Mulheres precisarão de ajuda econômica específica, diz representante da ONU Mulheres no Brasil

26 de março, 2020

A quarentena pela qual passa o Brasil para evitar que o novo coronavírus se dissemine mais vai trazer, como já se sabe, consequências econômicas para todo o país. A decisão de fechar comércios e manter ruas vazias deverá evitar milhares de mortes, e terá, como sequela, a recessão.

(Universa/UOL, 26/03/2020 – acesse no site de origem)

Por isso, estratégias para proteger a população deveriam ser, desde já, prioridade dos governos, que precisam se atentar para os grupos mais vulneráveis, como o feminino, explica a representante da ONU Mulheres no Brasil, Anastasia Divinskaya.

“No Brasil, as mulheres são as mais sujeitas à economia informal, que é a que mais sofrerá impacto com a quarentena.

Sem garantias trabalhistas, elas estão perdendo suas fontes de renda e serão altamente afetadas pela pandemia”, afirma Anastasia, que ressalta a importância de se olhar especificamente para a população feminina em um país onde há muitas famílias lideradas por mães solo.

Segundo a pesquisa “Síntese de Indicadores Sociais 2019 – Uma Análise das Condições de Vida da População
Brasileira”, divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho em 2018 foi de 52,9%, enquanto a dos homens foi de 72%.

“As evidências mostram que as mulheres são um dos grupos mais vulneráveis — economicamente, têm salários mais baixos e estão concentradas na economia informal, como no caso das trabalhadoras domésticas, que não têm contrato, portanto, não têm proteção da lei.”

“Impacto entre gêneros é diferente”

Anastasia explica que é preciso que os governos desenvolvam, desde já, planos de ajuda econômica que contemplem, especificamente, as mulheres.

“O impacto entre os gêneros é diferente. Todas as partes da sociedade devem ser analisadas e diferenciadas com base no sexo”, afirma. “Essa especificação dos dados vai nos fazer entender como a pandemia afeta a cada um. Se não for assim, nenhum governo vai dar a resposta correta, nem no médio nem no longo prazo.”

Entre essas possíveis respostas, Anastasia sugere ações relacionada a programas de transferência de renda, como o Bolsa Família, e medidas de compensação direta às trabalhadoras informais. Além disso, são importantes políticas públicas que pudessem agir na redistribuição do trabalho doméstico, na própria casa, no cuidado dos filhos e dos idosos.

“São elas que cuidam de todo mundo, sabemos que a distribuição das tarefas é assim. Mas não deveria ser, pois
sobrecarrega a população feminina.”

Elas são 70% da força da saúde e precisam de apoio

Ainda sobre os impactos da pandemia de covid-19, Anastasia explica que mulheres são também a maioria entre
trabalhadores na área da saúde. A média global é de 70% — no Brasil, enfermeiras chegam a 85%, e médicas, 45%.

“Elas são mais expostas ao risco de ser contaminadas fisicamente, mas também são psicologicamente afetadas. Não é só no Brasil. O serviço de saúde precisa de um apoio psicológico nesse momento para atendê-las.”

“Mulheres são alicerce fundamental em tempos difíceis”

Há 19 anos na ONU trabalhando com populações femininas de diferentes países, Anastasia já realizou ações em programas para o avanço da igualdade de gênero, voltadas para o empoderamento econômico e a formação de lideranças políticas.

Um dos países pelos quais passou foi o Timor Leste, entre 2013 e 2015. De lá, cita uma das cenas que mais lhe
marcaram nas quase duas décadas de trabalho, por meio do qual conheceu centenas de mulheres.

“Visitei uma vila, em uma área muito remota do Timor Leste, para explicar às mulheres uma lei que tinha acabado de ser aprovada. Era uma reparação às sobreviventes de violência sexual, estupradas durante a guerra civil que tinha acabado fazia décadas”, conta.

“Tinha uma mulher muito jovem e muito curiosa que fazia várias perguntas. Ela não tinha idade para ser sobrevivente da guerra. No final, fui perguntar por que ela estava tão interessada”, lembra Anastasia.

“Era uma pessoa muito humilde que nunca tinha estudado. E ela me respondeu: ‘Eu quero que a justiça seja feita para mulheres como a minha mãe’. A mãe tinha sido raptada e presa durante cinco anos e foi repetidamente estuprada por soldados. Essa moça ficou junto na prisão e viu tudo”, diz.

“Independentemente do país, o que eu sempre via nas mulheres era coragem e perseverança. Elas são o motor da economia e o alicerce fundamental em tempos difíceis.”

Por Camila Brandalise
De Universa

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