Declaração reacende debate sobre impacto da publicação desses casos. Entre janeiro e novembro deste ano, capital registrou 31 casos; é maior número desde 2015.
(G1, 24/11/2019 – acesse no site de origem)
Uma declaração feita pelo governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), na última semana, reacendeu um debate sobre a divulgação de casos de feminicídio. Na quarta-feira (20), Ibaneis disse acreditar que esses crimes deveriam ser tratados pela imprensa da mesma forma que os suicídios.
“Assim como no caso de suicídio, eu entendo que no feminicídio, não deveria ter divulgação. Estou estudando ainda e elaborando pesquisas”, afirmou.
Segundo o governador, a divulgação desses casos pode incentivar novos crimes, já que, para ele, o feminicídio é um crime de ódio praticado em um momento de grande emoção. “Temos que estudar tudo isso, é uma modalidade nova que está surpreendendo toda a sociedade”, apontou.
A declaração de Ibaneis ocorre em meio a uma alta no número de feminicídios registrados no Distrito Federal. Só neste ano, já foram 31 casos na capital deferal (veja lista no fim da reportagem).
Mesmo antes do fim de 2019, este já é o maior número de crimes do tipo no DF desde que o feminicídio foi tipificado, em 2015. Entre 5 janeiro e 22 de novembro, foram contabilizados três casos a mais que em todo o ano passado, que até então era tido como o ano mais violento em relação aos crimes de gênero.
Opiniões de especialistas
Para entender se existem indícios de que a divulgação dos casos de feminicídio incentiva a ocorrência de novos crimes, o G1 ouviu especialistas no tema.
Segundo a doutora em psicologia pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em saúde mental e gênero Valeska Zanello, a fala do governador Ibaneis Rocha pode estar relacionada ao que ela classifica como “contágio do feminicídio”.
Esse fenômeno inclui o homem que possui algum desejo violento contra a mulher, mas não comete o crime. O receio é de que a divulgação dos casos o incentive a praticar aquilo que está na mente.
“Não divulgar pode ser uma boa ideia, mas é importante fazer campanhas sobre violência contra a mulher e alertar para os cuidados necessários para que elas fiquem atentas, alertas, quando acontecerem certo sinais.”
Valeska diz que simplesmente ignorar esses casos pode acabar invisibilizando a luta pelo combate à violência contra as mulheres. Portanto, é necessário manter o tema em discussão por meio de ações de divulgação conscientes.
“Desde que isso não leve a uma invisibilização, porque seria um retrocesso. São duas coisas distintas que precisam ser separadas.”
‘O problema não é divulgar e sim como’
Para a professora de sociologia da Universidade de Brasília (UnB) Lourdes Maria Bandeira, a divulgação de casos de feminicídio é importante para que a sociedade conheça a violência sofrida pelas mulheres.
“O problema não é divulgar e sim como divulgar. O risco da não divulgação é a desinformação.”
Ela explica que, no entanto, é fundamental que a notícia seja colocada para que haja uma atitude efetiva no combate a esse crime. “A divulgação é uma forma de pressionar a autoridade”. afirma.
A pesquisadora, que é doutora em antropologia e membro do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre a Mulher, participou da elaboração da Lei do Feminicídio e realiza um estudo que avalia mais de 2 mil notícias sobre mortes de mulheres, de 2015 a 2018, em todo Brasil.
Segundo Lourdes Maria, a divulgação deve ser cautelosa, mas é importante que ela exista. Também é essencial ressaltar “o que está acontecendo por trás das mortes dessas mulheres”.
“A informação não pode ficar camuflada. Temos que saber quantas mulheres foram mortas. O que não pode acontecer é difamar, desrespeitar, desonrar a mulher. Além disso, não pode inflar o discurso de discriminação contra a mulher nessas divulgações.”
Ao comentar a questão, o governador Ibaneis Rocha comparou os casos de feminicídio aos de suicídio. A Organização Mundial da Saúde (OMS) não desestimula a publicação dos casos – apenas recomenda cuidados no tratamento dessas ocorrências.
Em 2002, a OMS publicou o documento “Prevenção do suicídio: um manual para profissionais da mídia”. O guia traz orientações sobre como a imprensa deve abordar suicídios tanto em circunstâncias gerais quanto especificas.
Entre as recomendações estão:
- Evitar cobertura sensacionalista
- Evitar descrições detalhadas
- Considerar o impacto emocional do suicídio nos familiares
- Não glorificar as vítimas
- Interpretar estatísticas com cuidado
- Evitar generalizações e comentários improvisados
- Divulgar informações sobre como procurar ajuda
Por Afonso Ferreira e Pedro Alves