Eleitoras mais pobres são responsáveis pelo pior desempenho de Bolsonaro. Neste setor, ele só alcança 14% das intenções de voto, diante de 28% na média da população
(El País, 24/09/2018 – acesse no site de origem)
Faltando duas semanas para as eleições gerais, Luciléia Moraes Leite ainda não decidiu em quem votará para presidente. O motivo é bem simples: “O Brasil anda muito complicado”, responde. Esta indecisão não quer dizer que seja despolitizada, já que fez questão que sua filha tirasse seu título de eleitor neste ano em que completou 16 anos. Tampouco quer dizer que não saiba em quem jamais votará: “Não voto no Bolsonaro de jeito nenhum. Não gosto das conversas dele, das coisas que ele fala. Ele fica xingando as mulheres e não respeita o ser humano”, explica ela, que tem 39 anos e trabalha como auxiliar de serviços gerais no hospital Alvorada, em São Paulo. “Acho que se a gente coloca ele lá [na presidência], ele vai ser igual aquele lá dos Estados Unidos… Sei lá o que aquele homem é, meu pai, mas parece um ditador. Talvez o Brasil até precise de uma pessoa assim, mas não sei seria bom para as pessoas”.
Luciléia é uma mulher negra corpulenta que nasceu no Maranhão e veio para São Paulo em 2000, com apenas 21 anos, para trabalhar. Hoje mora no periférico Jardim Ângela, bairro da zona sul da cidade no qual as pessoas vivem em média 55,7 anos, têm uma renda média mensal de 1.889,36 reais e contam com 0,76 leitos de hospital por mil habitantes, segundo o Mapa da Desigualdade, um estudo feito pela Rede Nossa São Paulo em 2017. É em lugares como este que a resistência a Bolsonaro é perceptível, sobretudo entre as mulheres, segundo aponta a última pesquisa Datafolha.
O deputado federal lidera a corrida eleitoral e marcou na última pesquisa 28% das intenções de voto. Mas enquanto entre os homens seu percentual sobe para 36%, o número de mulheres que afirma que pretende votar nele cai para 21% —uma taxa que aumentou desde o início do levantamento, mas que ainda enfrenta mais resistência entre as mulheres mais pobres. Entre pessoas com renda familiar de até dois salários mínimos, a intenção de voto no presidenciável cai para 19%. Entre as mulheres nessa faixa de renda, o ex-capitão marca ainda menos: 14%. Sua rejeição também é maior entre o eleitorado feminino: 49% delas diz que não vai votar de jeito nenhum nele, contra 37% dos homens.
“Apesar de ter evoluído no estrato (cresceu sete pontos no último mês), o apoio no segmento feminino é mais localizado entre as que têm a maior renda familiar”, apontou Mauro Paulino, diretor do Datafolha, em análise na Folha de S. Paulo. O número das que dizem que votarão em Bolsonaro chega a 32% entre as que reúnem mais de cinco salários mínimos —elas, entretanto, correspondem a apenas 6% do eleitorado, enquanto as mais pobres representam 28%. Para efeitos de comparação, no nobre Jardim Paulista, onde se pode encontrar o perfil de eleitores de Bolsonaro, a expectativa de vida sobe para 79,4 anos, a renda média vai para 3.777,08 reais e existem 34,7 leitos hospitalares para cada mil habitantes, ainda segundo o Mapa da Desigualdade.
A maranhense costuma votar no Partido dos Trabalhadores (PT) e diz que, caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pudesse se candidatar, certamente votaria nele. “Ele ajudou muito as classes mais baixas, principalmente lá no Nordeste. Minha mãe ainda mora lá no Norte, meu pai faleceu há seis meses. Eles tiveram muita ajuda de banco para a terra deles. Foi na época do Lula que eles tiveram crédito”, argumenta. Contudo, conta não ter gostado do governo da ex-presidenta Dilma Rousseff e nem da gestão de Fernando Haddad, candidato a presidente pelo partido, na Prefeitura de São Paulo. “Não gosto do jeito dele. Ele promete muito, mas chega na hora e não faz nada. A pessoa não tem que prometer, tem que ir lá e fazer”, explica. “Assim como também não gostei do João Doria. Se depender de mim, ele não vai para o governo não”, acrescenta, entre risadas. Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (REDE) e Ciro Gomes (PDT) estão entre suas opções para candidato. O mais provável, afirma, é que acabe optando pelo tucano. “Ainda quero ver o próximo debate na televisão. Acho que um bom candidato tem que pensar no próximo como em si mesmo. E o Alckmin tem esse jeito, eu acredito nele. É um bom candidato”. Já bateu o martelo para seus candidatos para o senado: o atual vereador Eduardo Suplicy (PT) e a ex-atleta Maurren Maggi (PSB).
Votos brancos, nulos e indecisos, como Luciléia, somaram 17% na última pesquisa Datafolha, mas a proporção sobe para 25% entre as mulheres com renda de até dois salários mínimos. “Há um segmento de eleitores que deixam para votar na última hora. Desses, quase 70% são mulheres de baixa renda, mulheres que não têm traquejo da informação eleitoral, mas conhecem bem a feira e o supermercado. Ela decide, ela sabe os preços. A inflação dela é mais precisa do que a oficial”, explicou a socióloga Fátima Pacheco Jordão ao EL PAÍS. “Ela está muito pregada no dia a dia, e quando se fala em saúde, elas não pensam em hospitais e vagas. Elas pensam em problemas específicos, no médico no posto, na saúde dela e, sobretudo, na dos filhos”, acrescentou.
Em frente à UBS Jardim Herculano, esperando o ônibus, Rosilda Lima da Silva tenta convencer Josefa, a dona de um bar ao lado, a não votar no candidato da extrema direita. “Aquele cara é preconceituoso, principalmente com mulher, pobre e preto. Principalmente preto. Ele é o homem mais podre que a gente pode colocar na presidência”, argumenta. “Se ele não gosta de pobre, por que quer voto de pobre?”, continua. Ao contrário de outras vizinhas, Rosilda está mais propensa a votar no “candidato de Lula”. “Ele roubou, mas fez algo pra gente. No Nordeste, foi com o Lula que minha mãe teve condições de comprar uma televisão, de se aposentar…”, argumenta. Josefa, porém, está decidida a votar em Bolsonaro. Mesmo assim, escuta com atenção. As duas logo engatam outra conversa e começam a rir juntas. A polarização política e o ambiente de ódio parecem não ter chegado no Jardim Ângela.
A decisão, aqui, pode ser tomada no último minuto antes do pleito. “Nem parei para pensar ainda. Geralmente decido em cima da hora, ou até mesmo no dia da votação. Vou muito por impulso”, explica Juliana Fraga Melo, de 34 anos. Também conta já ter votado em Lula diversas vezes, mas acredita que “Haddad é muito devagar, não anda muito”. Seu marido, um pintor que faz bico, tem discussões acaloradas com seus amigos sobre política, mas ela diz não se interessar. Sua única certeza é a de que não votaria em Bolsonaro. “Não gosto do que ele fala…. Essas que ele fala sobre mulher… Não gosto”, resume.
Sua principal preocupação é o salário precário dos trabalhadores e trabalhadoras. “E essas leis que inventaram agora… Não gostei também não. Eu trabalho fixo, mas não sou registrada, então para mim não mudou nada. Mas se fosse, acharia ruim, não iria gostar”, explica a moça, que trabalha na cozinha de uma casa de repouso perto de sua casa —”o que é uma raridade, geralmente todo mundo trabalha longe”. Também se queixa de que, nos últimos anos, a vida ficou mais difícil. “Comprar remédio, comer… Tudo isso ficou mais caro. Uma caixinha de leite chegou a cinco reais. Agora já baixou, mas como as mães que têm bebezinhos iam fazer?”, questiona.
Uma das poucas mulheres que não demonstram hostilidade a Bolsonaro é Antonia Felismina, cozinheira aposentada de 60 anos. “Acho que vou votar no Haddad, mas ainda não decidi não. Quem sabe até no Bolsonaro! Ele vai tirar os bandidos da rua? Andei escutando que ele vai botar segurança… Mas o PT pensa muito na periferia, nos pobres… Eu acho que está certo”, raciocina. Seu voto geralmente é decidido poucos dias antes do pleito, quando começa a prestar mais atenção na propaganda política. Dentro de casa, cada um tem sua opinião: seu marido, que trabalha fazendo móveis, por exemplo, “gostava da Marina Silva, mas já mudou e deve ir de Alckmin”. Já seu filho também está indeciso. “Hoje prefiro o Haddad que o João Doria, que não fez nada para a prefeitura. Mas para presidente… É muito forte, demais para o Haddad, não é?”, indaga. E continua seu raciocínio: “Eu acho que voto no Alckmin. Ele foi governador, e até que foi bom”.
A pouco mais de cinco quilômetros dali, em Capela do Socorro —o distrito paulistano com mais pessoas ganhando até dois salários mínimos, segundo o censo do IBGE de 2010— Jovina Costa, de 46 anos, atende as crianças que vão até a sua cantina, localizada em frente a uma escola pública. “Agora que colocaram uma cantina dentro da escola, está mais difícil. Acabo tendo que fazer bico no fim de semana de faxineira, diarista ou num buffet”, explica. Seu marido, que trabalha na construção civil, “não pega uma obra faz tempo”. “Tudo isso judia muito da gente. Tivemos que apertar o cinto para pagar a prestação da casa”, conta. O que lhe dá alegria é sua filha mais velha, de 19 anos, que faz Odontologia na Universidade de São Paulo (USP). “Mas é aquela coisa, né. O material é caríssimo. Tem muito aluno que desiste porque não é daqui e não consegue pagar o aluguel. Mas graças a Deus ela consegue fazer a faculdade. Demora quase duas horas para chegar na USP, mas consegue”.
Oriunda de Diamantina, Minas Gerais, conta ter votado em Lula quando tinha 16 anos. Era a primeira eleição da democracia e a primeira vez que o petista concorria. “Ainda hoje meu pai dá risada, porque ele não queria que eu votasse. Mas fui lá e votei!”, recorda. Veio para São Paulo três anos depois. Agora, em uma eleição cuja fragmentação se assemelha à de 1989, diz que vai anular no primeiro turno porque “infelizmente” não confia em mais ninguém. Assegura, porém, que, sim, irá votar no segundo turno. “Não votaria de jeito nenhum no Ciro Gomes, porque vi um vídeo em que ele fala em acabar com a moral católica”, explica ela, em referência a um trecho de uma palestra que o candidato do PDT deu em 2017. Tirado do contexto, o vídeo vem sendo usado como fake news, o principal motor da polarização política nestas eleições. “Também não votaria no Bolsonaro. Acho ele muito egoísta e preconceituoso. Ele é desumano. Agora mesmo eu estava vendo um vídeo dele lá no hospital em que aparece xingando uma enfermeira. É um absurdo”, conta.
O vídeo a que se refere na verdade não existe. É uma montagem falsa, mas parece influenciar sua escolha. Por exemplo, em um segundo turno entre Haddad e Bolsonaro, iria com o primeiro. “Mas não gostei dele como prefeito. Ele foi muito arrogante, não vi fazendo nada aqui. Falava muito”, explica. Portanto, se Haddad passar para o segundo turno com Alckmin, escolhe, neste caso, o tucano.
Carregando uma sacola cheia de coisas, a diarista Maria caminha pela calçada com pressa. “Não parei para pensar no meu voto ainda não, menino, minha vida é uma correria”, justifica. Esposa de um metalúrgico, foi graças a esta correria que seus filhos puderam estudar e vislumbrar outras opções de vida. A filha mais velha, de 29 anos, é formada em Publicidade e Propaganda e Matemática Financeira, e trabalha como analista financeira. Já seu filho trabalha com marketing e, aos 22 anos, acaba de começar Jornalismo, sua segunda faculdade. “Minha maior preocupação é a violência. Se acontece alguma coisa com meus filhos, morro junto. Meu coração fica na mão até eles chegarem em casa”. Ainda assim, as propostas de Bolsonaro de endurecer o combate a violência não a convencem. Ao contrário dos que acompanham tudo por WhatsApp, ela demonstra se informar também por meios tradicionais. “Também estava vendo uma pesquisa que diz que 49% das mulheres não vão votar nele. Tava lá no G1“.
A campanha de Bolsonaro sabe disso. Mas, ainda hospitalizado no Albert Einstein, um dos poucos acenos que fez a esse segmento do eleitorado foi publicar um vídeo, no último dia 19, em que se declarava para sua esposa e filha.
Felipe Betim