Uma mulher no comando da Justiça Militar, por Frederico Vasconcelos

22 de maio, 2014

(Folha de S.Paulo, 22/05/2014) A ministra Maria Elizabeth Rocha será a primeira mulher a assumir a presidência do Superior Tribunal Militar. A posse ocorrerá em junho.

“Meu grande projeto é resgatar a memória desta bicentenária Justiça, ainda tão desconhecida pela sociedade civil e pelos próprios operadores do Direito”, diz.

Em entrevista ao blog do jornalista Helcio Zolini (*), a ministra trata dos desafios que a esperam ao exercer o comando do STM “num ambiente marcadamente masculino”, como afirma o repórter.

Ministra-Elizabeth-Rocha

Primeira mulher nomeada ministra do STM (em 2007, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva), ela foi assessora do Partido dos Trabalhadores e trabalhou na Casa Civil, sob o comando da então ministra Dilma Rousseff. É casada com o general da reserva Romeu Costa Ribeiro Bastos, que foi secretário-geral da Advocacia-Geral da União na gestão do ministro José Antonio Dias Toffoli.

Em texto publicado na “Revista de Informação Legislativa”, em 2003, sob o título “Os militares e a ordem constitucional republicana brasileira – De 1898 a 1964″, Romeu Bastos e Elizabeth Rocha concluem que “o regime implantado em 1964 descortinaria problemas idênticos aos dos regimes civis. Embora tenha ocorrido um considerável desenvolvimento social e econômico, os desequilíbrios regionais, a pobreza, o analfabetismo e a corrupção evidenciariam a falácia da mística militar e o fracasso de uma utopia que não se concretizou”.

Formada em Direito pela PUC-MG, Elizabeth Rocha tem especialização em Direito Constitucional (UFMG), mestrado em Ciências Jurídico Políticas (Universidade Católica Portuguesa), doutorado em Direito Constitucional (UFMG) e pós-doutorado em Direito Constitucional (Universidade Clássica de Lisboa).

Eis alguns trechos da entrevista:

Sinto-me honrada em ser a primeira mulher a tomar assento e a presidir o Superior Tribunal Militar, a mais antiga Corte de Justiça do Brasil, que completou, em 2008, dois séculos de existência. É uma conquista de muitos anos de luta, que não é só minha, mas de todas as brasileiras, cada qual no seu universo, numa sociedade ainda sexista e discriminatória em questões de gênero.

(…)

O primeiro embate é a superação do estigma de “justiça corporativa”. Revelam as estatísticas o rigor de suas decisões, inadmitindo a impunidade dos acusados quando efetivamente comprovada a autoria do delito. O escopo judicial objetiva proteger as Forças Armadas e os princípios que a norteiam: a hierarquia e a disciplina.

(…)

Temerária, a inobservância de paradigmas rígidos de conduta na caserna, afinal, quando as Forças Armadas se desorganizam, tornam-se impotentes para cumprirem sua missão constitucional de defender a Pátria, pondo em risco a soberania do Estado e a estabilidade do regime político.

(…)

Lastimavelmente, a Emenda Constitucional nº 45/2004 ao criar o Conselho Nacional de Justiça, olvidou o assento a que a Justiça Militar da União faz jus, omissão que a PEC 358/2005 busca reparar. Então, envidarei todos os esforços junto ao Congresso Nacional para a sua aprovação.

(…)

A Justiça Militar estadual sofreu modificações significativas com a Emenda Constitucional nº 45/2004, dentre as quais, destaco a ampliação da competência para julgar atos de natureza punitivo-disciplinar. No entanto, esta alteração não alcançou a Justiça Federal Castrense, resultando em uma assimetria no tocante às competências dos referidos Juízos.

(…)

A rapidez da Justiça Castrense é imperiosa para a preservação da hierarquia e disciplina dentro dos quartéis.

Justiça que tarda, falha, e em se tratando do Direito Penal Militar, a morosidade processual pode revelar-se fatal para a integridade das Forças Armadas, instituições nacionais permanentes, conforme se extrai da dicção constitucional

(…)

A Justiça Militar da União já colabora com o deslinde dos trabalhos implementados pela Comissão Nacional da Verdade, apresentando, prontamente, todas as informações por ela requisitadas. Aliás, ela assim procede desde a instauração pelo Ministério da Justiça, ainda no Governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, da Comissão destinada a apurar as perseguições políticas durante o regime militar para indenizar as vítimas.

(…)

O ministro Joaquim Barbosa não defende a extinção das Justiças Militares, sobretudo, a Federal, conforme ele próprio afirmou ao Presidente do STM, ministro Raimundo Nonato de Cerqueira. Sua intenção, por meio da interveniência do Conselho Nacional de Justiça, é promover atualizações na estrutura, competência decisória e legislação da Justiça Penal Especializada. E quanto a isso, inexistem impasses ou divergências. (…) As discussões empreendidas foram significativas e relevantes, não apenas porque reconheceram a importância deste ramo do Poder Judiciário para o Estado Democrático de Direito, mas principalmente, por proporem um novo modelo de funcionamento destas Cortes de Justiça, sobre o qual todos estão de acordo.

(…)

Eventual exclusão ou obstrução ao ingresso de homossexuais nos contingentes do Exército, Marinha e Aeronáutica não tem apenas o condão de estigmatizá-los do convívio social, desafia o próprio conceito de cidadania ao impedir a permanência de homens e mulheres em Instituições destinadas à defesa da Pátria e à garantia dos poderes constitucionais, em razão de sua orientação sexual.

Na historiografia pátria equivale à subtração do direito ao sufrágio das mulheres que perdurou durante todo o Império e a República Velha e, até mesmo, à escravatura, quando os negros, inferiorizados e considerados como “coisa”, não eram sujeitos de direitos em função da sua raça.

É o discurso do ódio perpetrado pelo Estado, inadmissível em um regime democrático.

(*) http://noticias.r7.com/blogs/helcio-zolini/

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