As mesmas avenidas que Donald Trump não conseguiu encher no dia de sua posse como presidente número 45 dos Estados Unidos foram tomadas neste sábado, 24 horas depois, por centenas de milhares de pessoas insatisfeitas com o novo ocupante da Casa Branca. Mais de meio milhão de manifestantes, segundo os organizadores, marcharam por Washington D. C. para mostrar a Trump, desde o primeiro dia de seu mandato, que há um Estados Unidos que não está de acordo com sua visão escura e com a agenda ultraconservadora do seu governo. Exigem que, como presidente de todos, respeite as mulheres, as minorias, os imigrantes e os direitos civis. Outras dezenas de milhares de pessoas marcharam em outras cidades, como Nova York, Chicago, Boston e Atlanta, em um protesto que também teve réplicas em outras partes do mundo, de Berlim e Londres a Sydney e Cidade do Cabo.
(El País, 21/01/2017 – Acesse o site de origem)
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“Toma cuidado Trump, minha geração vota na próxima eleição” (El País, 21/01/2017)
Vídeo: Witness the Women’s March in Washington (NY Times, 22/01/2017)
Vídeo: Three Generations of Women, Marching on Washington (NY Times, 22/01/2017)
What the Marchers in Washington Want, by Anna North (NY Times, 21/01/2017)
Pictures From Women’s Marches on Every Continent (NY Times, 21/01/2017)
Mulheres e homens de todas as idades, cores, religiões e origens viajaram de todos os pontos dos Estados Unidos, mas também do Canadá, México e até da Europa para participar da Marcha para as Mulheres, a principal manifestação contra o novo presidente republicano e, tendo em vista os números, possivelmente a maior realizada perto da posse de um presidente norte-americano da história.
“Presidente Trump, eu não votei em você. Dito isto, respeito que seja presidente e quero apoiá-lo, mas primeiro peço que me apoie, apoie minha irmã, minha mãe, minha melhor amiga, todas as pessoas que esperam ansiosamente para ver como sua próxima manobra pode afetar drasticamente as vidas delas”, disse a atriz e ativista Scarlett Johansson, uma das oradoras do protesto que seguiu o mesmo caminho que o desfile inaugural na sexta-feira, do Capitólio até a Casa Branca.
Madonna, que fez uma aparição inesperada, pediu que “não aceitem esta nova era de tirania em que não apenas as mulheres estão em perigo, mas todas as pessoas marginalizadas”. “A revolução começa aqui, este é o começo de uma mudança muito necessária”, disse.
Antes de iniciar a marcha, no palco pouco visível para a densa multidão que tomava o National Mall, na capital norte-americana, também falaram outras estrelas, como as atrizes America Ferrera e Ashley Judd, a cantora Alicia Keys e o documentarista Michael Moore. Também discursaram legisladores democratas, como a senadora Kamala Harris da Califórnia, ativistas de direitos civis, dos imigrantes e das mulheres, como a feminista Gloria Steinem e a presidenta de Planned Parenthood, Cecile Richards. A mensagem foi unânime: um pedido de “resistência” e de firmeza na defesa dos valores e direitos como o casamento igualitário ou a melhoria na saúde adquirida nos últimos anos e que agora estão ameaçados na era Trump – assim como os imigrantes, refugiados, muçulmanos e a comunidade afro-americana.
“Não vão nos intimidar e nem nos silenciar”, proclamou a advogada de direitos civis e ativista Zahra Billoo, que falou “como mulher e como muçulmana”. “Nossa América inclui a todos em nossa preciosa diversidade e exige que marchemos para nos proteger, este é o momento de arregaçar as mangas, ter coragem e estar preparado para trabalhar”, pediu aos manifestantes.
E eles entenderam a mensagem.
Suzanne Matunis tem 83 anos, anda em cadeira de rodas e não participava de uma manifestação desde os protestos contra a Guerra do Vietnã nos anos 70. Este sábado, no entanto, viajou da Pensilvânia até Washington, acompanhada de suas três filhas e duas netas. “Não poderia não vir, isso é muito importante”, argumentou. “É importante que as vozes das mulheres sejam ouvidas”.
A mesma preocupação levou Janice Burbery, uma ex-funcionária da ONU aposentada, a tomar um avião de Roma para estar em Washington no sábado, uma cidade que não visitava há décadas. Trump, com sua equipe, especialmente o ultraconservador vice-presidente, Mike Pence, “vai impor um fundamentalismo cristão”, disse. “Não podemos aceitar este passo para trás”.
As palavras de ordem gritadas durante a marcha e proclamada tanto pelos organizadores como pelas centenas de milhares de participantes mostravam o vasto leque de preocupações que gerou nessa grande metade do país que não votou em Trump – Hillary Clinton recebeu três milhões de votos populares a mais que seu adversário – a vitória do republicano. Assim que ele assumiu a presidência, assinou uma ordem executiva para reverter a reforma da saúde de seu antecessor, o democrata Barack Obama.
Erin McEntee, uma jovem de Rhode Island, agitava um cartaz com uma mensagem simples: “A ACA (a Lei de Proteção e Cuidado ao Paciente, como é chamado o programa de saúde de Obama) salvou minha vida”. “Tenho uma doença mental crônica e agora posso perder meus remédios, meu médico e até meu trabalho”, dizia preocupada. Um pouco mais adiante, Ximena Minuche, de origem equatoriana, exigia respeito aos imigrantes em situação irregular, como ela mesmo foi até recentemente, e como continuam mais de 11 milhões de pessoas que Trump ameaçou deportar.
A Marcha das Mulheres, que começou como uma iniciativa privada de uma mulher que, chocada com a vitória de Trump, perguntou no Facebook a várias de suas amigas se elas se animavam a ir a Washington no dia seguinte à posse, acabou se tornando um fenômeno nacional e até mesmo internacional apoiado por estrelas como Cher, Lena Dunham, Katy Perry e Robert DeNiro. Clinton, embora não tenha participado da organização, deu seu apoio pelas redes sociais.
O que já é considerado uma “outra posse” em Washington tem um denominador comum: a “preocupação e medo” que causou a chegada à presidência dos EUA de alguém tão polêmico, agressivo e misógino como Trump, e a necessidade de demonstrar que as minorias, como um todo, são tão numerosas que “é impossível ignorá-las”, de acordo com os princípios da Marcha.
Essa preocupação é a que levou a mexicana Elena Fortes, ex-diretora do festival Ambulante, a tomar um avião para Washington partindo do país mais insultado por Trump.
Fortes demorou um momento refletindo antes de responder se tinha se sentido mais insultada por Trump como mulher ou como mexicana. “Pelos dois, mas mais como mulher”, terminou respondendo. “Não estamos dispostos a aceitar um presidente de um país vizinho que se expressa sobre as mulheres como fez Trump desde o início da campanha, e também desde muito antes”, disse. Fortes chegou à capital dos EUA acompanhada por cerca de vinte mulheres artistas, comunicadoras e ativistas que compartilham a “oposição absoluta à direção que está tomando não só os EUA, mas em todo o mundo, com o populismo, o giro à direita, a intolerância e um nacionalismo muito pronunciado”.
“Esperamos que o mundo não recue 300 anos com a chegada de Trump”, disse. O novo presidente dos EUA “é um pouco como um freio de mão que pode bloquear os EUA do resto do mundo”.