(Tiago Coelho/Piauí) No período colonial, havia dois tipos de senzala para os escravizados no Brasil. Uma, longe da casa-grande, destinada aos que trabalhavam na lavoura. A outra, mais próxima, ocupada pelos negros que cuidavam dos serviços domésticos. Após a abolição da escravatura, uma variação da senzala permaneceu na arquitetura das casas brasileiras, na forma de edículas onde dormiam os empregados fixos de uma família, desprovidos de qualquer amparo legal, recebendo salários exíguos, quando havia. Como a senzala, a edícula ficava do lado de fora da moradia principal.
O país se modernizou, as cidades cresceram, com edifícios brotando em todo canto nas metrópoles. A senzala, porém, continuou fazendo parte do Brasil: os construtores e arquitetos jamais se esqueciam de acrescentar aos apartamentos, grandes ou modestos, o “quartinho de empregada”. “São quartos que, em média, têm 6 m2 e onde cabe no máximo uma cama de solteiro, um pequeno armário e, quando muito, algum eletrodoméstico. É quase uma cela, uma herança do período escravocrata”, afirma o arquiteto e urbanista Ricardo Trevisan, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília e um dos autores, com Maíra Boratto Xavier Viana, do ensaio O “Quartinho de Empregada” e o Seu Lugar na Morada Brasileira.
Além do espaço apertado e do mobiliário básico, há outros elementos que aproximam o “quartinho” de seu ancestral escravocrata. “A falta de ventilação e a pouca iluminação são parecidas, e esses quartos reproduzem o mesmo esquema de alcovas voltadas para a área de serviço, como nas senzalas”, explica Trevisan. A procuradora Silvana da Silva, do Ministério Público do Trabalho do Rio de Janeiro (MPT-RJ), ressalta a precariedade em que vivem as empregadas: “As condições de conforto e higiene são muito inferiores a qualquer outra parte da moradia. É um padrão que a gente vê ainda em muitos apartamentos e casas.”