(Folha de S. Paulo, 04/09/2015) Na rua escura e vazia, uma mulher anda rápido, com medo da violência. Ao escutar passos, ela olha para trás e vê outra mulher –a sensação é de alívio. Agora, as duas seguem juntas seu trajeto.
Relatos como esse chegam diariamente a Babi Souza, 24, idealizadora do movimento Vamos Juntas?, que surgiu há um mês, em Porto Alegre, e está se espalhando por cidades de todo o país. No Facebook, o grupo já possui mais de 145 mil seguidoras.
A intenção é que mulheres desconhecidas se unam para inibir o assédio e a violência nas ruas das cidades.
Esta semana, o Rio Grande do Sul enfrenta nova greve de servidores, e homens da Brigada Militar (a PM gaúcha) estão ficando nos quartéis.
Babi, que é jornalista, diz que estudou colaborativismo e empreendedorismo social para “reclamar menos” e pensar em ações “para melhorar o mundo”.
Foi com essa motivação que ela teve uma “epifania”. Ao descer de um ônibus cheio de mulheres, em um ponto do centro da capital gaúcha conhecido pelos assaltos, observou que todas caminhavam depressa, mas dispersas.
Babi reviu muitas delas em outro ponto, onde costuma embarcar no ônibus de uma segunda linha. “Foi aí que pensei: por que não vamos juntas?”, conta.
O projeto cresceu e Babi conta com voluntárias para administrar a página. Stephanie Evaldt, 23, seleciona os depoimentos publicados e diz acreditar que o movimento pode despertar compaixão e empatia entre as mulheres.
“Escolhemos as histórias mais positivas, de meninas que ajudaram ou foram ajudadas”, diz a publicitária.
Uma delas é a de Jaqueline Simas Gois, de Navegantes (SC), que ajudou uma idosa ao perceber que um grupo de jovens a observava. “Por sorte tinha um capacete extra, então ofereci carona na moto. Fomos conversando até a casa dela, que era próxima à minha, e ela me deu um abraço”, conta Jaqueline.
Também foram abertos grupos on-line para cada região do país, nos quais é possível trocar experiências e combinar “caronas”.
No grupo do Sudeste, Letycia Marques da Rosa, 22, e Tamires Ribeiro, 26, descobriram que frequentam a mesma universidade, na zona sul da capital paulista. As duas vão se conhecer pessoalmente para tornar o trajeto de saída da aula mais seguro.
“Quanto mais unidas estivermos, mais seguras e mais fortes conseguiremos ser”, opina Letycia. “Meu olhar ficou mais atento depois que comecei a seguir o movimento. Esses dias estava com uma amiga num ônibus e um cara olhava pra ela de forma bem pervertida. Na hora tirei ela do lugar”, conta Tamires.
O movimento será reforçado com um projeto de financiamento parar viabilizar um aplicativo para celular. Com o programa, uma garota que se sente em risco poderá localizar outra participante nas redondezas e pedir ajuda.
Para tornar o mecanismo seguro, um formulário será preenchido, e os dados de outras redes sociais serão cruzados. As mulheres poderão ver se têm amigos em comum, por exemplo.
SEM RIVALIDADE
Apesar de nunca ter aderido ao rótulo de feminista, Babi diz que “desde sempre” esteve atenta às desigualdades entre homens e mulheres.
“Minha mãe me conta que quando eu tinha quatro anos estudava em uma escolinha chamada Garoto Sapeca. Eu era uma menina e queria entender por que a escola não poderia ser Garota Sapeca ou Garotos e Garotas Sapecas.”
Segundo Babi, o intuito da página não é colocar mulheres e homens uns contra os outros, mas sim aproximar as mulheres sempre “com amor e sem ódio”, especialmente “umas com as outras”.
Paula Sperb
Acesse o PDF: Campanha incentiva mulheres a andar em grupos para escapar da violência (Folha de S. Paulo, 04/09/2015)