Dois dias antes do Natal, a blogueira feminista Lola Aronovich via chegar em sua caixa de entrada de e-mail mais uma mensagem com ameaças. Outra entre tantas recebidas há cerca de seis anos. Desta vez o ataque também era endereçado ao reitor da Universidade Federal do Ceará, onde ela é professora. Ou Lola era demitida ou haveria um massacre, com 300 pessoas mortas. “Diziam ou despede o ‘demônio imundo’ ou vão passar um mês recolhendo corpos e cadáveres”, relata Lola.
(Brasil 247, 06/01/2017 – Acesse o site de origem)
Segundo Lola Aronovich, o autor da chacina que matou Isamara Filier, seu filho e mais dez familiares era um “mascu”, como os que a ameaçam há seis anos. Era a mesma linguagem e discurso de ódio, diz reportagem da revista Fórum
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A blogueira é alvo de um grupo especializado em disseminar o ódio na internet. Estupro, desmembramento, morte. As ameaças vêm de toda parte tanto para ela, como para seu marido e mãe. Elas chegam pelos comentários de seu blog Lola escreva Lola, via e-mail e, desde novembro todos os dias pelo número do telefone de sua casa. E o mais grave, seu endereço e dados pessoais já foram divulgados por esses grupos diversas vezes, com a promessa de recompensa para quem a matasse.
“Eles odeiam mulheres e passam o dia escolhendo alvos. Feministas são os alvos preferenciais. E sempre me atacaram, ainda mais por eu desmoralizá-los”, conta Lola. Foi a blogueira que cunhou o termo “mascu” para esses perfis que se escondem no anonimato da rede para atacar mulheres. Segundo explica Lola, o termo mascu é uma abreviação para “masculinista”. “São misóginos e de extrema direita. Nunca vi um mascu de esquerda, em geral são eleitores do Bolsonaro”, observa.
“De um lado eles são quase uma caricatura, são o extremo. Muitas vezes as pessoas deixam passar o machismo do dia a dia, mas quando se defrontam com um mascu e aquele nível de ódio, ficam preocupadas.” Esses mascus destilam seu ódio, em geral, em comentários de sites, blogs e redes sociais, e se reúnem em fóruns que preservam o anonimato, os “chans”. “Eles se valem do anonimato, são o que a gente chama de rambos do teclado. Os valentões da internet que usam uma certa máscara social. São pessoas extremamente perturbadas e cheias de ódio. Pessoas muitas vezes introvertidas, que não trabalham e não estudam. Ironicamente muitos são sustentados pelas mães, mas são misóginos e chamam todas as mulheres de vadias”, destaca Lola.
A carta do autor da chacina que matou a ex-mulher Isamara Filier, o filho e mais dez familiares em Campinas (SP), na noite de réveillon, revela que Sidnei Ramis de Araújo era um mascu. “É um comentário que a gente vê com muita frequência em portais de notícias, em fóruns misóginos. É o mesmo tipo de vocabulário. É o mesmo discurso de ódio”, observa a blogueira. No texto, o autor chama as mulheres de vadias, diz que iria se vingar da mãe de seu filho, com quem disputava a guarda na justiça. “A forma como ele chamou ‘lei vadia da penha’ é muito peculiar a um tipo de pessoa. É um nível de ódio de um grupo determinado que são os mascus.”
Ameaças com quem troca mensagem com Lola
Lola já conhece bem os mascus. Apesar das ameaças constantes, ela segue a vida: “É difícil. São seis anos de ameaças, mas você até se acostuma. Só posso dizer, que nestes seis anos dei mais de 200 palestras e, apesar disso tudo, sou sempre tratada com respeito, nunca tive nenhum tipo de xingamento.” Mas recentemente leitoras e pessoas que trocaram mensagens no Twitter com Lola passaram a ser alvo de ameaças e ações que visam desmoralizar a mulher, chamadas de doxxing.
A reportagem entrou em contato com duas vítimas, que preferem não se identificar, cansados dos constrangimentos que já passaram. A primeira delas é uma professora que trocou mensagens via Twitter com Lola. “Fizeram montagens com fotos pornôs e o rosto dela e mandaram para a faculdade onde ela trabalha. Imagina a humilhação que é seus colegas professores verem essas montagens. Ameaçaram explodir a universidade se ela não fosse demitida.”
Outro professor também foi vítima do grupo por ter interagido com Lola no Twitter. “A primeira ameaça aconteceu por email em 21/11/2016. Depois enviaram vários outros emails. Pararam nos últimos dias.Tudo começou quando mandei um tweet para a Lola dizendo que ia comprar o livro dela. Só isso”, relata A.N. “Chegaram a pedir dinheiro, mas o que me chocou mais e o que mais aconteceu foram ameaças de estuprar minha esposa e minha filha. Chegaram também a ameaçar a minha instituição, mas isso foi no chan (que eu não acesso). Uma pessoa me mandou um print.”
O professor crê que só uma boa investigação da polícia poderia chegar nessas pessoas. “Acredito que por eles conhecerem o uso da deep web, sabem fazer ameaças e permanecer anônimos. Somente uma boa investigação, que exige muita dedicação da polícia, chegará até eles.”
De acordo com o artigo 286 do Código Penal é crime “incitar, publicamente, a prática de crime”. A pena prevista é de três a seis meses de detenção. Mas Lola diz já estar desiludida. “Minha desilusão é muito grande. Já depus na Polícia Federal algumas vezes, já falei com a mesma delegada em 2015, quando criaram um site com o meu nome dizendo que eu era abortista. Nada aconteceu.”
Agora, por conta da mensagem que chegou à reitoria da Universidade Federal do Ceará, iniciou-se uma investigação do caso pela PF e Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que entenderam o caso como terrorismo.
Site falso
Em novembro de 2015, foi criado um site de ódio (que prega o aborto e infanticídio de meninos, por exemplo) com o nome de Lola. Ela denuncia que Marcelo Mello seria o autor da ação. Ele e Emerson Rodrigues foram presos em março de 2012, na Operação Intolerância. Eles mantinham uma página na internet onde divulgavam textos contra nordestinos, negros, judeus, mulheres e homossexuais.
Segundo Lola, desde que foram soltos em 2013 eles continuam fazendo o que faziam antes em fóruns anônimos: “ameaçar e atacar desafetos e tentar convencer homens tão problemáticos quanto ele a cometerem um atentado e matar o máximo possível de “‘vadias e esquerdistas’”.
O site falso chegou a ser divulgado por conhecidas figuras da extrema direita, como Olavo de Carvalho e Roger. “Eles sabiam que não era meu, mas divulgaram mesmo assim. Trabalham junto pela mesma ideologia, a ideologia de ódio.” Lola ainda considera que humoristas, como Danilo Gentili “que fazem piadinhas com feministas, com massacres, que perseguem feministas através de ‘humor’, são cúmplices”.
Jornalistas ameaçados
Reportagem do programa Profissão Repórter, exibido em dezembro de 2015, tratou sobre as ameaças que Lola vinha sofrendo. Após o programa, o repórter Guilherme Belarmino, que entrevistou Mello, sofreu ataques racistas e ameaças de morte pela internet. “Eu jamais daria uma banana para @guibelar, eu não sou racista, eu daria é muito porrada mesmo”, ameaçou Mello via rede social.
Já a jornalista Joice Hasselman, ex-Veja, fez um vídeo dizendo que estavam ameaçando a ela e a sua família. Ela tentou colocar as ameaças na conta do PT e da esquerda, mas Lola, que conhece bem, apontou que no chan de Marcelo Mello já haviam anunciado quem seria a próxima vítima de uma ação de doxxing: Joice.