Lei Maria da Penha: julgamento do STJ pode dificultar proteção de mulher vítima de violência

09 de setembro, 2024 Estadão Por Beatriz Bulla

Entidades de defesa de direitos das mulheres defendem que não haja prazo de validade para as medidas e que seja reconhecida a natureza autônoma delas

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) discute um caso que afetará a forma como o Judiciário tem aplicado um trecho da Lei Maria da Penha – o que estabelece medidas de proteção para a vítima de violência doméstica contra o agressor. Segundo o Ministério Público, a ONG Me Too Brasil e parte dos especialistas, o tribunal corre o risco de dificultar a proteção de mulheres vítimas no País. Não há consenso jurídico, no entanto, em torno da discussão.

O caso em debate é um recurso do Ministério Público de Minas Gerais contra decisão do Tribunal de Justiça. O relator do recurso no STJ, ministro Joel Paciornik, entendeu que o debate deveria ser levado à Terceira Seção para dar entendimento uniforme ao tema, que tem sido recorrente no Judiciário. Até hoje, a Quinta e a Sexta Turmas do STJ, que discutem matéria penal, têm posições divergentes.

O TJ-MG aceitou parcialmente o recurso de um agressor de mulher vítima de violência doméstica e estabeleceu que as medidas protetivas impostas a ele teriam prazo de 90 dias. Depois disso, a situação deveria ser reavaliada.

O MP, por sua vez, defende que não haja prazo determinado no qual a vítima precise comprovar que o risco ainda existe. A visão da promotoria é a de que as medidas protetivas devem valer enquanto durar a situação de ameaça. Ela só deveria se encerrar, portanto, quando uma das partes for ao Judiciário e comprovar que não há mais necessidade da manutenção.

O promotor de Justiça Felipe Faria, assessor especial da Procuradoria-Geral de Justiça de Minas, afirma que estipular prazo para que a medida protetiva expire é submeter a vítima a uma nova violência, desta vez por parte do Estado.

“Fazer a vítima, já fragilizada, precisar periodicamente voltar aos órgãos para fazer novos pedidos é gerar um ciclo de violência institucional, uma revitimização. Além disso, seguindo decisões anteriores, medidas protetivas têm de durar enquanto a situação persistir, não têm prazo determinado. Pode durar uma semana, um mês, ou cinco anos”, diz o promotor.

Para ele, “isso tem o condão de desestimular e afastar as vítimas dessa estrutura estatal, que está aqui para resguardá-la”.

A necessidade de comprovar que o risco de violência permanece também é considerada inviável. Isso porque muitas vezes, segundo o MP, o que impede a vítima de sofrer nova violência é justamente a medida protetiva em vigor. Uma vez expirada, a violência volta.

“Há receio de não conseguir demonstrar de tempos em tempos a persistência do risco. Pode haver transferência de ônus da prova quase intransponível”, concorda a sócia de direito penal do Mattos Filho e uma das responsáveis pelo caso em nome do Me Too, Flávia Leardini.

O Me Too Brasil tenta ingressar no debate no STJ como amicus curiae no processo – a expressão latina significa “amigo da corte” e é usada para que interessados no resultado da causa, que não são as partes, possam ser ouvidos pelo Judiciário. Para isso, a ONG contratou o escritório Mattos Filho, por meio do setor de advocacia pro bono da banca. O pedido ainda não foi analisado pelo STJ.

“A Lei Maria da Penha nunca foi criminal. É uma legislação integral de proteção e defesa das mulheres em situação de violência doméstica intrafamiliar”, diz Marina Ganzarolli, advogada e presidente do Me Too Brasil.

“Quando a Lei Maria da Penha foi desenhada, falava em varas (de Justiça) híbridas, para um único juiz definir o divórcio, a guarda, mas também cuidar da questão criminal, da lesão corporal, da ameaça. Só temos vara híbrida em um Estado”, afirma.

Para Marina, não só há dificuldade em implementar de modo integral a legislação de proteção à mulher, como o Judiciário pode enfraquecer um dos instrumentos mais eficientes: as medidas protetivas.

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