A reforma da Previdência proposta pelo governo Temer tem gerado muitas críticas de especialistas da área. Uma delas que tem gerado polêmica é o fim da diferença de idade mínima para homens e mulheres se aposentarem.
(HuffPost Brasil, 19/12/2016 – acesse no site de origem)
Pelas regras atuais, a soma da idade e tempo de contribuição deve ser de 85 para mulheres e 95 para homens. Se for se aposentar por idade, as mulheres precisam ter, no mínimo, 60 anos, e os homens 65. A reforma extingue a soma da idade com tempo de contribuição e iguala a idade mínima para homens e mulheres.
Leia mais: É justo as mulheres se aposentarem aos 65 anos, como os homens? (BBc Brasil, 19/12/2016)
A medida foi bem vista por parlamentares da base e, inclusive por mais da metade da população. Uma pesquisa realizada pelo Datafolha em julho deste ano revelou que 57% dos brasileiros acham que homens e mulheres deveriam se aposentar com a mesma idade. E não há diferença entre entre os gêneros: 59% dos homens e 56% das mulheres concordam a proposta.
Mas, para especialistas, igualar a idade mínima no contexto atual no Brasil significaria um retrocesso nos direitos das mulheres. “Hoje, se trata de maneira diferente casos diferenciados. Essas distinções não devem ser tratadas com igualdade, pois você gera ainda mais injustiça e aumenta o ‘gap’ de gênero”, afirma a socióloga e cientista política do Ibmec-RJ, Angela Fatorelli.
Antes de entrar no mérito do que é justo ou não, é preciso entender por que há a diferença hoje.
As mulheres se aposentam mais cedo atualmente por uma “compensação”, levando em consideração que elas trabalham mais que os homens, uma vez que elas agregam o trabalho doméstico ao emprego remunerado.
E, por mais que a última reforma da Previdência seja antiga e considerada “ultrapassada” (e uma reforma seja necessária para dar sustentabilidade ao sistema), a jornada dupla das mulheres brasileiras continua bem atual.
De acordo com a Síntese de Indicadores Sociais – Uma análise das condições de vida da população brasileira, divulgada no início de dezembro pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), as mulheres trabalham cerca de cinco horas a mais que eles por semana.
E o pior: ganham cerca de 30% menos que os homens, uma vez que elas trabalham cerca de seis horas a menos por semana que os homens em sua ocupação remunerada.
Por outro lado, como dedicam duas vezes mais tempo que os homens para as atividades domésticas, o total de horas trabalhadas pelas mulheres é de, em média, 55,1 horas por semana, contra 50,1 horas deles.
Ainda segundo a pesquisa, na última década, os homens permaneceram com uma jornada de apenas 10 horas semanais com os afazeres domésticos — o que prova que aqui pouca coisa progrediu e, apesar dos avanços das mulheres no mundo corporativo nos últimos anos, ainda sobra para elas o cuidado da casa e dos filhos.
E foram esses pontos levantados pela senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), crítica da reforma.
“Nós queríamos ter o mesmo período de aposentadoria que os homens, se tivéssemos salários iguais, não 30% a menos, que não é o meu dado, é o dado oficial; se não tivéssemos a tripla jornada de trabalho, mas temos a tripla jornada de trabalho.”
“Não é o momento de promover a igualdade [na idade da aposentadoria]”, avalia o professor de Direito do Trabalho da FGV, Jorge Boucinhas. “Em algum momento, vai ter de acontecer.”
Para o professor, a reforma não leva em consideração uma questão cultural brasileira que ainda não foi superada. “Na hora que for, a mudança deve ocorrer de uma forma suave, até que consiga uma situação de igualdade, o que estamos longe de alcançar hoje.”
“O equívoco é promover a igualdade em um momento que ainda é desigual [para as mulheres].”
Apesar das mudanças que ocorreram nos últimos anos, inclusive o aumento da participação feminina no mercado de trabalho, a professora do Ibmec-RJ Angela Fatorelli lembra que não se pode negar que a mulher continua trabalhando mesmo após se aposentar. “A diferença de idade seria uma compensação da jornada dupla e do cuidado com a família, que não se encerra com a aposentadoria.”
Na opinião da cientista política, uma questão que não foi pensada é o papel da avó nos afazeres domésticos e familiares — e o quanto a mudança pode impactar as próximas gerações.
“Eles [os governantes] se esquecem do papel da avó na criação dos netos. Quantas avós vocês conhecem que cuidam dos netos ou de crianças da família?”
Ela concorda que a idade de aposentadoria é igual em vários países, mas reitera que as avós nestas culturas são bem menos participativas na criação e educação das crianças do que no Brasil. “Você não pode esquecer desta figura. É uma realidade brasileira que não se leva em consideração. O governo vai acabar gerando um problema grande de insatisfação e insegurança.”
A professora avalia que a reforma da Previdência é importante e bem-vinda, pois leva em consideração a redução dos contribuintes e a estimativa de vida da população, mas pondera que tem que ter especificidades diferentes para cada caso. “Tem que discutir com a população e não como está acontecendo, fazendo tudo de forma atropelada.”
“Em um mundo ideal essas diferenças não precisariam existir. Fazendo uma analogia bem grosseira, é igual ter vagões de metrô apenas para mulheres. Eu queria usar um transporte público em que eu não me preocupasse com a roupa que estou usando ou com quem está do meu lado, mas isso ainda não é possível. É uma medida compensatória. Acredito que, com essas mudanças, teremos uma perda no que diz respeito à desigualdade social e à desigualdade de gênero.”
Possibilidade de mudança
A equipe econômica de Temer já está trabalhando com a possibilidade de reduzir de 65 para 62 anos a idade mínima para mulheres se aposentarem.
A mudança, segundo o jornal Folha de S. Paulo, é para prevenir a ideia de “vitória” entre os deputados que são contra a reforma e estudavam uma emenda na votação na Câmara.
A expectativa do governo é que a Câmara vote a proposta em plenário ainda no primeiro trimestre de 2017.