A justiça de gênero pode ser entendida como o mecanismo jurídico e os sistemas de reparação e proteção das mulheres. O conceito de justiça de gênero refere-se à eliminação das desigualdades entre os gêneros em todas as esferas da sociedade, garantindo que mulheres e homens tenham acesso igualitário a direitos, oportunidades e recursos. Justiça de gênero não significa apenas garantir equidade formal, mas transformar estruturas sociais, econômicas e políticas que perpetuam tais desigualdades.
Segundo Nancy Fraser (2009), a justiça deve incluir redistribuição de recursos, reconhecimento de identidades e representação política. Isso significa que não basta criar leis igualitárias; é necessário garantir que mulheres e outros grupos historicamente marginalizados tenham voz ativa na formulação de políticas e na tomada de decisões.
A justiça de gênero está fundamentada nos direitos humanos e na noção de que a equidade entre os gêneros é essencial para uma sociedade justa e democrática. O relatório da ONU Mulheres (2020) destaca que justiça de gênero significa garantir que todas as pessoas, independentemente do gênero, possam desfrutar plenamente de seus direitos, sem discriminação ou violência.
O conceito de interseccionalidade, cunhado por Kimberlé Crenshaw (1989), destaca que a justiça de gênero precisa considerar outras formas de opressão, como racismo, classe social e orientação sexual. Mulheres negras, indígenas, LBTQIAP+ e periféricas enfrentam desigualdades múltiplas que exigem soluções específicas.
A justiça de gênero também passa pelo reconhecimento do trabalho reprodutivo e de cuidado, majoritariamente realizado por mulheres. A economista Diane Elson (1999) argumenta que políticas públicas e modelos econômicos devem considerar o trabalho doméstico e de cuidados como parte fundamental da economia.
Uma dimensão essencial da justiça de gênero é a erradicação da violência baseada no gênero. Organizações como a ONU Mulheres enfatizam que a violência contra meninas e mulheres é um dos principais obstáculos para alcançar justiça de gênero. Isso inclui violência doméstica, assédio sexual, feminicídio e todas as formas de violência baseada no gênero.
Em uma sociedade que reiteradamente comete violações contra meninas e mulheres, instrumentos que previnam e respondam atempadamente são fundamentais para garantir a plena democracia e eliminação das desigualdades e das violências.
Alguns tipos de violência
A Lei nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Penha, estabelece cinco formas de violência doméstica e familiar contra a mulher: física, psicológica, moral, sexual e patrimonial, conforme previsto no Capítulo II, artigo 7º, incisos I a V. Esses tipos de violência abrangem diferentes formas de agressão e controle, refletindo a complexidade das violações sofridas por mulheres no ambiente doméstico e familiar.
Um dos crimes recorrentes no Brasil é a importunação sexual e o assédio sexual, tipificados nos artigos 215-A e 216-A do Código Penal. A importunação sexual ocorre quando alguém pratica atos de cunho sexual sem o consentimento da outra pessoa, de forma invasiva e constrangedora. Diferentemente do assédio, que geralmente envolve uma relação de hierarquia, a importunação pode acontecer em qualquer contexto, como transportes públicos, festas ou locais de trabalho. Esses atos incluem toques indesejados, beijos forçados ou qualquer comportamento de natureza sexual que cause desconforto à vítima.
Já o assédio sexual caracteriza-se pela prática de atos que visam constranger a vítima com o objetivo de obter vantagem ou favorecimento sexual, valendo-se o agressor de sua posição de superioridade hierárquica ou ascendência no ambiente de trabalho, cargo ou função.
De acordo com a pesquisa Visível e Invisível: A Vitimização de Mulheres no Brasil, realizada pelo DataFolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em março de 2023, aproximadamente 30 milhões de mulheres foram vítimas de importunação e assédio sexual no ano de 2022. No ambiente de trabalho, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (2020-2023), a Justiça do Trabalho julgou 419.342 ações relacionadas a assédio moral e assédio sexual, sendo que o número de processos sobre assédio sexual cresceu 44,8% no período.
Outras legislações reforçam a proteção contra o assédio sexual, como a Lei nº 14.457/2022, que estabelece a obrigatoriedade de medidas de prevenção ao assédio sexual no ambiente de trabalho para empresas, reforçando a necessidade de políticas institucionais que garantam ambientes seguros e respeitosos para mulheres.
Reflexões sobre as violências
As tecnologias sociais de violência ultrapassam qualquer limite do imaginário do que é seguro. O que é seguro para uma menina ou mulher? Onde é seguro? Violência de gênero, violência doméstica, violência sexual, violência patrimonial, violência psicológica, violência política, violência institucional. Não estamos seguras em nossas casas, relacionamentos, espaços privados e públicos, políticos e institucionais.
A sociedade tende a focar nas vítimas, frequentemente revitimizando-as e culpabilizando-as. No entanto, o foco deve estar nos agressores e nas consequências que devem enfrentar. Para o enfrentamento, precisamos do profundo entendimento da estrutura e da criação de estratégias individuais e coletivas, a partir de políticas institucionais e públicas. Os mecanismos de justiça devem garantir a devida apuração, respeitando o contraditório e protegendo a integridade da vítima, minimizando sua exposição. A responsabilização deve recair sobre quem praticou o ato – o agressor/assediador.
Assim, é fundamental que a sociedade reconheça que esses crimes são de interesse público e que a responsabilização dos agressores deve ser prioridade. Isso inclui a aplicação de punições adequadas, como a perda de cargos e mandatos, independentemente do escalão hierárquico, além da implementação de medidas de reparação às vítimas. Somente por meio de uma resposta firme e exemplar será possível reafirmar que tais condutas são inaceitáveis, contribuindo para a construção de um ambiente mais justo, seguro e igualitário para todas as mulheres.