O escândalo do produtor Harvey Weinstein demonstra que esses assuntos não representam casos tão isolados como acreditamos
(El País, 19/10/2017 – acesse no site de origem)
Uma grande mesa à qual se sentam quatro mulheres e cinco homens, um deles o chefe. Batem papo enquanto trabalham e uma das mulheres conta que certa vez, quando era adolescente, montava em um cavalo que saiu desembestado. O chefe, 10 anos mais velho do que ela, sorri, malicioso, e responde: “Você é como um cavalo desembestado, mas eu te domava”. Os homens à mesa riem, ainda que um, quase imperceptivelmente, faça uma careta. Em uma conversa particular, este diz à colega que todos os anos o chefe “escolhe” uma das recém-chegadas e se dedica a persegui-la com comentários, gestos e mensagens eletrônicas.
Não é uma situação imaginária. É completamente real. Neste caso concreto, como no tão falado escândalo de abusos sexuais pelo produtor de Hollywood Harvey Weinstein, tratava-se de um “segredo calado” que se perpetuou durante anos. Mas se algo foi demonstrado com tudo o que foi publicado sobre Weinstein e com as reações das redes sociais é que esses assuntos não são casos tão isolados como gostaríamos de acreditar, e que a sociedade não só ainda os permite como também os silencia. Em 2013, há apenas quatro anos, o ator Seth MacFarlane anunciou as indicadas ao Oscar de melhor atriz coadjuvantes com esta piada: “Parabéns, vocês cinco já não têm mais que fingir se sentirem atraídas por Harvey Weinstein”. Nem isso fez o alarme soar.
Mas não se trata apenas de Hollywood. Um estudo de 2010 do Ministério da Igualdade da Espanha sobre assédio sexual no trabalho e incluído em um relatório do Conselho Geral do Poder Judicial, destaca “como dado significativo o reduzido índice de denúncias registrado”. Não é algo positivo. Não atribui isso a que o problema seja inexistente, mas sim ao “sistema de crenças sexistas que ainda perdura na sociedade espanhola e que normaliza esse tipo de conduta”.
E prossegue: “As vítimas consideram tão normais certas condutas violentas que se contentam em aceitar que ‘fazem parte das regras do jogo’ entre os sexos”, explica o relatório. Assim pensavam – que era a forma como deviam pensar – muitas das atrizes que se encontraram com Weinstein, assim como muitos dos homens que viram e permitiram que os assédios ocorressem. Agora que o caso se tornou público, graças às reportagens do The New York Times e da The New Yorker, muitos se perguntam por que se calaram e o que poderiam ter feito.
O ciclo é semelhante ao que ocorreu com a violência de gênero quando ainda era considerada algo que correspondia ao âmbito privado e no qual ninguém deveria se meter. Se atualmente um homem que visse uma agressão física a uma mulher não duvidaria em agir, por que não ocorre o mesmo com o assédio sexual no trabalho?
Se você é um desses homens que não querem que o assunto seja marginalizado, eis aqui algumas dicas de como agir para ajudar.
Observar
Talvez o comentário em princípio tenha parecido para a colega uma simples brincadeira ou essa aproximação tenha sido vista como um mero gesto de carinho. Mas se você parar para pensar, talvez não seja algo tão normal. Olhe à sua volta e aprenda a observar. Sheela Raja, especialista em assédio sexual, conta à Esquire a importância de entender as reações da mulher, se devolve o sorriso, se parece incomodada, e explica que, apesar de “não ensinarem as mulheres a dissimular o incômodo”, há sinais indicativos que podem nos ajudar a ver que a situação não é do agrado delas.
“Se uma colega muda de forma brusca seus hábitos (não participa de reuniões sociais, refeições, já não toma café com os colegas, se ausenta de reuniões e viagens, etc.), pode ser um sintoma de que há alguma situação de relação interpessoal problemática, às vezes associada ao assédio”, explica a psicóloga Elisa Sánchez, que coordena o grupo de saúde profissional do Colégio Oficial de Psicólogos de Madri.
Integrantes da associação Stop Violência Sexual acrescentam que, devido ao fato de as mulheres questionarem que são as culpadas, é muito comum que mudem “sua forma de vestir, ficando mais cautelosas em sua maneira de se relacionar etc. É possível perceber uma sintomatologia ansiosa depressiva, evitando-se o trabalho e especialmente o encontro com o indivíduo, o que às vezes resulta em queda do rendimento profissional”.
Não se cale
É importante que o assediador veja “que sua conduta não é adequada nem compartilhada, que é uma conduta inaceitável, que é um tipo de violência de gênero. Algo que acontece com muita frequência, e que está em nossas mãos mudar, são por exemplo as correntes de piadas ou imagens recebidas por Whatsapp. É preciso fazê-las parar, dizer nos grupos ou para a pessoa que as envia que não tem graça, e que não mande novamente arquivos desse tipo, e sem dúvida não reenviá-las”, explica Antonio Herrera, professor de Psicologia Social da Universidade de Granada e autor de vários estudos sobre assédio sexual no trabalho.
Emtrain, uma empresa que oferece cursos de capacitação a empresas sobre assédio sexual, tem um sistema curioso para avaliar as condutas no âmbito profissional. Trata-se de um sistema de cores: o verde é o que cria um bom ambiente de trabalho, “o amarelo é quando não estamos dando o nosso melhor para trabalhar. O laranja é inadequado, são comportamentos que refletem parcialidade e assédio. O vermelho é ilegal”, explica à Esquire Janine Yancey, CEO da empresa que assessorou, entre outras, companhias como Netflix. Assim, afirmam, aprende-se a avaliar e deslegitimar os comportamentos negativos colocando o foco nas ações.
Fale com ela
Se você vir alguma dessas situações, com naturalidade pergunte à mulher se está se sentindo incomodada. Este simples fato a ajuda a ganhar confiança. Já não se trata de algo que só ela está percebendo: dá segurança e demonstra que ela não é a culpada. Apesar de que, como afirma a psicóloga Elisa Sánchez, “seja preciso ter muito cuidado com a forma como se pergunta, porque é frequente que a pessoa assediada negue em um primeiro momento por medo ou culpa”. Mas, apesar de dizer que não está acontecendo nada, se o assédio está acontecendo, o interesse demonstrado pode ajudá-la. “Em muitas ocasiões, só demonstrando apoio social, fazendo-lhe ver que não está sozinha e que pode ser acompanhada no processo, é suficiente para se sentir com forças para enfrentar e denunciar a situação”, afirma Herrera.
“É importante não dizer que não tem importância, que aguente, que logo passa… Esses comentários não só não pararão as condutas de assédio, como os aumentarão”, continua Herrera. Também não tome decisões sem contar com a opinião da mulher. Talvez no momento não se sinta forte o suficiente para denunciar. Nesse caso, Sánchez afirma que uma boa opção é “evitar que fique sozinha com o assediador, permanecer a seu lado em reuniões e conversas, em chamadas telefônicas etc.”. Assim, não só é possível evitar o assédio como também, se ocorrer, ser testemunha, o que ajudaria se a vítima decidisse denunciar.
Denuncie
Em um relatório do Instituto da Mulher conclui-se que de todas as opções possíveis, a resposta mais eficaz é “levar a queixa aos chefes”. Em quase 6 de cada 10 casos em que se tomou essa iniciativa o assédio desapareceu, afirma Sánchez, que continua: “Se na empresa há uma Comissão de Igualdade e/ou um protocolo de assédio, é preciso ativar”. Assim, seria o caso de uma denúncia de caráter trabalhista. Para que se produzisse uma de caráter penal é indispensável a participação da vítima.
É, sem dúvida, a parte mais difícil, pois exige envolver-se totalmente – afinal, é um problema que nos diz respeito a todos como sociedade.
Mas também é a que estabelece a diferença entre o assédio sexual no trabalho ser um “segredo calado” ou simplesmente deixar de ser.
Elena Horrillo