Advogados transformam defesa dos homens em ataque a mulheres

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Foto: Mídia Ninja

12 de maio, 2025 AzMina Por Mariana Rosetti Maia

Nas redes sociais, advogados ensinam a revogar medidas protetivas, questionam leis de proteção e se anunciam como especialistas na ‘defesa de homens’

  • Tendência chamada de “advocacia para homens” ganha espaço nas redes, com perfis que questionam medidas protetivas e a aplicação da Lei Maria da Penha;
  • Especialistas alertam para estratégias jurídicas que podem desestimular denúncias e expor vítimas a novos ciclos de violência;
  • Práticas como divulgar decisões judiciais e prometer revogações são apontadas como possíveis violações éticas por entidades da advocacia.

“Especialista em revogação de medidas protetivas” é a frase que estampa a biografia do Instagram do advogado Julio Konkowski. Já Ináh Confolonieri se intitula “especialista na defesa de homens pais” e Mara Damasceno afirma que “não há justiça quando homens inocentes são silenciados”. Os advogados acumulam, juntos, mais de 161 mil seguidores e fazem parte de uma tendência em expansão: a “advocacia para homens”.

Eles defendem que “homens e mulheres não são iguais perante a lei“, em seus perfis, pois mulheres teriam “permissão social e legislativa para fazer falsas acusações e saírem impunes“. Afirmam que “a coisa mais fácil do mundo é conseguir uma medida protetiva” e ensinam estratégias para revogar as medidas “pelo cansaço”. Em tom de humor, dão conselhos como comprar “um cachorro bravo, de grande porte” para espantar a ex-mulher.

Esses profissionais chamam atenção pela quantidade de seguidores e repercussão, mas não são os únicos atuando nessa linha. Em maio, a reportagem analisou 24 vídeos publicados no TikTok, compostos pelos 12 primeiros resultados para os termos “advogado para homens” e “revogação de medida protetiva”. No primeiro caso, metade dos vídeos analisados trazem discursos que descredibilizam a palavra da mulher e sugerem que homens estão em risco.

Um advogado diz que, no divórcio, a mulher transfere o imóvel para o nome do filho “como fachada” para ser proprietária. Há ainda vídeos orientando que homens não fiquem sozinhos com mulheres nem as cumprimentem. Um dos profissionais resume: “a melhor defesa é o ataque judicial”. Apenas dois desses vídeos têm menos de mil curtidas, os mais “populares” registravam 18 mil, 23,1 mil e 62,7 mil curtidas.

Quando buscamos “revogação de medida protetiva”, a maioria dos conteúdos analisados tinha caráter informativo — com exceção de um vídeo em que o advogado celebra a revogação de uma medida protetiva repetindo na legenda cinco vezes: “falsas acusações”, duas vezes, a palavra “injusta”, e uma “denúncia falsa”. Neste grupo, nenhum vídeo ultrapassa 700 curtidas.

Números mostram aumento da violência contra as mulheres

No Brasil, 21,4 milhões de mulheres com 16 anos ou mais sofreram algum tipo de violência, ou agressão, em 2024. O número representa um aumento expressivo nos últimos anos. De 2017 a 2025, a taxa de mulheres vítimas de violência passou de 28,6% para 37,5%, segundo a pesquisa Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Mesmo sendo considerada uma das melhores leis do mundo por ativistas contra a violência doméstica, a Lei Maria da Penha (LMP) recebe críticas de advogados dos agressores em suas redes sociais. Eles justificam que estão oferecendo conteúdo jurídico e informativo. Muitos alimentam a ideia de que os homens estão sob ataque e reforçam a narrativa de que as leis — e as mulheres — são suas inimigas.

“Você pode fazer o que quiser, pode me processar, não vai acontecer nada comigo”. Carla*, de 34 anos, ouviu isso repetidas vezes do ex-companheiro. Durante oito anos, foi exatamente o que ocorreu: ele descumpriu medidas protetivas, fez ameaças de morte, perseguiu familiares e atacou profissionais da rede de apoio da vítima — sem nunca ser penalizado.

A violência começou durante a gravidez, se intensificou no pós-parto e, quando a filha do casal tinha apenas 17 dias, ele apontou uma faca para o pescoço de Carla*. A partir dali, ela decidiu romper o relacionamento. O que veio depois foram anos de perseguição judicial. “Eu precisava da Justiça para me proteger, mas o que aconteceu foi o contrário”, relata.

Medidas protetivas nem sempre param o agressor

As decisões judiciais chegavam por e-mail para Carla* e eram lidas no trabalho, desencadeando crises de ansiedade e pânico. “Eu tinha que parar o que estava fazendo, chorar, botar para fora, tentar respirar. Já precisei ir para a emergência”, relata. Ela acabou perdendo o emprego. Além de lidar com o impacto emocional e profissional, também carregou a culpa pela violência que atingiu as pessoas que ama — e a responsabilidade integral pelo cuidado da filha.

Carla* conseguiu medida protetiva, mas o assédio do seu agressor não se limitava a ela. “Ele percebeu que não podia mais me atacar diretamente, então passou a ir atrás de quem estava ao meu lado”, conta. Sua mãe, sua melhor amiga, a advogada e a terapeuta dela também sofreram ameaças do agressor, assim como as psicólogas da filha. Algumas delas recorreram à Justiça para conseguir medidas protetivas também.

O advogado Julio Konkowski não atuou no caso de Carla*, mas ele afirma que é especialista em revogar tais medidas e que “muitos homens são injustamente intimados de medidas protetivas”, em vídeo publicado em janeiro deste ano. Segundo ele, isso pode levar a quadros depressivos, paranoicos e de ansiedade, além de “acabar com a vida social, pessoal e trabalhista desse homem”. Embora repita a palavra “injusto” cinco vezes em menos de dois minutos, ele não apresenta nenhum dado ou pesquisa que comprove sua tese. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) confirmou para a reportagem de AzMina que não há levantamento sobre falsa comunicação de violência doméstica.

Acesse a reportagem no site de origem.

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