A Comissão Nacional da Mulher Advogada do Conselho Federal da OAB e a Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas – Comissão São Paulo vêm à público manifestar repúdio ao conteúdo veiculado pela revista Carta Capital intitulado “Mulheres que envergonham as mulheres” na data de 20 de novembro de 2019. A matéria traz um rol de mulheres em posição de poder e projeção (políticas, mulheres de carreiras jurídicas, atrizes etc.), que, no julgamento da revista, envergonham outras mulheres.
(OAB – 21/11/2019 – acesse no site de origem)
As alusões trazidas na matéria dizem respeito a questões pessoais das mulheres selecionadas pela revista e foram usadas em tom depreciativo, desqualificando-as. No lugar de discordar de seus posicionamentos, atitudes ou comportamentos, a revista, valeu-se de assuntos de foro íntimo/pessoais e de estereótipos de gênero.
– Alguns assuntos que são de foro íntimo ou pessoais e que não se relacionam com qualidades pessoais atribuídos às mulheres que foram objeto da matéria: relacionamentos amorosos, forma do corpo, sexualidade, trajes usados, estética, idade, parentesco.
– Algumas acusações que coincidem com os estereótipos de gênero feitas contra as mulheres objeto da matéria: bruxa, cobra, dona de bordel, mentirosa, ressentida, chatinha, carente sexualmente, estressada.
A discordância de posicionamentos ideológicos é salutar, mas a menção a características eminentemente pessoais e que não podem nunca desqualificar uma pessoa (homem ou mulher), bem como a utilização de estereótipos de gênero, como sendo “naturais” das mulheres, comprometem o conteúdo jornalístico, merecendo, a matéria, ser repudiada.
A Declaração de Pequim/Protocolo de Beijing, que decorreu da 4a Conferência Mundial da Mulher, em setembro de 1995, já explicitava, dentre seus objetivos estratégicos referentes à mídia, a necessidade de “suprimir a constante projeção de imagens negativas e degradantes da mulher nos meios de comunicação” Consta como uma de suas determinações: “adotar todas as medidas necessárias para eliminar todas as formas de discriminação contra mulheres e meninas, e remover todos os obstáculos à igualdade de gênero e aos avanços e fortalecimento das mulheres”.
Para se chegar à transformação da condição feminina, faz-se necessário afastar os estigmas, os preconceitos, as informações equivocadas e que “prendem” e até mesmo “aprisionam” as mulheres em papéis predeterminados. A matéria que ora se repudia, ao tempo que, em razão de seu conteúdo discriminatório e preconceituoso, desqualifica mulheres que estão em cargos de poder e projeção, contribui para reforçar uma ideia equivocada e, infelizmente, ainda circulante que sustenta a “natural” falta de aptidão das mulheres para o comando, para o destino das coisas privadas e públicas, para as decisões relevantes que envolvem o destino da nação (e da família). Um exemplo de como esse tipo de pensamento impacta negativa e diretamente a vida das mulheres pode ser traduzido por meio de investigações elaboradas recentemente: pesquisa realizada em 27 estados, no ano de 2017, mostra que, no Brasil, 19% dos homens acham que a mulher é inferior aos homens, contra 14% das mulheres. E, o que é pior, quase 40% das meninas brasileiras de 6 a 14 anos discordam que são tão inteligentes quanto os meninos e desistem de fazer atividades por conta desse sentimento.
Ainda que não se possa cobrar da mídia uma atuação comprometida com as demandas sociais (muito embora a sociedade venha cada vez mais fazendo tal apelo), pode-se exigir que suas matérias sejam pautadas pela ética e pelo respeito à pessoa humana, e que não reproduza discriminações, preconceitos e misoginia.
Brasília, 21 de novembro de 2019.
Comissão Nacional da Mulher Advogada – CNMA
Diretoria
Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas – Comissão São Paulo
ABMCJ/SP
Diretoria