória da então candidata, que ocupou vários cargos político-partidários e, sobretudo, administrativos em executivos governamentais, em diferentes esferas e, em especial, na esfera federal, cargos que a credenciavam, portanto, a exercer o mandato político e executivo de Presidente da República. Todas essas décadas e sua história de ocupar cargos por seus próprios méritos e posições políticas não foram consideradas como algo capaz de lhe possibilitar opiniões próprias.
Qualquer que fosse o candidato/candidata existiriam estratégias de ataque que buscariam fragilizálo/a. É do processo eleitoral, é parte do jogo democrático, como se diz. Contudo, tenho dúvidas de que, se fosse um homem, tais estratégias teriam assumido as características que assumiram: a de defini-la como incapaz, carente de opiniões e de projetos políticos próprios; ou, ao contrário, se tinha opiniões e porque as expressava, estas tendiam a ser definidas como autoritárias.
Como já se observou, a exclusão histórica de que foram objeto gerou essa sensação de que as mulheres estão “fora do lugar” na política. E se tal sensação já não existe como algo generalizado na sociedade (como me parece), trata-se de retomá-la e alimentá-la como instrumento de exclusão repaginado. Neste caso, ora como autoritária ora como carente de idéias próprias, “veículo” do presidente Lula. Diante das investidas e de suas repercussões, compromissos ou afirmações de conteúdo conservador que tentavam ganhar parte do eleitorado foram assumidos pelos candidatos e deixaram interrogações sobre seus desdobramentos. Por outro lado, vários e importantes temas que importavam para uma agenda de igualdade de gênero e que poderiam ser capitaneadas pelas mulheres candidatas foram secundarizados ou não foram sequer tocados.
Neste contexto, poder ouvir no discurso da Presidente eleita, com destaque inicial, seu compromisso de honrar as mulheres e perseguir a igualdade de gênero permite certo alívio. Pode ser lido como preocupação em preservar os princípios igualitários e reconhecer o protagonismo e o legado feminista para uma sociedade justa. Ao fazê-lo abre espaço, também, para que os movimentos de mulheres apresentem para o governo e para a sociedade a agenda que, por falta de oportunidade, não foi apresentada durante a campanha. O efeito simbólico de uma mulher como presidente da República de um país do tamanho do nosso e com o lugar que vem ocupando no cenário internacional pode ser enorme. E a presidente eleita soube destacar isto
Contato com a autora
Clara Araújo – socióloga e pesquisadora
Departamento de Ciências Sociais da UERJ
Rio de Janeiro/RJ
(21) 2587-7678
[email protected]