Defesa de Silvio Almeida reforça estereótipos nocivos sobre assédio sexual

09 de setembro, 2024 Marie Claire Por Bruna de Lara

Argumento de que assédio sexual poderia não ter acontecido já que Anielle Franco seguiu tratando bem o ex-ministro dos Direitos Humanos é um erro e descredibiliza ainda mais vítimas desse tipo de abuso; Silvio Almeida nega as acusações

Silvio Almeida chegou à sua reunião com o presidente Luís Inácio Lula da Silva na última sexta-feira (6) determinado a provar sua inocência. Acusado de assediar a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, o então ministro dos Direitos Humanos reuniu mensagens trocadas entre eles para corroborar sua versão, segundo O Globo. O que elas mostravam, de acordo com ele? Que a ministra o tratava bem e, portanto, não pode ter havido assédio.

O argumento de Almeida, que é acusado de assédio por várias mulheres e acabou demitido, não poderia ser mais furado. Ele reforça uma mentira bem difundida sobre as mulheres que sofrem violência sexual: que o normal é elas cortarem contato ou hostilizarem seus agressores. A realidade, porém, é bastante diferente.

Pensemos numa vítima de assédio sexual no trabalho. Ela pode denunciar o assediador, mas essa não é uma escolha fácil. Para além dos sentimentos conturbados que um abuso provoca, como insegurança e culpa, há questões práticas.

Denunciar é expor sua intimidade a pessoas que podem ser pouco empáticas, duvidar de sua palavra ou culpá-la pela violência. Se mal recebido, o relato pode colocar em risco a permanência da mulher em seu cargo. Essas preocupações ajudam a explicar porque praticamente nove a cada 10 mulheres preferem evitar a denúncia.

A enorme maioria das mulheres assediadas vai se defrontar com a decisão de permanecer ou não no emprego – o que, para as mais vulneráveis, nem chega a ser questão de escolha. Mesmo para quem pode optar, é preciso enfrentar possíveis prejuízos à sua carreira e ao seu estilo de vida, além do baque emocional de sofrer uma segunda injustiça (abrir mão de algo importante para si por conta do agressor).

A vítima que segue no emprego precisa, contudo, conviver com o colega ou chefe que a assediou ou, até mesmo, trabalhar diretamente com ele. Não é possível cortar contato nesse contexto, nem se esquivar da cordialidade na comunicação com o agressor. Como deixar de tratá-lo bem, se você não tem como se justificar aos demais colegas e superiores caso o trate mal?

Para além das questões práticas, existem as psicológicas. A psiquiatra Judith Herman, referência nos estudos de traumas envolvendo violência doméstica e sexual, já havia detectado em 1992 que mulheres vitimadas por conhecidos tendem a tratar seus agressores normalmente após a violência.

Isso porque, como ela explica em seu livro Trauma and recovery [Trauma e recuperação], aceitar que uma pessoa em quem você confiava pôde fazer algo tão terrível é psiquicamente devastador. Como mecanismo de defesa, então, muitas mulheres acabam estreitando seus laços com o agressor, em vez de afastá-lo, para reforçar seu estado de negação.

Herman não aborda o assédio no trabalho, mas, como vítimas de uma forma de violência sexual cometida por conhecidos, essas mulheres enfrentam questões similares – especialmente quando o assédio é físico.

É preciso ignorar todas essas dinâmicas para que o argumento de Silvio Almeida tenha validade. Seja ele culpado ou inocente, é assustador que o homem que esteve à frente do Ministério dos Direitos Humanos demonstre saber tão pouco sobre assédio sexual no trabalho, uma forma de violência que atinge 76% das brasileiras.

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