“Nós não contratamos”. Foi assim que o dono de uma loja de roupas no Brás, região de comércio popular de São Paulo, encerrou a entrevista de emprego com a maquiadora Thaa Rodrigues, há menos de dois meses. O motivo da reprovação foi a resposta à última pergunta do empregador: Rodrigues havia acabado de dizer que é mãe de duas crianças.
(BBC Brasil, 16/08/2017 – acesse no site de origem)
Um dia antes, a gerente do estabelecimento, com quem ela tivera uma primeira conversa, demonstrara interesse nos quase dez anos de experiência na área de varejo que a paulistana de 26 anos, moradora do bairro de Guaianases, trazia no currículo.
Nunca uma entrevista de emprego tinha acabado de forma tão abrupta, mas a situação não era exatamente nova. “Em geral, depois do ‘Quantos filhos você tem?’, eles perguntam ‘Mas você é pelo menos casada, não é?'”, diz Rodrigues, que não vive com o pai das crianças.
Esse tipo de constrangimento faz parte do dia a dia de quem tenta conciliar maternidade e trabalho fora e explica, em parte, porque o desemprego é estruturalmente mais alto entre as mulheres com filhos. Essa é a conclusão da economista e pesquisadora do Insper Regina Madalozzo, que conduziu um estudo com 700 moradores de 30 bairros da periferia de São Paulo com pelo menos um filho de até seis anos. Madalozzo constatou que a discriminação é quase tão determinante quanto a falta de creches para afastar as mães do mercado de trabalho.
No levantamento, feito em 2012 e publicado recentemente em revistas científicas, 38% das mulheres casadas que não trabalhavam disseram que gostariam de estar empregadas. Destas, praticamente metade se queixava de não ter com quem deixar os filhos e metade afirmava não conseguir encontrar emprego.
Já entre as mães que não moravam com o companheiro, a minoria, 43%, estava sem trabalhar porque preferia, enquanto 34% diziam não encontrar emprego e 23%, não ter acesso a escola ou creche. Os relatos de discriminação direta por parte dos potenciais empregadores foram predominantes em ambos os grupos entre as mulheres que disseram sentir dificuldade para encontrar uma vaga.
Na contramão, parte dos homens entrevistados disse perceber alterações positivas em suas relações de trabalho depois da chegada do primeiro filho. “De forma geral, eles afirmam que a paternidade os fez mais responsáveis e que os patrões perceberam e os recompensam por isso”, destaca Madalozzo.
A constatação, ela diz, é reforçada por uma série de estudos que mostram que a paternidade vem geralmente acompanhada por um prêmio salarial, enquanto a maternidade desacelera a trajetória de crescimento da remuneração das mulheres.
Madalozzo cita entre os exemplos nesse sentido o trabalho da chefe do departamento de sociologia da Universidade de Massachusetts, Michelle Budig, intitulado The fatherhood bonus and the motherhood penalty (“O bônus da paternidade e o fardo da maternidade”).
No caso da pesquisa brasileira, essa distinção de tratamento do mercado de trabalho refletiria em parte a dinâmica das famílias, em que as mães são as principais responsáveis pelas crianças e os pais “têm a possibilidade de escolher ‘ajudar’ suas mulheres com esta responsabilidade quando se sentem inclinados a isso”.
“O que nos chamou atenção é que a maioria dos homens tinha consciência do quanto as mulheres trabalhavam em casa. As pessoas já sabem, o que falta é mudar (a distribuição das tarefas)”, avalia a economista.
Do topo à base da pirâmide
A discriminação atinge mulheres de todas as classes sociais, diz a professora do Insper. Ela é mais dramática, contudo, entre as mães de baixa renda, que não têm a opção de contratar uma babá ou, como define a economista, de “terceirizar os cuidados e o trabalho doméstico ao setor privado”.
“As entrevistas de emprego são muito mais invasivas. Não se pergunta apenas se ela tem filho, mas como vai ‘se virar’ quando a criança ficar doente, quando alguma urgência aparecer”.
Rodrigues começou a trabalhar aos 15 anos, para ajudar nas despesas de casa. Foi vendedora, caixa, recepcionista e, desde que descobriu que queria trabalhar com beleza, já fez cursos de depilação, desenho de sobrancelhas e maquiagem.
Hoje ela concilia o trabalho de maquiadora, que faz sob demanda porque ainda “não paga todas as contas”, com o emprego em horário comercial em uma loja de iluminação na rua Santa Ifigênia, no centro de São Paulo – vaga que conquistou há pouco mais de um mês, depois de uma entrevista “bem mais tranquila” do que a da loja no Brás.
O trajeto de casa ao trabalho dura pouco mais de uma hora. Enquanto ela está fora, a filha de 9 anos e o filho de 5 estão na escola ou aos cuidados da família, que se reveza para ajudá-la. “Eu sei que muitas meninas não têm a mesma sorte que eu”, diz ela.
Rede informal de cuidados
A falta crônica de vagas em creches e pré-escolas torna praticamente imprescindível que exista uma rede apoio às mães para que elas tenham condições de trabalhar fora.
Entre as mulheres em idade ativa no Brasil, apenas 52% participam do mercado de trabalho, empregadas ou em busca de colocação, mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad), referente ao primeiro trimestre deste ano. O percentual é 20 pontos inferior à taxa de participação dos homens, 72%.
Na pesquisa do Insper, intitulada Como famílias de baixa renda em São Paulo conciliam trabalho e família?, 70% de todos os entrevistados, homens e mulheres, relataram receber ajuda de outras mulheres para cuidar dos filhos.
“As mulheres de alta renda contam com as de baixa renda e essas últimas, com as mães, avós, cunhadas, irmãs. É uma rede completamente feminina”, observa Madalozzo.
Com uma rede de apoio mais frágil e sentindo necessidade de estar próxima das crianças, a soteropolitana Luana Assis optou pelo trabalho informal, que tem um rotina mais flexível, quando seu terceiro filho nasceu, há poucos meses. “Minha mãe também é nova, precisa trabalhar e não pode cuidar dos meninos”, diz ela.
Hoje com 23 anos, a moradora do bairro Periperi, na região norte de Salvador, começou a trabalhar aos 17, como atendente de telemarketing. Cerca de um ano e meio atrás, ela abriu uma pequena lanchonete perto de casa, para tentar conciliar o trabalho com uma vida mais perto dos filhos.
Com o agravamento da crise, contudo, o movimento caiu e ela teve que fechar o negócio. “Vendi tudo e comecei a trabalhar como diarista”. Quando ela sai para o serviço, as crianças ficam com a prima, que mora perto.
Com o que ganha, ela sustenta as crianças e economiza para começar um curso técnico de enfermagem, seu plano de longo prazo para voltar a ter carteira assinada. Os sacrifícios de hoje ela define em uma frase: “É coisa pequena perto do que quero conquistar na vida”.
Camilla Vera Mota