Casa para atender mulheres agredidas é inaugurada com quatro anos de atraso

08 de novembro, 2019

Com cerca de quatro anos de atraso, a Casa da Mulher Brasileira de São Paulo —um local de apoio para mulheres que sofreram ou ainda estão em situação de violência— será inaugurada nesta segunda (11) no bairro do Cambuci, região central da cidade. Assim como em outras capitais, a demora para a abertura da unidade paulistana é resultado de um jogo de empurra-empurra em meio à troca de governos.

(Universa, 08/11/2019 – acesse no site de origem)

Universa visitou nesta terça (5) a casa paulistana, que parecia funcionar. Havia uma viatura policial no estacionamento, funcionários nos guichês de atendimento e sem sinais de obras. Uma funcionária confirmou que os serviços já estavam disponíveis para a população, mas não encontrou mulheres que ainda haviam sido atendidas. Autoridades da prefeitura e do governo federal devem comparecer ao local para a inauguração oficial do prédio.

O projeto da Casa da Mulher Brasileira foi criado no governo da então presidente Dilma Rousseff, em 2013, para construir espaços que reunissem num mesmo local assistência psicológica, jurídica e social a mulheres vítimas de violência. O decreto também prevê que as casas abriguem alojamento para mulheres, delegacias para registro de ocorrência e celas para suspeitos de cometer violência contra a mulher.

A iniciativa, recebida com entusiasmo pelos movimentos de defesa dos direitos das mulheres, no entanto, acabou se tornando uma pedra no sapato do governo federal. A promessa, em 2013, era a entrega de 27 unidades distribuídas pelas capitais do país e no Distrito Federal. Com a inauguração da casa paulistana, apenas seis estão em funcionamento (Campo Grande, Brasília, São Luiz, Fortaleza, Curitiba, Boa Vista e São Paulo). Em Brasília, o prédio precisou ser embargada por risco de desabamento.

Para acelerar o processo, alguns municípios se ofereceram para custear o serviço de atendimento, como na Casa da Mulher Brasileira de Campo Grande (MS), inaugurada em 2015 e considerada uma referência no País.

No caso específico de São Paulo, o atraso foi causado pela troca de governo federal e pela desistência de construtoras com alterações em contratos. Em 2013, o então prefeito Fernando Haddad (PT) havia prometido o início do funcionamento para 2014, depois 2015 e 2016.

Segundo uma fonte da gestão petista, a União demorou a fazer repasses após o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, e da consequente reestruturação ministerial promovida por Michel Temer (MDB) na ocasião. O ex-presidente extinguiu o ministério voltado às mulheres e reduziu a antiga pasta ao status de secretaria. Durante o processo, a construtora envolvida na construção paulistana desistiu do contrato. Em 2016, apenas 13,32% do orçamento para a construção das casas foi investido por Temer.

O imóvel foi parcialmente finalizado durante o governo de Michel Temer (MDB), no fim de 2016, embora a nova construtora responsável também tenha rompido com o contrato. Na tentativa de pressionar União e município pela abertura da casa, movimentos feministas organizaram uma “inauguração” não oficial em 2017.

“Dória também extinguiu pastas dedicadas somente a mulher, o que atrasou o diálogo e administração dos repasses”, diz Denise Mota, então Secretária Municipal de Políticas para as Mulheres na gestão Haddad. O agora governador paulista fundiu a então as secretaria Secretarias de Promoção da Igualdade Racial, Política para as Mulheres e Direitos Humanos à Assistência Social, que passará a ser chamada de Assistência Social e Cidadania em 2016. Hoje, a pasta se chama Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania na gestão Bruno Covas (PSDB).

Sem verba

Em 2018, o governo federal repassou R$ 1,5 milhão para o então prefeito de São Paulo João Doria concluir a obra. Doria chegou a receber as chaves do imóvel pelo governo federal e prometeu inaugurá-lo em junho de 2018. Apesar disso, a gestão afirmou que era preciso fazer uma nova manutenção: após dois anos pronta, mas sem uso, a parte interna da casa foi deteriorada, e a verba do governo federal não era suficiente, de acordo com a prefeitura.

No primeiro semestre deste ano, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, disse que a pasta não tinha mais como investir na casa.

“Manter a Casa da Mulher [Brasileira] pelo ministério é impossível”, respondeu a ministra às deputadas na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher na Câmara dos deputados, em abril. “A gente quer continuar o programa, talvez em um formato menor. A gente quer encontrar alternativa”, diz. “Temos que encontrar uma alternativa, mas o ministério não tem como custear”

A responsabilidade para dar continuidade ao projeto, então, ficou com o prefeito Bruno Covas (PSDB). A gestão abriu um edital para terminar as obras por meio de doações. Um braço social da construtora MRV Engenharia doou os serviços para finalizar a casa.

Para financiar a operação, a prefeitura abriu um edital de R$ 4 milhões e escolheu uma organização da sociedade civil para prestar serviços administrativos e psicológicos. Uma marca de cosméticos está gratuitamente capacitando funcionários para realizar o atendimento especializado às vítimas de violência doméstica, informa a prefeitura.

A Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania não informou o valor do investimento repassado pelo governo federal até hoje para a construção da casa. Em 2018, informou que o investimento federal na unidade de São Paulo estava na casa dos R$ 24 milhões. (Atualização: após publicação da reportagem, a prefeitura confirmou o valor investido).

Estado paulista tem alta de estupros

São Paulo vive uma alta no número de estupros e um aumento em casos de feminicídio. De acordo com o Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o número de feminicídios aumentou 12% entre 2017 e 2018 no estado. Em outubro, o governo registrou um aumento de 27% nos registros por estupro em comparação ao mesmo mês do ano passado.

O Mapa da Desigualdade Social 2019, publicado nesta terça-feira, 5, pela Rede Nossa São Paulo, feito a partir de dados de 2018, mostra que os feminicídios aumentaram 167% em toda a cidade, e as ocorrências de violência, 51%. Os distritos da Sé e Barra Funda concentram as maiores taxas de ocorrência nos dois indicadores.

A deputada estadual Beth Sahão (PT) afirma que há preocupação entre grupos de defesa dos direitos das mulheres de que uma das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAM) seja fechada e o serviço seja transferido para a Casa da Mulher. A parlamentar protocolou um requerimento pedindo à Secretaria de Segurança Pública de São Paulo para esclarecer como vai funcionar o atendimento policial no local.

“Os números mostram uma epidemia de estupro e feminicídio [no estado]. Fechar uma delegacia para transferir para a casa da mulher não é algo de que nós [da Frente Parlamentar em Defesa da Mulher da Assembleia Legislativa] gostamos”, diz a parlamentar.

Outro lado

A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo confirmou para Universa de que a 1ª delegacia da mulher do estado, hoje localizada na Sé, será transferida para a Casa da Mulher Brasileira, no Cambuci, a partir do dia 11. A 1ª DDM existe desde 2016 e continuará funcionando 24 horas por dia no mesmo endereço até a próxima semana.

Oposição

Além de deputadas estaduais, vereadoras da oposição convocaram uma audiência pública nesta quarta (6) para exigir mais transparência nos serviços que serão oferecidos pela casa. A vereadora do PT, Juliana Cardoso, convocou uma audiência pública na Câmara Municipal paulistana para questionar a prefeitura de como serão as oficinas lideradas pela empresa de cosméticos.

Segundo a prefeitura, a capacitação aplicada pelo Instituto AVON – Workshop de Acesso à Justiça, “faz parte de um programa de treinamento já aplicado pelo Instituto em diversos Estados brasileiros” e passou por “3 dias de imersão reunindo mais de 110 pessoas que vão atuar dentro da Casa da Mulher Brasileira de São Paulo. O Instituto Avon desenvolveu para este treinamento metodologias específicas totalmente voltadas para a Casa com dinâmicas pensadas no cotidiano de enfrentamento à violência, apresentando diversos estudos de caso, fazendo exercícios de troca de papéis, como, por exemplo: a equipe de triagem, fazendo o papel de delegada de polícia e vice-versa, dinâmicas de vivências da realidade e revisando conceitos importantes para esta temática, como gênero, racismo, combate à homofobia entre outros”, diz a nota.

Por Marcos Candido

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas