Elas recebem menos convites para avaliar o trabalho de seus pares. E meninas se veem como menos brilhantes desde os 6 anos
(El País, 02/02/2017 – acesse no site de origem)
Na semana passada, dois estudos colocaram em evidência algumas das barreiras que impedem o aproveitamento do potencial das mulheres na ciência. O primeiro deles, publicado na revista Nature, se refere à presença feminina como avaliadoras dos trabalhos de seus colegas. Essa avaliação é uma das bases do sistema científico e acadêmico, e permite que as revistas científicas analisem a qualidade dos artigos submetidos para publicação. Além disso, trata-se de um caminho para que os avaliadores melhorem em sua própria área de conhecimento e fortaleçam vínculos com outros pesquisadores.
Uma análise da União Americana de Geofísica (AGU, na sigla em inglês) indica que mulheres de todas as idades têm menos probabilidades de participar desse processo. O estudo mostra que, entre 2012 e 2015, a presença feminina entre os revisores foi de 20%. Trata-se de uma porcentagem bem inferior aos 27% de mulheres que conseguem ter aceitos artigos em que aparecem como primeiras autoras, e abaixo dos 28% de membros femininos da AGU. A presença de mulheres varia com a idade. Entre aquelas na casa dos 20 anos, elas representam 45%. Em contraste, os autores da análise, Jory Lerback e Brooks Hanson, mostram que a porcentagem de artigos aprovados para publicação apresentados por mulheres é ligeiramente maior que a de homens (61% a 57%).
Sobre os motivos para essa menor representação, os autores mencionam como primeira causa o fato de as mulheres receberem menos convites para avaliar artigos do que os homens. Além disso, as mulheres também recusam esses convites com mais frequência.
Os autores apresentam duas possíveis interpretações para esses resultados. A primeira é que as mulheres que escrevem artigos sofram uma discriminação às avessas. A outra, talvez mais plausível, é que elas preparem melhor o envio de seus trabalhos já esperando encontrar mais dificuldades. Essa hipótese coincide com os resultados de outros estudos que indicam que as pessoas que esperam mais obstáculos dedicam mais esforço à preparação e assumem menos riscos. Isso explicaria também, pelo menos em parte, por que as mulheres enviam menos artigos para publicação do que os homens. “Um processo de estudo duplo-cego poderia lançar mais luz sobre esses fatores”, propõem os autores do artigo na Nature.
Nesse sentido, estudos como o que foi publicado na PNAS por um grupo liderado por Corinne A. Moss-Racusin, psicóloga do Skidmore College (Estados Unidos), sugerem que os professores universitários, independentemente de seu gênero, avaliam de maneira mais favorável uma candidatura para diretor de laboratório se ela vem acompanhada de um nome masculino. Outras análises semelhantes observaram como candidaturas idênticas para postos fixos na universidade têm mais possibilidades de sucesso se o suposto aspirante for homem. Esses trabalhos observam ainda que essas inclinações também atingem indivíduos que valorizam a igualdade e se consideram objetivos.
A complexidade do problema das inclinações também foi abordada em um artigo publicado na mesma revista em 2015. Apesar de haver uma grande quantidade de dados que refletem a desvantagem das mulheres nas carreiras ligadas à ciência e à engenharia, e de isso poder estar relacionado com os estereótipos de gênero, esses dados não são avaliados igualmente dependendo de quem leia sobre eles. Naquele artigo, foi observado que os homens – em particular aqueles em posições de poder dentro do mundo acadêmico – eram reticentes em aceitar o valor dos dados apresentados nesse tipo de estudo. Essa percepção, em um campo dominado pelos homens, dificulta que as inclinações sejam reconhecidas e comecem a ser combatidas.
Um segundo artigo publicado na semana passada traz mais informações sobre as possíveis causas da sub-representação feminina na ciência e na engenharia. Em um estudo apresentado na revista Science, foi perguntado a meninos e meninas se acreditavam que uma pessoa descrita para eles como especialmente inteligente era de seu sexo ou do oposto. Quando as crianças tinham 5 anos, não se observavam diferenças. Mas a partir dos 6 ou 7 anos, a probabilidade de que meninas considerem a pessoa brilhante como sendo de seu sexo cai.
Em outro experimento do mesmo estudo, os autores viram que as meninas mais velhas, a partir dos 6 anos, têm menos interesse em jogos que, segundo a descrição, teriam sido planejados para crianças muito inteligentes. No entanto, o interesse não variava entre os gêneros quando o jogo era apresentado como dirigido a crianças muito persistentes. Os responsáveis pelo estudo consideram que essas ideias sobre gênero e inteligência, que aparecem em uma fase inicial da infância, podem afastar as meninas das carreiras em ciência e engenharia. Um dado interessante é que tanto meninos como meninas reconhecem que elas tiram melhores notas, o que sugere que não associam essas notas com brilhantismo. Agora, os autores querem entender as origens dessas diferenças de percepção.