Como a sede da Copa América discute machismo e violência contra mulheres

25 de junho, 2019

(UOL Esporte, 25/06/2019 – acesse do site de origem)

Na estreia da seleção brasileira na Copa América, torcedores gritaram “bicha” quando o goleiro boliviano Carlos Lampe ia cobrar tiros de meta. As reações homofóbicas não são novidade, e a própria CBF já desembolsou quase R$ 500 mil em multas impostas pela Fifa por conta do gesto.

É a mesma CBF que iniciou os preparativos para a Copa América lidando com acusação de estupro contra Neymar, principal estrela da seleção. Justamente em meio a situações que colocam temas como estes em debate que uma das cidades que sedia a competição no Brasil escancarou a discussão.

Salvador, que recebeu quatro jogos da primeira fase da Copa América e ainda aguarda mais um pelas quartas de final, tem promovido duas campanhas nas últimas semanas: a primeira, patrocinada pelo Governo da Bahia, é de combate à cultura machista e à masculinidade tóxica, que é uma ideia construída socialmente de que agressividade e força são qualidades do homem. A outra campanha é a marca das festas de São João em Salvador, que é “Respeita as Mina”, para enfrentamento da violência contra as mulheres.

A campanha a respeito de masculinidade tóxica conta com outdoores espalhados pela cidade, além de mídia eletrônica e digital. Quem circula por Salvador é bombardeado pelas informações, inclusive na TV, em que um comercial aborda o ciclo da violência doméstica: “Antes do tiro, o tapa. Antes do tapa, o grito. Antes do grito, o controle. Antes do controle, o machismo. Antes do machismo, a masculinidade tóxica.”.

O conceito é reconhecido pela Associação Americana de Psicologia e não abrange apenas os males às mulheres, mas também aos homens que se percebem fora do padrão de masculinidade estabelecido socialmente como ideal e que, por isso, sofrem. É o que eterniza expressões como “homem não chora”, “homem de verdade não leva desaforo para casa”, e que faz o grito de “bicha”, uma construção social que define o homem homossexual, ser considerado como ofensa, como ocorre nos estádios de futebol do Brasil.

Tal conduta passou a ser comum nos estádios brasileiros após a Copa do Mundo de 2014. Os torcedores mexicanos provocavam goleiros adversários gritando “puto”, que significa “bicha” em espanhol. Os brasileiros abraçaram a ideia e passaram a repetir em muitos lugares. Ao longo das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018, por exemplo, a CBF teve que desembolsar 123 mil francos suíços (cerca de R$ 450 mil) por gritos homofóbicos durante cinco jogos da seleção brasileira como mandante. Campanhas já foram feitas pela CBF e pela Fifa, mas há quem defenda que os gritos não são atos de preconceito, e sim manifestação da cultura de arquibancada.

De acordo com apuração do UOL Esporte, o cerco se fechará no futebol brasileiro. O STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) começou a enviar ofícios e comunicados aos clubes, federações e árbitros do país informando que haverá mudanças, com punições aos times cujas torcidas se manifestarem de maneira homofóbica nos estádios, multa e até perda de pontos ou eliminação em competições mata-mata. A ideia é obedecer à decisão da criminalização da homofobia estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal. (STF).

Assim, os clubes terão algum tempo para se adaptar e conscientizar seus torcedores, mas depois a orientação será para os árbitros escreverem na súmula a ocorrência de manifestações homofóbicas. A Procuradoria também fará denúncias que irão a julgamento no STJD segundo o artigo 243-G do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (“Praticar ato discriminatório, desdenhoso ou ultrajante, relacionado a preconceito em razão de origem étnica, raça, sexo, cor, idade, condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”).

Violência contra a mulher no centro do debate

O tema das festas de São João da Bahia foi uma campanha de sensibilização sobre a violência contra a mulher chamada “Respeita as Mina”, com mote semelhante ao que rolou no Carnaval. Houve cartazes e faixas distribuídos pela capital baiana e cidades movimentadas no interior, além de distribuição de adesivos e reforço a lemas da campanha, como “Forró tem que ser agarradinho. Mas só se ela deixar” ou “Conversar pode, puxar o braço não pode. Perguntar o nome pode, passar a mão não pode. Ser gentil pode, puxar o cabelo não pode”.

“Não é possível mais que as mulheres, por estarem numa festa, as pessoas considerem que o corpo dela é público. O local é público, o corpo dela não”, explica Julieta Palmeira, secretária de Políticas para Mulheres da Bahia. Um dos temas em discussão, inclusive em unidades móveis da campanha com psicólogas, é um assunto que tem sido muito falado no Brasil nas últimas semanas, que são as formas de violência sexual e a separação do que pode ou não ser considerado estupro.

Um dos ganchos para abordagens sobre o tema foi justamente a acusação de estupro que pesa sobre Neymar, atacante do PSG e da seleção brasileira. De acordo com a modelo Najila Trindade, que o acusa, Neymar teria cometido violência sexual contra ela, e isso não tem relação direta com seu envolvimento prévio, viagem com objetivo de manter relações sexuais ou criação de clima propício para a prática.

Houve avanços recentes na área de debate público e também legislativa, com aplicação de leis como do Feminicídio e Maria da Penha, mas ações de sensibilização têm seu espaço para promover mudanças de comportamento e evitar que estatísticas negativas continuem aumentando, como os 23 feminicídios registrados na Bahia no primeiro quadrimestre de 2019, contra 17 no mesmo período do ano passado.

Gabriel Carneiro

Nossas Pesquisas de Opinião

Nossas Pesquisas de opinião

Ver todas
Veja mais pesquisas