Seminário, realizado pelo Cofen com apoio do Coren-SC, subsidia reflexões sobre o papel da Enfermagem
(Cofen, 18/10/2018 – acesse no site de origem)
Representando a Defensoria Pública da União, Charlene Borges destacou que “a criminalização tem sido pouco efetiva, inclusive em termos de indiciamento, servindo principalmente como barreira à assistência”.
A criminalização do aborto não tem contribuído para reduzir as ocorrências no Brasil e afeta diretamente a assistência e a mortalidade materna, na avaliação de especialistas ouvidas no Seminário “Descriminalização do Aborto, (In) equidades Raciais e Saúde Reprodutiva: uma discussão necessária no campo da Enfermagem”, realizado pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen) com apoio do Coren-SC. Aberto ao público, o evento reuniu conselheiros federais, presidentes dos Conselhos Regionais, Comissões de Saúde da Mulher e representantes de entidades profissionais e assistenciais, nesta quarta-feira (17/19), em Florianópolis.
O seminário busca subsidiar reflexões dos Conselhos de Enfermagem. “É um tema polêmico, mas não podemos nos furtar ao debate”, afirmou o presidente do Cofen, Manoel Neri. Para a presidente do Coren-SC, Helga Bresciani, “a indução de aborto é um problema de Saúde Coletiva e somos nós que estamos na ponta, recebendo essas mulheres. Nosso código de ética é claro: temos o dever de prestar assistência e manter o sigilo profissional”.
Uma em cada cinco mulheres brasileiras até os 40 anos já realizou pelo menos um aborto no Brasil, segundo dados da Pesquisa Nacional do Aborto, apresentada pela pesquisadora Gabriela Rondon, do Anis – Instituto de Bioética. “Como nesta pesquisa pudemos aplicar também questionário sócio-econômico, sabemos quem são essas mulheres. Elas têm a cara do Brasil. São mulheres religiosas — católicas, evangélicas –, a maioria delas mães. O aborto acontece em todas as fases da vida reprodutiva, sendo mais frequente na faixa etária de 20-24 anos”, explica Gabriela.
A pesquisa, de 2015, revela ainda que 503 mil brasileiras fizeram aborto no ano anterior. Cerca de metade das mulheres que fizeram aborto inseguro precisou de internação após o procedimento. “Se olhamos para a experiência de outros países, vemos que a criminalização não contribuiu para reduzir o número de aborto em nenhum lugar. Este dado pode inicialmente parecer contraintuitivo, mas reflete a impossibilidade de conhecimento e intervenções dos profissionais de Saúde na vida dessas mulheres”, afirma.
Legislação – A defensora Charlene Borges, representante da Defensoria Pública da União, apresentou o posicionamento institucional diante da a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADPF) 442, que questiona a criminalização do aborto. “Entendemos que os artigos 124 e 126 do Código Penal, que é da década de 1940, entram em choque com princípios constitucionais como a não-discriminação e o direito à vida”.
Charlene ressaltou que a criminalização do aborto não cumpre a função preventiva, de inibir a conduta, e potencializa desigualdades. “Os efeitos da criminalização atingem de forma mais graves mulheres negras, de baixa escolaridade e renda. São elas as mulheres que morrem em abortos inseguros”, afirmou. A taxa de mortalidade materna relacionada ao aborto é de 13,6 para mulheres negras, de 5,3 entre as brancas e 7,9 entre as pardas.
“Tratadas como criminosas, submetidas a curetagem dolorosas, esse é o atendimento que as mulheres em processo de abortamento recebem”, ressaltou a palestrante Alaerte Martins, enfermeira e doutora em Saúde Coletiva, lembrando que este tratamento desumano é estendido a mulheres em processo de aborto espontâneo, que são a maioria dos casos.
Debate – O vice-presidente do Coren BA, Anderson Santos, propôs que o debate se estenda a todos os 27 Conselhos Regionais, sob aplausos. A necessidade ampliação do debate retornou nas falas do presidente do Coren-AM, Sandro André, dos conselheiros Lauro César, Maria Luísa Almeida e Luciano da Silva, e da professora Maria Cristina Paganini, que trouxe reflexões sobre bioética. O tema integrará a programação do 21º Congresso Brasileiro dos Conselhos de Enfermagem.
“Para a Enfermagem Obstétrica não interessa se sou a favor ou contra o aborto. Encontraremos essas mulheres na assistência. O meu julgamento não vai salvar esses bebês, mas pode contribuir para a morte dessas mulheres”, avalia Larissa Rocha, da Abenfo-SC. Para Daiane Soares, da comissão de Saúde da Mulher do Coren-BA, “não cabe ao profissional de Enfermagem coagir ou denunciar pacientes”. “Não somos polícia”, reforçou a conselheira Zuleide Aguiar, do Coren-RJ. “Precisamos usar esta inquietação surgida aqui para pensarmos em políticas mais efetivas de assistência”.
Questionada sobre os dados de encarceramento relacionados ao aborto, a defensora pública Charlene Borges destacou que “a criminalização tem sido pouco efetiva, inclusive em termos de indiciamento, servindo principalmente como barreira à assistência”. “Em 2014, 33 mulheres foram indiciadas no Brasil por aborto. Todas eram negras e de baixa escolaridade”, afirmou.