(Correio Braziliense, 27/04/2015) A presidente Dilma Rousseff sancionou no dia 9 de março a Lei do feminicídio – uma importante vitória da causa feminina. Isso porque a recém-aprovada lei inclui a morte da Mulher por um homem (geralmente parceiros ou ex-parceiros), em um contexto de conflito de gênero, no rol dos crimes hediondos e como qualificadora do homicídio.
Desde a tramitação do projeto que deu origem à nova lei, levantam-se questionamentos a respeito da necessidade de tal previsão, bem como de sua eficácia. Homicídios motivados pelo gênero da vítima não seriam sempre torpes e, portanto, qualificados e hediondos? Qual a função de mais uma previsão?
Conquanto tais questionamentos sejam válidos, deve-se considerar que o feminicídio é um fenômeno fruto de um machismo inerente, explícito ou implícito, que existe na cultura brasileira, como pode ser visualizado em dados como o do “Relatório Lilás” , no qual vemoa que mais da metade dos feminicídios ocorrem motivadas pelo divórcio/separação – ou seja, por uma incapacidade do autor do crime de conceber a vontade da Mulher como autônoma e de respeitar sua decisão de separação.
É importante, ainda, verificar que o projeto teve por pano de fundo o fato de que, no Brasil, no período de 2001 a 2011, estima-se que ocorreram mais de 50 mil feminicídios, o que equivale a, aproximadamente, 5 mil mortes por ano . Houve, ainda, estudo do IPEA que revelou concordância de 82% dos entrevistados com a afirmação de que “em briga de marido e Mulher não se mete a colher”. Informação alarmante, levando-se em consideração o dado acima apontado, de que mais da metade dos femicídios é cometido pelo parceiro ou ex-parceiro da Mulher, bem como pela predominância da violência no ambiente doméstico.
Se a realidade do problema é indiscutível, existe mérito da lei como solução? A resposta parece ser positiva, ainda que não deva ser vista como uma tábua de salvação para a questão da violência de gênero no Brasil.
Essa nova previsão pode cumprir alguns papéis importantes, posto que sua mera existência forçará o julgador/jurado a pensar sobre o tema durante a análise do delito, a considerar a hipótese, ou seja, fato que poderia passar desapercebido passa a ser objeto de foco específico.
De forma não menos importante, a previsão auxilia na formação da estatística criminal, o que é a base para pesquisas que visam à criação de políticas públicas e análises criminológicas.
Finalmente, a lei serve a um caráter simbólico e pedagógico, faces dos princípios de prevenção geral positiva e negativa, que não podem ser esquecidos, já que inerentes ao Direito Penal. A existência da norma não inibe todos os crimes, mas passa importante mensagem à sociedade de não aceitação de determinada conduta.
Se tais funções serão alcançadas, só o tempo dirá. O momento presente é de comemoração – sem, contudo, cessarem as lutas diárias contra a violência sistêmica a que a Mulher é submetida.
Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. Relatório Lilás – 2012-2013. Porto Alegre: Assembleia Legislativa:2013. P.28.
Cf.: GARCIA, Leila Posenato [Et. alii]. “violência contra a Mulher: feminicidios no Brasil”. Brasil: IPEA, 2013. P. 1.
Sistema de Indicadores de Percepção Social. Tolerância social à violência contra as mulheres. Brasil: IPEA, 2014. Disponível Alice Castanheira.
Maria Luiza Gorga é mestranda em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e advogada criminal do escritório Costa, Coelho Araújo e Zaclis Advogados