(Carta Capital, 17/08/2016) Nos centros urbanos mais populosos, partidos e coligações de esquerda apostam em mulheres para assumir a cabeça de chapa
Nas eleições deste ano, há o prenúncio de uma “primavera feminina”, cujo florescimento parece depender apenas do crivo das urnas. Usada no lançamento da pré-candidatura da deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ) à prefeitura do Rio de Janeiro, a expressão tem sido evocada em São Paulo, Porto Alegre, Fortaleza e outras tantas cidades.
Especialmente nos centros urbanos mais populosos, partidos e coligações de esquerda apostam em experientes mulheres para assumir a cabeça de chapa. O foco no eleitorado feminino é a característica que deve marcar boa parte das campanhas, que terão como maior desafio combater o machismo e a predominância de homens prefeitos pelo País.
Tal hegemonia torna-se evidente ao verificar o cenário das capitais, todas governadas por homens, com exceção de Boa Vista, em Roraima, administrada por Teresa Surita (PMDB) pela quarta vez. O município tem 320 mil habitantes, segundo o IBGE.
Entre as 50 cidades mais populosas, apenas duas têm prefeitas, eleitas por partidos de direita. Ribeirão Preto, com Darcy Vera (PSD), e Campos dos Goytacazes, administrada por Rosinha Garotinho (PR), figuram como exceções à regra, apesar de as mulheres representarem 52% da população brasileira.
“As mulheres sempre foram muito fortes e participaram ativamente da luta contra a ditadura. Embora já fosse nítido o preconceito, não tínhamos noção, pois a briga era outra. A partir da redemocratização, o problema maior é a postura dos partidos, que desrespeitam as cotas para a representatividade feminina”, afirma a socióloga Eleonora Menicucci, ex-ministra da Secretaria de Políticas para Mulheres.
“Nosso desafio é colocar as mulheres em cargos diretivos e nesse aspecto eu acredito numa participação importante nessa campanha”, emenda.
Duas fortes candidatas na capital paulista
A chance do aumento de protagonismo nesta eleição é real. Como sonhos não envelhecem, Luiza Erundina, hoje com 81 anos, disputa o cargo que ocupou há mais de 25 anos, quando surpreendentemente elegeu-se para a prefeitura de São Paulo pelo Partidos dos Trabalhadores em uma campanha que teve grande adesão de paulistanas da periferia.
Hoje filiada ao PSOL, a deputada federal aceitou a indicação da sigla para candidatar-se, acreditando na mobilização da juventude e na capilaridade das redes sociais para divulgar suas propostas, uma vez que terá pouco tempo para expor suas ideias no horário eleitoral gratuito das rádios e da tevê aberta.
“Somos grandes porque temos as mulheres, os negros, os LGBTs, os jovens e os idosos com a gente. Eles protagonizam um novo momento da vida política do País, como a juventude, juntando tanta gente e tanta força”, disse, no lançamento de sua pré-candidatura. Um discurso contundente, marcado pela denúncia do golpe e pelo grito “Fora, Temer”.
A favor do processo que afastou Dilma Rousseff, a senadora e também ex-prefeita de São Paulo Marta Suplicy (PMDB) apresenta uma das candidaturas femininas mais emblemáticas fora do campo da esquerda. A peemedebista, que deixou o PT em 2015, é autora de projetos que direcionam verbas para a secretaria das mulheres dos partidos e luta para garantir patamares mínimos de participação na Câmara e no Senado.
“A mulher secularmente foi excluída das decisões de poder em casa, na escola, na política. A mulher de hoje quer mais, e ser independente já não é estranho culturalmente, como era há 30 anos. Ter mais mulheres na política é romper com esse passado”, diz Marta.
Não é o que projeta o futuro desenhado pelo presidente interino Michel Temer (PMDB), aliado de primeira ordem de Marta, com seu ministério exclusivamente masculino. As ações do governo provisório são minimizadas pela senadora, ao contrário de sua firmeza quando o assunto é Dilma, de quem foi ministra da Cultura.
“Inicialmente, defendi a chegada da primeira mulher na Presidência da República pelo empoderamento”, diz Marta. “Dilma não soube, porém, governar. Não por ser mulher, mas por não ser a gestora que acreditávamos que fosse. Fracassou. Não creio que isso fechará as portas para outras mulheres. É uma questão dela”.
A mulher no centro do debate político
A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), uma das vozes mais fortes contra o golpe, expressa interpretação diferente sobre os fatos envolvendo a presidenta afastada e as dificuldades colocadas na disputa por representatividade. Não foi à toa que o vocabulário político incorporou o termo misoginia – aversão à mulher – como uma das palavras mais associadas à Dilma e a outras lideranças nos tempos recentes.
“Temos uma luta nacional nessa eleição que é colocar Dilma de volta à sua cadeira”, afirma a pré-candidata à prefeitura do Rio de Janeiro.
Companheira de Jandira na bancada feminina da Câmara, Luizianne Lins (PT-CE) pretende contemplar a questão nacional em sua campanha para retornar à prefeitura de Fortaleza, onde esteve por dois mandatos. “Nossos oito anos de governo fizeram história com iniciativas como o Hospital da Mulher”, lembrou a parlamentar, que hoje ocupa o cargo de relatora da Comissão de Combate à Violência contra a Mulher na Câmara.
É também com foco nas minorias que Luciana Genro, do PSOL, pretende tornar-se a primeira prefeita de Porto Alegre. Após a projeção conquistada nas eleições presidenciais de 2014, quando conquistou um milhão e meio de votos, a ex-deputada aposta na ousadia para vencer na capital gaúcha.
Em 2008, Luciana Genro, Maria do Rosário (PT) e Manuela D’ávila (PCdoB) despontaram como favoritas em uma disputa que acabou vencida por José Fogaça (PMDB). Na liderança das pesquisas, a socialista, caso seja eleita, espera contar com um legislativo que lhe dê condições de aprovar projetos que eventualmente contrariem interesses privados, como a revisão dos contratos de concessão do transporte público.
Candidata à reeleição para a Câmara de Vereadores de Porto Alegre, Fernanda Melchionna (PSOL) espera ser uma das responsáveis por elaborar essa agenda popular e ampliar a representação feminina nos legislativos locais. “No meu primeiro mandato, em 2008, tinha 24 anos. Era jovem, mulher e de esquerda. Tive que brigar muito para ser respeitada e sobretudo para pautar as lutas do meu tempo”.
No Brasil, a paridade entre os gêneros ainda é um sonho distante
Dados do governo federal indicam que somente 13% das cadeiras são ocupadas por mulheres nos parlamentos locais. Na Câmara dos Deputados, são 51 deputadas de um total de 513 parlamentares, menos de 10%. Tais números são inferiores aos registrados por outros países latino-americanos, como Bolívia e México, cujas casas legislativas nacionais se aproximam da paridade entre os gêneros.
“No Brasil, temos uma das piores participações femininas da América Latina, e isso não reflete a realidade do potencial feminino, porque estamos presentes em muitos espaços e cumprimos um papel decisivo em várias frentes”, diz a deputada federal Luciana Santos, primeira mulher a presidir o PCdoB nos 94 anos de história da legenda.
Nas regiões metropolitanas e no interior, a presença feminina nas eleições também é marcante, caso da pré-candidatura da deputada federal Moema Gramacho (PT) em Lauro de Freitas, município do entorno de Salvador.
“A mulher tem que fazer melhor do que o homem pra ser reconhecida. No nosso governo, fomos o primeiro município do País a ter uma Secretaria de Políticas para as Mulheres, em 2005. Montamos uma equipe formada metade por homens, metade por mulheres”, conta Gramacho, ao relembrar a sua experiência como prefeita de 2005 a 2012.
Da pouca visibilidade das áreas periféricas às luzes da cidade olímpica, Jandira Feghali aposta na força do eleitorado feminino. “Precisamos de um olhar de mulher para o Rio. Uma cidade que coloca os privilégios acima dos direitos é o que a esquerda quer romper com uma cultura democrática. Uma cidade com maioria de mulheres e negros não pode ter políticas de minoria para esse público”, defende a parlamentar, relatora da Lei Maria da Penha, que completa dez anos em 2016.
A posição do PCdoB será marcada pelas candidaturas de Alice Portugal, em Salvador; de Ângela Albino, em Florianópolis; e da presidenta da União Nacional dos Estudantes, Carina Vitral, em Santos. Todas estão alinhadas na defesa do mandato de Dilma Rousseff.
“O simbolismo de ter uma mulher na Presidência da República é muito importante para o empoderamento das brasileiras”, diz a deputada Luciana Santos. “Depor a presidenta através de um golpe, como estão tentando fazer, é um grande prejuízo às conquistas que obtivemos até agora, seja no campo das questões relacionadas à gênero, seja no campo do desenvolvimento e da construção de um país mais voltado à inclusão e ao desenvolvimento com superação das desigualdades sociais”.
Murilo Matias
Acesse no site de origem: As urnas nos reservam uma ‘primavera feminina’? (CartaCapital, 17/08/2016)