Total de acusados considerados culpados por feminicídio no ano passado foi inferior ao de 2017. Tribunal julgou 48 ações, 19,4% do estoque de processos em tramitação
(Estado de Minas, 22/01/2019 – acesso no site de origem)
A violência doméstica vem aumentando a cada ano no estado. No caminho inverso, as condenações de autores de feminicídios apresentaram queda em 2018. O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) julgou 48 ações penais contra réus acusados de assassinar mulheres nos últimos 12 meses, o equivalente a 19,4% do total do acervo de casos em tramitação. No ano passado, 21 pessoas acabaram condenadas por matar as vítimas por menosprezo pela condição feminina, discriminação ou por violência doméstica. O número foi inferior ao de 2017, quando 29 autores receberam sentenças condenatórias. Ontem, mais um agressor sentou no banco dos réus. Flávio Santos da Silva, de 37 anos, o Buldog, foi ouvido na audiência de instrução do assassinato da ex-companheira, a advogada Monalisa Camila da Silva, de 36, morta a facadas dentro de uma casa no Bairro Betânia, na Região Oeste de Belo Horizonte. Durante a audiência, parentes da vítima fizeram manifestação silenciosa em frente ao Fórum Lafayette. Eles temem que ele seja solto e cumpra ameaças contra a família feitas pela internet.
De acordo com dados do TJMG, em 2018 foram julgadas 48 ações penais por feminicídio, que resultaram em 21 condenações por esse crime. Outros 27 réus receberam “outras sentenças”, o que, segundo a assessoria de imprensa do órgão, significa que podem ter sido condenados por outro crime – como agressão – ou absolvidos. O número é inferior ao de 2017, quando, das 45 ações julgadas, 29 resultaram em condenações por feminicídio e 16 em outras sentenças. Já em 2016, houve 17 condenações. Vale lembrar que os crimes julgados podem não ter ocorrido no ano em que foram julgados.
Apesar das condenações, ainda há um grande número de casos à espera de julgamento. O acervo de ações penais por feminicídio em 2018 somava 247. Entraves jurídicos podem explicar a demora para os juízes decidirem sobre os casos. “Se o réu estiver preso durante o processo, costuma ser julgado mais rapidamente. Muitas vezes, a demora se deve ao número de recursos que são impetrados pelo réu ou até mesmo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG). Por isso, alguns casos ficam travados”, explicou a juíza Luziene Barbosa Lima, da 6ª Vara Criminal do TJMG, que está respondendo pelas varas de violência doméstica no início deste ano.
O caso da morte advogada Monalisa começou a ser analisado pela Justiça ontem, quase seis meses depois do crime. A sessão teve início por volta das 13h30 no 1º Tribunal do Júri, no Fórum Lafayette. Ao todo, segundo a assessoria de imprensa, foram ouvidos cinco testemunhas de defesa. Todas elas são familiares da vítima. Eles afirmaram que o réu sempre foi um pouco agressivo, mas a situação piorou no final do relacionamento, o que levou Monalisa a pedir medida protetiva. Isso teria deixado o ex-companheiro ainda mais irritado. Depois das testemunhas, foi a vez do réu ser ouvido. De acordo com a assessoria de imprensa do Fórum Lafayette, ele confessou o crime. Disse que desferiu facadas na vítima e que depois tentou tirar a própria vida. Mas acabou preso antes de se matar. A audiência foi finalizada por volta das 15h40. Agora, o Ministério Público e os advogados das partes têm 48 horas para se pronunciar.
SILÊNCIO Familiares e amigos da advogada promoveram um protesto silencioso na porta do Fórum Lafayette. Eles temem que, por ser réu primário e ter residência fixa, Buldog possa ser solto para responder ao processo em liberdade e termine cumprindo as ameaças feitas via redes sociais à ex-sogra e ex-cunhados. De acordo com parentes de Monalisa, o acusado os ameaçou de morte por acreditar que eles seriam os responsáveis pela separação. Irmão da vítima, Ítalo Rafael da Silva, mecânico de refrigeração, disse ontem que Flávio era muito agressivo com a irmã e ameaçava a mãe deles, Ana Maria da Silva. O réu já teria entrado na residência dela e quebrado as cabeças de imagens de santos que a mulher mantinha em um pequeno altar.
Ítalo disse que a crueldade com que Flávio cometeu o feminicídio foi tanta que ele chegou a trancar duas portas de acesso ao local do assassinato para “retardar um possível socorro à vítima”. A mulher foi encontrada caída no chão, atrás de uma mesa do escritório, com o rosto coberto com uma blusa. Ela estava com um corte profundo no pescoço e apresentava sinais vitais. Monalisa foi socorrida para a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) Oeste, mas não resistiu aos ferimentos. Na casa, foram encontrados dois bilhetes escritos pelo ex-companheiro da vítima. O material foi apreendido e encaminhado para a delegacia.
Ainda segundo o irmão de Monalisa, o filho do casal, de 15, foi quem acionou a polícia e também recebeu ameaças do pai. “Ele está em estado de choque e não consegue falar sobre o fato.” Monalisa tinha medida protetiva concedida pela Justiça, “mas como ele (o réu) não trabalhava nem tinha uma profissão, minha irmã o estava ajudando, financiando um curso para que conseguisse uma colocação”. Foi a maneira que Flávio, acredita a família, encontrou para se aproximar da ex.
Depois de cometer o crime, o autor chamou a polícia e foi encontrado ferido. De acordo com a ocorrência, ele mesmo se feriu no tórax e foi encaminhado à UPA Oeste. Os ferimentos eram leves.
OBJETIVOS Colocar fim aos ciclos de violência doméstica. Essa é uma tarefa difícil na vida das vítimas, mas essencial para evitar os feminicídios. Esse é um dos objetivos do programa Mediação de Conflitos, da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp). Em 2018, foram 16 mil atendimentos, a maioria relacionada a casos de violência doméstica e intrafamiliar – de todo o público atendido, 70% são mulheres. No encontro são esclarecidos direitos, há mediação de conflitos e até ajuda na busca pela proteção da mulher que relata risco à vida.
O programa Mediação de Conflitos está presente em 33 Centros de Prevenção à Criminalidade de Minas. Dentre os casos recebidos no ano passado que envolvem violência, 48% eram relativos às violências domésticas e intrafamiliar contra a mulher.
Elian Guimarães e João Henrique do Vale