Para viabilizar as mudanças, Dilma defendeu, no primeiro discurso como presidente reeleita, a realização de um plebiscito, em que a população seria consultada previamente sobre o tema. Mas a medida enfrenta resistências até mesmo entre seus aliados no Congresso, que preferem um referendo. Especialistas avaliam que, pela complexidade do tema, o melhor seria nem uma coisa nem outra.
– A reforma sairá desde que estejam presentes pressão popular intensa, empenho do governo e generosas regras de transição, ou seja, fazer agora para vigorar daqui a duas eleições – diz Antônio Augusto de Queiroz, analista do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Para Queiroz, a melhor forma de realizar a reforma seria por meio de uma Constituinte exclusiva, mas, como o Congresso dificilmente concordaria, o ideal seria aprovar as propostas que já estão em tramitação.
Cientista política da Fundação Getulio Vargas (FGV), Sônia Fleury considera a Constituinte exclusiva “extremamente perigosa”, pois nada impediria que outros pontos da Constituição fossem alterados. Ela avalia que o projeto de iniciativa popular apoiado por entidades como Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) é a melhor alternativa:
– Pode ser o grande estímulo, porque vai passar pelo Congresso. O problema é que, com o número exigido de assinaturas, seria possível criar três partidos. E chegando lá no Congresso não ganha prioridade, pode morrer na praia.
As consultas em debate
Plebiscito: a população vota se aceita ou rejeita propostas que ainda não são lei. Os pontos aprovados na consulta são transformados em projetos de lei ou propostas de emenda à Constituição (PECs), que serão apreciados pelos parlamentares.
Referendo: o Congresso discute e vota projetos e PECs sobre os pontos da reforma em discussão. A proposta que tiver recebido o aval dos parlamentares é, então, submetida à consulta popular, que a aprova ou rejeita.
Os caminhos
Apoiador: Dilma
Como fazer: plebiscito e Congresso
O que é: após os protestos de 2013, Dilma encaminhou mensagem ao Congresso sugerindo um plebiscito (a população opina sobre propostas que ainda não são lei) para a reforma política. O texto afirmava que o povo deveria se manifestar sobre as “linhas mestras” da reforma. A ideia de Dilma não avançou, e a presidente voltou a defendê-la no último domingo.
Desafios: pela complexidade do tema e a diversidade de itens da reforma, as pessoas podem ter dificuldade para se posicionar. Por isso, parlamentares querem que a população seja consultada após a aprovação de projeto no Congresso.
Apoiador: OAB, CNBB e outras 101 entidades
Como fazer: projeto de iniciativa popular e Congresso
O que é: a proposta da Coalização pela Reforma Política Democrática e Eleições Limpas tem quatro pontos: proibição do financiamento de campanha por empresas, eleições proporcionais em dois turnos (primeiro o voto no partido e depois no candidato), lista pré-ordenada com divisão igualitária entre homens e mulheres e fortalecimento da democracia direta.
Desafios: para apresentar um projeto de iniciativa popular, é preciso 1,5 milhão de assinaturas, obtidas em pelo menos cinco Estados. Desde 2013, foram coletadas cerca de 600 mil. Mas a apreciação pelo Congresso não é garantida.
Apoiador: PT, CUT e outras 480 entidades
Como fazer: plebiscito e Constituinte exclusiva
O que é: o primeiro passo seria a realização de um plebiscito, em que a população teria de dizer se é a favor ou não de uma Constituinte exclusiva para reformar o sistema político. Se a maioria dos eleitores manifestar posição favorável, seriam eleitos deputados que teriam a tarefa específica de fazer a reforma. Concluído o trabalho, a Constituinte seria desfeita.
Desafios: juristas afirmam não existir a possibilidade de convocar uma Constituinte apenas para tratar de tema específico. Constituintes têm amplo poder de organizar política e juridicamente uma nação e são instaladas em momentos de ruptura.
Apoiador: parlamentares
Como fazer: Congresso e referendo
O que é: o projeto mais recente, elaborado por grupo de trabalho coordenado pelo deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), prevê o fim da reeleição e o financiamento misto de campanha. Outra proposta, do deputado Henrique Fontana (PT-RS), propõe o financiamento público exclusivo. Parlamentares avaliam se a reforma deve passar por referendo.
Desafios: pelo menos 20 projetos que tratam de temas relacionados à reforma política foram apresentados no Congresso nas últimas duas décadas, mas as propostas acabam não avançando devido à falta de consenso para votação.
As propostas
Financiamento
O debate se dá em torno do custeio das campanhas: público, privado ou misto (atual). No modelo público, os candidatos ficam proibidos de receber dinheiro de empresas, e recursos públicos bancam os gastos. Para isso, seria importante ter o voto em lista fechada, o que reduziria o caixa 2. No misto, há possibilidades de se estabelecer um teto para os gastos.
Fim da reeleição
Instituída para assegurar novo mandato a Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a reeleição poderia ser extinta. Presidente, governadores e prefeitos não poderiam mais concorrer a um período subsequente. O mandato de cinco anos seria uma forma de compensar o fim da reeleição. O novo prazo valeria para todos os cargos públicos, de presidente a vereadores.
Recall de mandatos
A proposta criaria o “recall” de políticos. Seria um mecanismo de democracia direta que permitiria aos eleitores – arrependidos de seu voto – revogarem mandatos eletivos. Países como os Estados Unidos já adotam a ferramenta. Em 2003, o então governador da Califórnia, Grey Davis, teve o mandato cassado pelo voto popular. No lugar, foi eleito Arnold Schwarzenegger.
Coligações e candidaturas
Uma proposta veda a coligação de partidos nas eleições para vereadores e deputados. Atualmente, as siglas que se coligam somam os votos obtidos para assegurar maior número de cadeiras no Legislativo. Hoje, uma pessoa que pretende concorrer a precisa estar filiada a um partido. A necessidade pode ser extinta, o que permitiria candidaturas avulsas.
Cláusula de barreira e suplência no Senado
A cláusula de barreira pode reaparecer. Se não atingirem um percentual mínimo de votos na Câmara, os partidos teriam restrições no tempo de TV e no acesso ao Fundo Partidário. Cada senador é eleito com dois suplentes. Quando o titular deixa o cargo, assume um político que não recebeu votos. A reforma pode exigir nova eleição quando o titular sair.
Criminalização do caixa 2
Durante a campanha à reeleição, Dilma propôs a criminalização do caixa 2 como forma de combater a corrupção. Hoje, o candidato que deixa de declarar recursos pode responder por falsidade ideológica. O problema é que, para cassar mandatos, ações devem ser apresentadas até 15 dias após a diplomação, prazo considerado curto para investigação.
Sistema eleitoral
A proposta mantém o modelo majoritário (ganha quem faz mais votos) para presidente, governador, senador e prefeito, e muda para o Legislativo. Há dois modelos em debate: 1. o majoritário, há possibilidade do distritão (cada Estado é transformado em um distrito e só os mais votados são eleitos), do distrital (os Estados são divididos em distritos, que escolhem seu representante por maioria) e do distrital misto (os eleitores têm dois votos, um para escolher o candidato e outro na legenda). 2. No proporcional, há possibilidade de lista fechada (o cidadão vota na lista feita pelo partido, e os eleitos são os primeiros do rol) e lista flexível (voto na relação do partido ou no candidato de sua preferência).
Cleidi Pereira
Acesse no site de origem: Quais são os caminhos para a reforma política (ZH, 30/10/2014)