Mesmo sem os dados de junho, o primeiro semestre deste ano já registra o maior número de feminicídios da história na capital paulista, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública. Ao menos um em cada cinco casos são presenciados por familiares da vítima, em especial, pelos filhos.
A capital paulista registrou 29 casos de feminicídio entre janeiro e maio deste ano. Mesmo sem os dados de junho, que ainda não foram divulgados pela Secretaria de Segurança Pública (SSP), este já é o maior número para um primeiro semestre desde que a série histórica teve início.
Esse tipo de crime passou a ser contabilizado em abril de 2015, um mês após a publicação da Lei do Feminicídio. A lei federal considera feminicídio quando o assassinato envolve violência doméstica e familiar, e menosprezo ou discriminação à condição de mulher da vítima. Por se tratar de um homicídio qualificado, a pena do condenado varia de 12 a 30 anos de prisão.
Em 2024, o estado de São Paulo também registrou recorde para um ano, com 250 casos, segundo os dados da secretaria.
A alta, registrada em diversos estados do país, é explicada por dois principais fatores, segundo a coordenadora do Laboratório de Estudos e Feminicídios (Lesfem), Silvana Mariano. O primeiro deles é uma forte disseminação dos valores de misoginia.
“São formas de expressão de ódio, de menosprezo, que vem se somando a um histórico de discriminação e preconceito.”
— Silvana Mariano, que também é professora de Ciências Sociais na Universidade Estadual de Londrina, no Paraná
O outro fator é que, nos últimos anos, com a ampliação de discussões sobre o feminicídio, esse tipo de crime cada vez mais é registrado pelas autoridades de segurança pública da maneira correta.
Apesar do aumento, São Paulo ainda apresenta uma das menores taxas de feminicídio quando comparado a outros estados do Brasil. No ano passado, a média registrada foi de 1,8 caso a cada 100 mil mulheres, entre feminicídios consumados e tentados.
O dado é do Monitor de Feminicídios no Brasil (MFB), elaborado pelo Lesfem a partir de um levantamento de dados independente feito a partir de notícias e da aplicação de diretrizes nacionais para investigar, processar e julgar casos com perspectiva de gênero.
Segundo os dados do monitor, foram 329 casos de feminicídio em 2024 no estado de São Paulo — número mais alto que os 250 casos registrados pela SSP no mesmo período.
Além dos crimes consumados, o monitor também contabilizou 322 tentativas de feminicídio no ano passado. Ou seja, somando crimes consumados e tentados, o estado totalizou 651 casos em 2024.
Características do crime
O feminicídio é um crime que ocorre, na maior parte das vezes, no ambiente doméstico, uma vez que o agressor costuma ser o companheiro ou ex-companheiro da vítima. Esse aspecto também faz com que domingos e feriados sejam os dias de maior registro de violência contra a mulher.
“Como é um crime que acontece predominantemente com pessoas do nosso vínculo, em dias fora do trabalho, nós estamos nesse maior contato”, explica a coordenadora do Lesfem.
Essas características ajudam a entender o dado levantado pelo Monitor Feminicídios, que aponta que, no ano passado, em, ao menos um a cada cinco casos de feminicídio, os ascendentes ou descendentes da vítima estavam presentes na cena do crime. Na maior parte dos casos, os filhos — muitas vezes crianças ou adolescentes.
“Acontece ali um tipo de violência muitas vezes proposital da parte do autor: atacar a mulher, por exemplo, na presença dos seus filhos. É porque intencionalmente ele sabe que isso produzirá um sofrimento maior. O feminicídio é um tipo de crime muito particular, e uma das particularidades é a crueldade e o espetáculo daquele crime”, diz Mariano.