Cientistas foram as primeiras mulheres a obterem doutorado em suas áreas e responsáveis por diversas descobertas.
(G1, 08/03/2018 – acesse no site de origem)
“As meninas precisam ter exemplos”, diz a professora Hildete Pereira de Melo, do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense. Ela é, juntamente com a professora Ligia Rodrigues, do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas, autora da pesquisa “Pioneiras da Ciência no Brasil”.
O estudo levantou mulheres importantes de diversas áreas científicas no país, em diferentes áreas do conhecimento, como física, química, agronomia, história, botânica, entre outras. Hildete conta ao G1 que um dos principais objetivos da publicação era inspirar a “descoberta” das brasileiras na história científica do Brasil.
“Elas [as meninas] não podem olhar para a ciência e achar que é um mundo masculino porque só tem homem, e brancos. A ciência é andrógina e branca, a matriz eurocêntrica. Isso foi o que nos moveu”, afirma.
A partir de entrevistas com pesquisadores, e utilizando dados do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), a dupla de autoras montou perfis das cientistas, utilizando como critério as descobertas realizadas por elas, assim como fatos pioneiros de suas carreiras, como, por exemplo, serem as primeiras mulheres a obterem título de doutoras no Brasil.
“A ciência brasileira é muito recente. A criação da Universidade do Brasil (hoje UFRJ), na década de 20, e a USP, em 1934, são os primeiros marcos do desenvolvimento dos estudos de graduação universitários no Brasil”, lembrou.
Hildete Pereira lembra, no entanto, da grande resistência para a entrada das mulheres no mundo acadêmico, antes majoritariamente dominado pelo sexo masculino.
“A partir da década de 20, as mulheres vão dando pontapés nas portas das universidades para entrar, porque não pense que entraram facilmente. Nossas bisavós lutaram por isso”, afirmou.
Publicado em 2006, o livro “Pioneiras da Ciência no Brasil” está disponível online. O G1 reuniu 10 entre os perfis levantados pelas pesquisadoras, resumindo suas carreiras e descobertas.
Alice Piffer Canabrava(1911 – 2003) – Historiadora
Nascida em Araras (SP), formou-se em Geografia e História pela USP em 1937, e iniciou o doutorado em História em 1942. Quatro anos mais tarde, tentou se tornar professora da cadeira de História da América da USP, e obteve a maior média no conjunto de provas. No entanto, a banca de examinadores deu o cargo a um concorrente homem. Pediu transferência para a Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas (atualmente FEA) e, em 1951, se tornou a primeira professora catedrática da USP, na cadeira de História Econômica Geral do Brasil.
Bertha Lutz (1894 – 1976) – Bióloga, sufragista e ativista feminista
Filha de um cientista e uma enfermeira, se formou no curso de ciências da Universidade de Sorbonne, em Paris, e, em 1919, foi a segunda mulher a se tornar funcionária pública no Brasil, ao ser aprovada em um concurso do Museu Nacional, no RJ. Especializada em anfíbios, Bertha Lutz foi professora por mais de 40 anos da instituição, e também teve grande participação nos movimentos feministas no Brasil no início do século XX, como o Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que liderou a campanha pelo voto das mulheres no país, conquista alcançada em 1932. Quatro anos depois, assumiu mandato de deputada federal.
Carolina Martuscelli Bori (1924 – 2004) – Psicóloga
Formou-se em pedagogia pela USP em 1947, entrando na universidade antes da existência dos cursos de psicologia no país. Aprofundou os estudos na área nos EUA, e, aos 30 anos, concluiu o doutorado no Brasil. Carolina Bori foi pioneira do estudo da psicologia no país, e defendeu a regulamentação da profissão nos anos 60. Também participou da fundação da Sociedade Brasileira de Psicologia e do programa de pós-graduação do Instituto de Psicologia da USP, coordenado por ela por 15 anos.
Elza Furtado Gomide (1925 – 2013) Matemática
Começou a carreira ao se formar em física pela USP, em 1944, em meio à Segunda Guerra Mundial. Porém, pegou gosto pela matemática, e acabou se tornando a primeira brasileira a concluir doutorado na disciplina, defendendo a tese em novembro de 1950 na mesma instituição. Trabalhou na USP por cinco décadas.
Graziela Maciel Barroso (1912-2003) – Botânica
A “primeira grande dama” da botânica brasileira casou-se aos 16, e, educada para ser dona de casa, voltou aos estudos somente aos 30 anos de idade. Começou como estagiária no Jardim Botânico no Rio de Janeiro e foi estudar biologia na Universidade do Estado da Guanabara (atual UERJ) aos 47 anos. Foi professora por mais de 50 anos, e escreveu “Sistemática de angiospermas do Brasil”, livro considerado como referência na área da botânica em todo o mundo. Além disso, foi homenageada dezenas de vezes por cientistas, que colocam seu nome em descobertas de vegetais.
Johanna Döbereiner (1924 – 2000) – Agrônoma
Nascida na antiga Tchecoslováquia, fugiu com a família após o fim da Segunda Guerra e foi naturalizada brasileira em 1956. Formada em Agronomia na Universidade de Munique, foi contratada para trabalhar no Serviço Nacional de Pesquisas Agronômicas do Ministério da Agricultura que, anos mais tarde, se tornaria a EMBRAPA (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária). Seu trabalho mais lembrado é a descoberta da associação entre bactérias e alguns tipos de gramíneas, o que permitia a fixação biológica de nitrogênio nas plantas, o que dispensava o uso de fertilizantes químicos, e acabou revolucionando a produção de soja no país. Também foi indicada ao Prêmio Nobel de Química em 1997.
Nise da Silveira (1905 -1999) – Médica Psiquiatra
Maceioense nascida em 1905, foi a única mulher a se formar em medicina pela Faculdade de Medicina da Bahia em uma turma de 158 alunos. Em 1936, chegou a ser presa por conta de suas ideias, e, dez anos mais tarde, começou um trabalho pioneiro envolvendo esquizofrenia, utilizando a arte como forma de terapia ocupacional. Reconhecida internacionalmente, também teve grande papel na divulgação da psicologia jungiana no Brasil, e foi um dos símbolos da luta antimanicomial no país.
Ruth Sonntag Nussenzweig – Bióloga
Natural de Viena, na Áustria, emigrou para o Brasil ainda menina, e cursou medicina na USP, em 1948. Se destacou por suas pesquisas, inicialmente, envolvendo a transmissão e prevenção da doença de Chagas. Fez pós-doutorado em bioquímica na França no fim dos anos 50, e em 1967, publicou uma descoberta na revista “Nature”, a respeito do combate ao parasita causador da malária. Em 1998, foi condecorada com a Ordem Nacional do Mérito Científico classe Grã-Cruz e, atualmente, é pesquisadora do Departamento de Patologia da Universidade de Nova York.
Sonja Ashauer (1923 – 1948) – Física
Nasceu em 1923, filha de pais de origem alemã. De inteligência notável desde cedo, se formou em física pela USP em 1942, a segunda mulher a concluir o curso no Brasil. Apenas seis anos depois, se tornaria a primeira brasileira a concluir o doutorado também em física, pela Universidade Cambridge, na Inglaterra. Sua tese estudava problemas em elétrons e radiação eletromagnética, assunto pioneiro para a época. No entanto, teve a carreira encerrada abruptamente, ao morrer aos 25 anos, meses depois de retornar ao Brasil.
Victória Rossetti (1917- 2010) – Engenheira-Agrônoma
Natural de Santa Cruz das Palmeiras, interior de São Paulo, foi a primeira mulher a se formar em agronomia em todo o estado, e segunda no Brasil, em 1939. No Instituto Biológico do Estado de São Paulo, foi pesquisadora e se tornou referência internacional em doenças em plantas cítricas. Foi diretora da Divisão de Patologia Vegetal em no instituto paulista por mais de duas décadas, e continuou trabalhando até 2003.
Cauê Fabiano