Na hora de denunciar o assédio no ambiente de trabalho, é difícil superar o medo de perder o emprego ou ficar estigmatizada, afirmam as vítimas e ativistas feministas.
(Folha de S.Paulo, 28/08/2017 – acesse no site de origem)
“Sinais de uma relação belicosa com a empresa são sempre um obstáculo, e quem vai julgar isso são os homens, porque a alta liderança não é feminina”, diz Cida Bento, diretora do Centro de Estudos das Relações do Trabalho e Desigualdades. “Para mulheres negras, é ainda pior.”
Marina Ruzzi, advogada especializada em violência contra a mulher, a “precarização dos vínculos trabalhistas” explica a diminuição das denúncias de assédio sexual.
“Já fui procurada por mulheres que não tinham carteira assinada e não podiam buscar a Justiça do Trabalho”, explica. “Se a mulher trabalha como pessoa jurídica, tem que acionar a Justiça cível pedindo danos morais, o que é mais difícil de caracterizar que assédio sexual.”
Para o procurador Ramon Bezerra dos Santos, do Ministério Público do Trabalho, a interrupção da tendência de aumento do número de denúncias vai na contramão do movimento de conscientização feito nos últimos anos. “Na verdade, deveria ter aumentado, e não diminuído, porque agora as pessoas estão mais esclarecidas”, diz.
Dentre as denúncias, sempre foi baixo o volume que desencadeia ações, inferior a 10% dos casos, segundo ele.
“Mulheres e homens deixaram de entender que violência é só porrada, estupro e feminicídio. A puxada de braço, a cantada no trabalho, tudo isso começou a ser lido como violência”, diz a escritora Antonia Pellegrino, uma das criadoras do blog #AgoraÉQueSãoElas, da Folha.
“Isso é fruto direto da pauta feminista, de debates que cresceram nos últimos anos, marcadamente a partir de 2011, com a marcha das vadias [movimento que surgiu no Canadá pelo fim da culpabilização de vítimas de estupro]. A campanha do ‘Chega de Fiu Fiu” [iniciativa criada para combater o assédio sexual sofrido pelas mulheres em locais públicos] também é fundamental”, ela afirma.
FACULDADES
A mudança cultural se manifestou também no surgimento de coletivos feministas em faculdades onde a presença masculina é tradicionalmente predominante.
Leticia Kanegae, aluna da FGV (Fundação Getúlio Vargas) em São Paulo, responsável por coordenar a participação dos alunos em projetos que procuram promover a diversidade na instituição de ensino, diz que a noção de ética na universidade tem evoluído. “Antes, o código de conduta dos estudantes só abordava temas ligados a cola”, afirma.
Em sua experiência como estagiária, ela diz ter percebido como são recorrentes declarações machistas e de banalização da palavra estupro.
“Quando dá errado uma programação, eles dizem que foram estuprados pela máquina. Quando falam palavrão, pedem desculpa para as mulheres que estão no mesmo ambiente”, afirma Kanegae. “Parece que a gente precisa pedir licença para estar no escritório.”
Joana Cunha e Natália e Natália Portinari