Caso Silvio Almeida: Anielle Franco não devia ter sido exposta pela mídia, por Bruna de Lara

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Foto: Mídia Ninja

06 de setembro, 2024 AzMina Por Bruna de Lara

Devemos respeitar a forma como a mulher deseja lidar com o assédio sofrido ou, ao contrário, atropelar sua vontade e jogá-la aos tubarões em nome de um suposto bem maior?

Qualquer pessoa que tenha se emocionado com o discurso de posse de Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos, certamente passou a última noite em estado de choque. O Metrópoles revelou que a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, disse a integrantes do governo ter sido física e verbalmente assediada por Silvio – e que o Me Too Brasil, organização de acolhimento a vítimas de violência sexual, recebeu denúncias de diversas mulheres contra ele.

A organização se recusou a confirmar ao portal se Anielle é uma das denunciantes, para respeitar o anonimato das mulheres. E a imprensa deveria ter feito o mesmo. Anielle vem sendo procurada para comentar o caso desde junho, mas não confirma, nem nega. Isso nos sugere que, se o assédio é real, ela não desejava que viesse a público.

Embora tenha falado do assunto com figuras como Janja da Silva, esposa do presidente Lula e socióloga – que postou uma foto nesta sexta-feira dando um beijo na testa da ministra –, Anielle não queria desgastar o governo com uma denúncia pública, segundo o jornal O Globo. Seja essa a razão ou não, sua escolha deveria ter sido respeitada.

A necessidade de um rosto 

Não sejamos ingênuas. Como jornalista que cobriu inúmeros casos de violência contra as mulheres, sei que dar um rosto às vítimas – especialmente um rosto conhecido – é uma forma certeira de dar mais peso às denúncias. É transformar o abstrato em concreto, aproximar o público da situação relatada, criar a possibilidade de empatia.

Tudo isso, por sua vez, aumenta as chances de uma reportagem desembocar em uma investigação oficial pelas autoridades competentes. Um passo imprescindível para que o agressor, caso as acusações se confirmem, seja responsabilizado. No caso concreto, o presidente Lula já acenou para a saída de Silvio do governo, mas voltarei a isso mais adiante.

Por enquanto, vamos nos ater a seguinte questão: se o rosto pertence a uma mulher que não deseja ter sua história de violência publicizada, pouco deveria importar se ela é uma desconhecida, uma celebridade ou uma figura política. A linha ética permanece a mesma. Devemos respeitar a forma como a mulher deseja lidar com o assédio sofrido ou, ao contrário, atropelar sua vontade e jogá-la aos tubarões em nome de um suposto bem maior?

O calvário da denúncia

Não é exagero. Sabemos o calvário que é fazer uma denúncia formal de assédio – um crime tão difícil de ser comprovado, por ser geralmente cometido longe dos olhos alheios. Denunciar ainda é aguentar muita passação de pano (“ah, não foi tudo isso” ou “ele é um pai de família, não merece perder tudo por um erro”); é ser vista com suspeita (“como pode ser verdade se ninguém viu?”); ser culpabilizada (“o que ela fez para ele achar que podia agir assim?”); e ainda correr o risco de ser denunciada por calúnia ou difamação (lembram do que aconteceu com a jornalista Amanda Audi?).

É um processo que ninguém deveria enfrentar sem estar psicologicamente preparada para isso. Especialmente quando denunciar um assediador significa ter que fazê-lo sob os olhos atentos e críticos de todo o país.

Sim, Anielle Franco é uma ministra de estado, assim como Silvio Almeida. Sim, existe inegável interesse público na história. Mas não são só as mulheres desconhecidas que devem ter seu direito ao anonimato preservado. O cargo de Anielle não muda o fato de que, caso o assédio tenha de fato ocorrido, ela é também uma mulher forçada a lidar com a dor de sofrer uma violência sexual no ambiente de trabalho.

Três a cada quatro brasileiras

É uma dor enfrentada por três a cada quatro brasileiras, segundo uma pesquisa de 2020 do Instituto Patrícia Galvão e da Locomotiva. E, assim como essa multidão de mulheres, Anielle pode estar lidando com emoções como medo, perda de autoconfiança, vergonha, culpa, insegurança e confusão – alguns dos sentimentos mais comuns relacionados a esse tipo de assédio, de acordo com um estudo conduzido pelo Think Eva e pelo LinkedIn.

Mais da metade das vítimas pensam “colocariam a culpa em mim”, e não seria surpreendente que isso passasse pela cabeça de uma mulher negra que, apesar de ocupar um cargo de poder, está sob intenso escrutínio desde o início do governo. Uma mulher que estaria lidando com um homem extremamente respeitado e admirado.

Silvio Almeida nega veementemente ter cometido qualquer assédio e, em seu pronunciamento em vídeo, reforçou clichês extremamente problemáticos para quem lidera o Ministério dos Direitos Humanos.

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