(O Globo, 26/11/2015) Sete jovens iniciaram movimento on-line que já tem milhares de adeptas
Há menos de 48 horas no ar, mas já com milhares de apoiadoras, a campanha #MeuAmigoSecreto incita as mulheres a expor comportamentos e declarações machistas que enfrentam cotidianamente. Utilizando a brincadeira de fim de ano como gancho, as internautas descrevem, de maneira realista, os conhecidos que costumam soltar “piadinhas” misóginas no meio do expediente: “#MeuAmigoSecreto elogia, se mostra educado, trata super bem a mina, mas se ela demonstra que não quer nada com ele, fala que ela é metida”, conta uma internauta. “#MeuAmigoSecreto acha que a colega de trabalho serve para ‘alegrar’ seu dia”, relata outra.
As alavancas do projeto — elas preferem não carregar o título de líderes — são sete jovens, com idades entre 19 e 24 anos, que se conheceram por meio da militância feminista. São estudantes de relações internacionais, ciências sociais e engenharia de materiais, e há duas já formadas: uma em jornalismo, e a outra faz mestrado em políticas públicas. Quase todas moram no Rio. Na entrevista, elas contam que a ação surgiu a partir de um relato pessoal de uma das integrantes, e ganhou força espontaneamente, graças à internet. Elas também sonham com um livro do projeto.
A iniciativa surge em um momento de ebulição especial para o movimento, após o sucesso da ação #PrimeiroAssédio, que, no mês passado, estimulou mulheres a compartilharem as histórias sobre a primeira vez em que foram assediadas. Pouco depois, as militantes foram às ruas em diversas capitais em manifestações contra o projeto de lei 5069/13, de autoria do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que sugere maior rigor na punição ao aborto. As denúncias contra o secretário de Governo do Rio, Pedro Paulo Carvalho, acusado de agredir a ex-mulher, só colocaram lenha na fogueira. Nesta quarta-feira, Dia Internacional da Eliminação da Violência Contra a Mulher, mais uma vez elas se reuniram nas avenidas para pedir a exoneração de Cunha e Pedro Paulo de seus cargos.
O GLOBO: Como surgiu a ideia da campanha #MeuAmigoSecreto?
Jéssica Sol: Começou como uma coisa fragmentada, uma onda mesmo, no Facebook, após o pontapé inicial do Twitter @NaoMeKahlo. Daí eu fiz um post no meu perfil pessoal sobre isso, e ele acabou tendo muitos compartilhamentos. Então resolvemos criar a página para centralizar e amplificar a campanha. Mas a hashtag, como tudo na internet, ganhou vida própria. Foi uma criação da internet, das mulheres militantes.
Dandara Oliveira de Paula: Foi tudo muito rápido! Em menos de 24 horas já tínhamos mais de 5 mil “curtidas” na página. E não denunciamos só machismo, mas também racismo, gordofobia, LGBTfobia. Todas as opressões que sofremos no dia a dia.
Houve inspiração na hashtag #PrimeiroAssédio?
Dandara: Sim! E o que diferencia a #MeuAmigoSecreto da #PrimeiroAssédio é que estamos denunciando coisas que acontecem agora, não que aconteceram um tempo atrás.
Letícia Vieira Goulart: A nova hashtag é mais abrangente, porque denunciamos todas as pequenas agressões misóginas, principalmente as contradições de quem se diz a favor da igualdade.
Qual a intenção da página no Facebook?
Maria Leão: A ideia é que os agressores possam se ver nos cartões de Natal, e que se crie um ambiente onde as pessoas agredidas estejam confortáveis e protegidas. A página amplifica e despersonaliza os casos, protegendo as vítimas que fazem denúncias. A acusação com nome citado pode gerar ameaça não só física e moral para as sobreviventes, como ameaça judicial, em alguns casos. Na maioria das vezes as mulheres não têm provas, não têm testemunhas ou não confiam na polícia. Ou, pior: o opressor é uma pessoa com poder, como um chefe ou professor. Por isso, a hashtag é, ao menos, um alívio.
Dandara: A intenção é gerar debate e um espaço de desabafo. Fora que dá um sentimento de coletividade ver que todas nós sofremos opressões parecidas todos os dias, porque muitas vezes achamos que é sempre um caso isolado. As meninas que não fazem parte de coletivos feministas não têm ideia de como o problema afeta todo mundo.
Com a ajuda do projeto, os homens já estão se tocando de seus atos?
Jéssica: Esperamos que sim. O objetivo é que a ação tenha esse duplo efeito: fazer os homens não terem para onde correr e, ao mesmo tempo, ajudar a aliviar a mente e o coração das meninas. Também nos ajuda a criar uma ferramenta para enfrentar essas situações daqui para frente, nos ajuda a aprender a não aceitar mais.
Dandara: Eu mesma escrevi no meu perfil algo que aconteceu, usando a hashtag, e a pessoa que tinha me falado tal absurdo veio falar comigo. Estamos recebendo na página muitas sugestões e histórias pessoais que pedem para ser anônonimas exatamente porque, geralmente, o opressor é uma pessoa muito próxima.
Vocês se surpreenderam com a repercussão?
Jéssica: Muito! Estamos estudando menos, trabalhando menos. (risos) Mudou a rotina de todas nós.
Maria: É um tal de “batemos cinco mil curtidas! Peraí.. Já foram seis mil!”. Está um furacão.
E vocês pensam em um desdobramento da campanha?
Maria: Penso que, pela primeira vez, nas reuniões de fim de ano, não serão só as mulheres, os negros e os LGBTs que estarão desconfortáveis! (risos)
Dandara: Eu sonho com um livro do projeto.
Marina Cohen
Acesse o PDF: ‘Sofremos opressões todos os dias’, dizem criadoras da ação #MeuAmigoSecreto (O Globo, 26/11/2015)