Brasil precisa encarar relação racial que a violência de gênero carrega, defendem militantes feministas

26 de novembro, 2024 Brasil de Fato Por Caroline Oliveira

Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres ocorre em meio ao aumento dos números de violência

Nesta segunda-feira (25), é celebrado o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Apesar de existir desde 1999, a data não representa avanços proporcionais na luta contra a violência de gênero, uma vez que os índices de agressões, feminicídios e outras formas de abuso permanecem alarmantes. Quando se trata de mulheres negras, a situação é ainda mais grave. “Não há como enfrentar a violência contra as mulheres se não enfrentamos a violência racial de forma conjunta e isso precisa estar nos processos de formação de quem está na ponta dos equipamentos e das gestões das políticas de acolhimento”, diz Luka Franca, da Marcha das Mulheres Negras (MMN).

Somente no ano passado, mais de um milhão de mulheres foram vítimas de algum tipo de violência, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). No total, 1.238.208 mulheres sofreram violências como homicídio e feminicídio, nas modalidades consumadas e tentadas, agressões em contexto de violência doméstica, ameaça, perseguição (stalking), violência psicológica e estupro. As mulheres negras representaram 61,1% das vítimas de feminicídio, enquanto as brancas corresponderam a 38,4% do total em 2022. No ano seguinte, a diferença aumentou: 63,6% das vítimas de feminicídio sendo negras e 35,8%, brancas.

Franca afirma que a discrepância dos dados quando comparadas mulheres negras e brancas “reflete o quanto a relação – gênero e raça é profunda no nosso país”. Em suas palavras, “por conta do histórico de racista e misógino do Brasil, a mulher negra sempre esteve em um lugar de objetificação e desumanização profunda e isso reflete quando olhamos atentamente os dados sobre feminicídios, estupro de vulnerável e afins”.

A militante defende que mesmo com uma “legislação avançada quando se fala de violência doméstica e de gênero”, como a Lei Maria da Penha e a legislação que instituiu o feminicídio, ainda é possível observar “uma forma de execução das políticas de enfrentamento à violência contra mulher se concentrar apenas na questão de gênero e não encarar a relação racial que esse tipo de violência carrega”.

Itamara Almeida, do Movimento de Mulheres Camponesas (MMC) e uma das autoras do livro Feminismo Camponês Popular: Reflexões a partir de experiências do Movimento de Mulheres, afirma que a violência contra a mulher é uma tônica histórica da sociedade brasileira, principalmente contra mulheres negras, a despeito do aumento dos mecanismos de denúncias.

“As mulheres negras estão nessas condições de maior vulnerabilidade com relação à violência por vários elementos que não estão necessariamente ligados somente ao fato de serem mulher, mas também ao fato de serem negras”, pondera Almeida.

Segundo a ativista, a realidade das mulheres negras no Brasil ainda é marcada por uma lógica herdada do período escravocrata. “As mulheres negras ainda têm os empregos mais subalternizados, ainda estão em condições mais precárias, ainda são as mulheres que não conseguem criar os seus filhos, mas que criam os filhos das suas patroas, e os seus filhos continuam nesse local, inclusive de carência das mulheres.”

“Esses dados todos nos demonstram uma estrutura social altamente racista e patriarcal, e o capitalismo se alimenta dessa lógica de subalternidade e de violação e exploração da classe trabalhadora como um todo, mas o agravante de ser mulher e de ser negra nessa sociedade eleva essas questões”, afirma a militante do MMC.

No entanto, a militante pondera que os crescentes números com relação à violência também podem estar ligados ao aumento das denúncias. “Estamos em um dos primeiros períodos em que as mulheres têm mecanismos de denúncia, o 180, as delegacias de mulheres que foram interiorizadas. Então, não necessariamente tem a ver com o aumento em si, mas talvez com a visibilidade que hoje é possível ter”, afirma a escritora e militante.

“Analisar esses dados é também olhar para esse local de que talvez a gente esteja lidando pela primeira vez com a possibilidade de denúncia e por isso que os números crescem”, afirma.

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