Dados revelam impactos da violência, desigualdade e racismo estrutural na vida das mulheres negras brasileiras
Criado por mulheres negras organizadas para denunciar violências históricas contra seus corpos, vidas e territórios, o Julho das Pretas é um marco de mobilização política no Brasil. A campanha foi lançada em 2013 pelo Odara – Instituto da Mulher Negra e se fortaleceu em todo o país como estratégia de visibilidade e reivindicação por justiça, reparação e direitos.
A escolha do mês está ligada ao Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra e ao Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, ambos celebrados em 25 de julho. Muito além da celebração, o Julho das Pretas fortalece a construção de uma agenda política coletiva liderada por mulheres negras e denuncia o racismo estrutural em diversas esferas da vida social.
Violência e letalidade: a dor tem cor
A violência letal contra mulheres negras segue em alta. Segundo o Atlas da Violência 2025, em 2023, 68,2% dos homicídios femininos no Brasil vitimaram mulheres negras – foram 2.662 mortes apenas naquele ano. Entre 2013 e 2023, foram 30.980 mulheres negras assassinadas, representando 67,1% do total de mortes femininas.
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024 confirma o padrão: dos 1.492 feminicídios registrados, 63,6% das vítimas eram negras.
A violência sexual também atinge meninas negras de forma desproporcional. Em 2024, o Brasil teve o maior número de estupros já registrado: 87.545 casos, sendo 56 mil de estupros de vulnerável. Mais da metade (55,6%) das vítimas eram meninas negras. A subnotificação por cor/raça indica que os números podem ser ainda maiores.
Diante dessa realidade, a Conectas Direitos Humanos e outras organizações levaram denúncias à ONU e à CIDH, alertando para a gravidade da gravidez forçada entre meninas de 10 a 14 anos. Mais de 13 mil casos foram registrados apenas em 2024.
O Comitê da ONU para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW) também demonstrou preocupação com o desmonte de políticas de saúde reprodutiva e defendeu protocolos específicos para garantir o acesso ao aborto legal e à proteção de meninas vítimas de violência sexual.
Letalidade policial: vítimas e familiares de vítimas
A violência policial atinge diretamente a população negra e afeta especialmente mães e familiares de vítimas, que se tornam vozes de denúncia e busca por justiça. Movimentos como as Mães de Maio e as Mães de Acari tornaram-se símbolos dessa resistência.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) irá julgar o Brasil pelas execuções extrajudiciais de 2006, conhecidas como Crimes de Maio, em São Paulo. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) considera que, passados 19 anos, os crimes seguem sem responsabilização.
Além disso, em 2024, a Conectas e o Movimento Mães de Maio denunciaram ao Comitê da ONU sobre os Direitos da Criança o aumento de 93% na letalidade policial em São Paulo entre 2022 e 2024, impulsionado pela retirada de câmeras corporais e enfraquecimento dos mecanismos de controle.
Casos como os assassinatos de Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, e Gregory Ribeiro Vasconcelos, de 17, foram citados como exemplos de impunidade. O Comitê recomendou medidas urgentes para conter mortes de crianças em operações policiais e exigiu investigações independentes, responsabilização de agentes e adoção de protocolos internacionais.
Encarceramento em massa
Mesmo com a redução da população carcerária feminina nos últimos anos, o racismo estrutural segue evidente: 62% das mulheres presas em 2024 eram negras, segundo dados do Sisdepen (Sistema Nacional de Informações Penais).
O estudo “Mulheres Negras na Mira”, da pesquisadora Juliana Borges, mostra que a “guerra às drogas” atinge desproporcionalmente mulheres negras, presas por crimes de menor potencial ofensivo, como associação ou tráfico, em condições de alta vulnerabilidade social. Elas sofrem dupla penalização por gênero e raça, além de decisões judiciais atravessadas por moralismos e estigmas.
O Brasil é hoje o 4º país que mais encarcera mulheres no mundo, e a maioria são negras, pobres e mães. O estudo aponta a necessidade de reformular o sistema penal e enfrentar o racismo institucional.
O preço do racismo na renda da mulher negra
No mercado de trabalho, a desigualdade também é gritante. Segundo o Dieese, mulheres negras ganham 53,5% menos que homens brancos e 60,6% menos que mulheres brancas. Além disso, só 14,7% das mulheres negras têm ensino superior completo, contra 29% das brancas.
O PNUD estima que mulheres negras recebem apenas 10,7% da renda do trabalho no país. Essa exclusão econômica impacta sua saúde, longevidade e oportunidades profissionais.
Após a revisão de 2024 pelo Comitê da CEDAW, o órgão da ONU recomendou que o Brasil implemente com urgência a Política Nacional de Cuidados, garantindo participação ativa de mulheres negras e indígenas na formulação e execução de políticas públicas.
Mulheres negras na política
Apesar do crescimento no número de candidaturas, a sub-representação política de mulheres negras continua grave. Nas eleições de 2024, das 80 mil candidatas negras, apenas 10,9% foram eleitas.
A violência política de gênero e raça também é uma barreira. Um exemplo recente foi o ataque à Ministra Marina Silva durante audiência no Senado, em maio de 2025, quando foi interrompida e ofendida por parlamentares ao discutir temas ambientais.
Mesmo com a criminalização da violência política de gênero desde 2021, a responsabilização dos agressores é rara, e os partidos políticos continuam falhando em proteger as mulheres que atuam na política institucional.