De autoria da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), o projeto foi construído com os movimentos e as coletivas de mulheres
(Brasil de Fato, 18/08/2017 – acesse no site de origem)
Por 19 votos a 17, foi rejeitado na Câmara de Vereadores, na última quarta-feira (16), o projeto de lei que inclui o dia da visibilidade lésbica no calendário oficial do Rio de Janeiro. De autoria da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), o projeto foi construído com os movimentos e as coletivas de mulheres organizadas na Frente Lésbica do Rio de Janeiro. A rejeição acontece no mês da visibilidade lésbica, já que a data de 29 de Agosto foi eleita por militantes lésbicas brasileiras, durante o 1° Seminário Nacional de Lésbicas (Senale), em 1996, como o dia da visibilidade lésbica. Para Marielle, a não aprovação da lei não significa uma derrota do movimento, mas representa o quanto “essa Casa é conservadora, reacionária e, pior, fundamentalista”.
“Agosto é um mês de comemoração e reivindicação e pautamos como momento de concretização e processo de uma luta pelo direito de amar, ser e existir. Tiramos a Câmara da zona de conforto e não é à toa que buscamos representatividades das mulheres, mulheres negras, mulheres lésbicas, mulheres faveladas. Vai ter muita luta e mulher lésbica na Câmara”, destacou Marielle que ainda lembrou que no mesmo dia duas mulheres lésbicas, em Rio das Ostras (RJ), foram violentadas. “Esse tema não será colocado para debaixo do tapete. Sim. Nossas vidas importam”, acrescentou a parlamentar.
Vereadores contrários, como Otoni de Paula (PSC-RJ), utilizaram argumentos como “risco” para inclusão do debate de gênero nas escolas. “Votarei contra por entender que a visibilidade lésbica entrar no calendário da cidade é desnecessário. Mais visibilidade do que o movimento LGBT tem tido nessa cidade e nesse país é impossível. A partir do momento que permitimos a aprovação, vamos permitir o acesso desse dia nas escolas públicas. A minha preocupação é que algo aparentemente normal seja usado depois para outros fins que nós, enquanto bancada evangélica, combatemos”, enfatizou em seu discurso durante a votação. Em contrapartida, em documento enviado aos parlamentares, a Frente Lésbica destacou: “lésbicas sofrem com a falta de políticas públicas para saúde com dificuldade de acesso a exames como, por exemplo, preventivo; sofrem estupro corretivo; lésbicas têm seus corpos e seus afetos fetichizados; casais de mulheres sofrem assédio sexual nas ruas”.
Para o vereador Tarcísio Motta (PSOL-RJ), comemorar o dia da visibilidade lésbica significa criar memória a fim de que a população carioca se lembre de que lésbicas existem e, simbolicamente, a data fortalece a luta. “A nossa sociedade é aquela que tem um dos maiores índices de assassinato, preconceito e violência. Eu defendo que os currículos escolares incorporem o combate ao machismo, ao racismo e à LGBTfobia. A missão da escola educar para a vida”, ressaltou Tarcísio. A vereadora Luciana Novaes (PT-RJ) afirmou que a votação foi um absurdo. “Se até o pão ganhou um dia no calendário carioca, não por ser um alimento sagrado, mas por ser considerado um alimento típico do Rio, por que não aprovar o dia da visibilidade lésbica? Por puro preconceito e machismo da casa”, ratificou. Favorável ao projeto, o vereador dr. João Ricardo (PMDB-RJ) disse que a violência contra homossexuais é enorme e a visualiza todos os dias no hospital.
Mulher lésbica resiste
Cerca de 40 mulheres lésbicas – com o apoio de pessoas trans da CasaNEM e da vereadora suplente do PSOL-RJ, Indianara Siqueira, – ocuparam a galeria da Câmara para pressionar os vereadores. Uníssonas, elas anunciaram que ano que vem haverá eleição e seus votos não serão esquecidos. Com lágrimas nos olhos, a militante da Liga Brasileira de Lésbicas (LBL), Virgínia Figueiredo, 58 anos, contou que esta foi a primeira vez que ela viu um projeto direcionado exclusivamente para lésbicas em 41 anos de militância. “Incluir o dia da visibilidade lésbica no calendário oficial significa instituir um marco de balanço e debates sobre as nossas pautas”, argumentou Virgínia. Uma reivindicação histórica é a formulação de dados específicos sobre mulheres lésbicas. “Precisamos pensar em um cadastro único nos prontuários, nos equipamentos de segurança pública, nas escolas, etc. Enquanto não tivermos os dados, continuaremos no apagamento. Estatisticamente, nós não existimos. Aprovar a data seria um gesto simbólico para a ampliação de outras políticas para lésbicas”, pontuou Virgínia que ainda reforçou a necessidade de afirmar o Estado laico: “Não podemos permitir que parlamentares utilizem argumentos de cunho religioso para legislar sobre direito. A laicidade do Estado é pauta central do movimento”.
Michele Seixas, que é assistente social, integrante das coletivas Sapa Roxa, ABL e Grupo de Mulheres Felipa de Souza, acredita que “apesar da PL da Visibilidade Lésbica não ter sido aprovada por apenas dois votos de diferença, isso nos dá forças para acreditar que ainda não fomos derrotadas. A luta continua!”.
Sob o olhar de extermínio. Esta foi a percepção da estudante de serviço social e integrante da Coletiva Visibilidade Lésbica, Isabel Netto, durante a votação na Câmara. “Somos invisibilizadas e apagadas a tal ponto que não temos direito a ter uma data da visibilidade lésbica”, disse. Já a jornalista Ana Costner apontou o apagamento de lésbicas nos discursos dos vereadores. “Eles falaram sobre tudo, debate de gênero, escolas, menos a palavra lésbica. Nem isso eles mencionaram”, analisou. Acompanhar a votação da Câmara, que começou por volta das 15h, causou muitas impressões. Para a psicóloga Luísa Furtado, o espaço e o ambiente da Casa não são feitos para a participação popular. “Os alto-falantes, o campo de visão das galerias e até mesmo os seguranças que se aproximam quando nos manifestamos representam a distanciamento proposital da Câmara com a população”, destacou.
Vestindo uma camiseta estampada “Negra e Lésbica”, a artista visual e cabeleireira Rafaele Ferreira acredita que, mesmo com uma Câmara machista e fundamentalista, o recado foi dado. “Teremos mais quatro anos de muita luta. Assim como temos a Marielle, teremos outras portas abertas. Continuaremos existindo e resistindo. Perdemos hoje, mas não perdemos a sapatonice, nosso afeto e a nossa resistência”, enfatizou. Em seu único dia de folga, Júlia Cardoso acompanhou a votação com indignação. “Agora é seguir, resistir e afrontar”, concluiu. A historiadora Cristiane Furtado ressalta que esta foi apenas uma batalha: “a nossa maior vitória é a nossa organização. Somos muitas”. A Frente Lésbica organiza uma série de atividades no Rio de Janeiro para o mês da visibilidade lésbica, entre elas, no dia 30/8, a Ocupa Sapatão, na Cinelândia com debates e atividades culturais,
Confira a programação:
19/8 – Oficina de grafitagem (Coletiva Visibilidade Lésbica com apoio Rede Nami), a partir das 14h, na Quadra da Brink’s, no Morro da Previdência. Às 16h, acontecerá, no mesmo local o Slam das Minas pela Visibilidade Lésbica;
20/8 – Domingueira Sapateira (Coletiva Sapa Roxa e Unegro), a partir das 14h, com Cine Debate com o filme “Pariah”, seguida por roda de conversa sobre “Beleza, Estética e Lesbianidade: a identidade sapatão como afirmação política” e roda de samba aberta para as sapas chegarem com instrumentos de cantorias, na CasaNem, localizada na rua Moraes e Vale, 18, Lapa;
26/8 – Roda de conversa sobre saúde das mulheres lésbicas (Liga Brasileira de Lésbicas) com a médica Renata Vieira e a enfermeira Aninha Almeida, no Sindicato dos Comerciários, na rua André Cavalcanti, 33, Lapa, das 14h às 18h;
29/8 – Na Maré (Conexão G), às 14h, oficina temática com CAJU Bezerra e equipe; às 16h, roda de conversa “Mulheres lésbicas e bissexuais no território de favela: estratégias de cuidado”; e, às 18h, celebração do Coletivo Resistência Lesbi de Favelas + Encerramento com Baque Mulher, Mulheres ao Vento, Maré sobre Saltos, Equipe Bolhas Mágicas e Equipe Conexão G Cidadania LGBT de Favelas;
30/8 – Ocupa Sapatão, na Cinelândia, a partir das 17h.
Datas aprovadas pela Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro
No dia 11 de abril, o Dia da Igreja Evangélica Assembleia de Deus do Recreio dos Bandeirantes “Ministério Deus é Fiel”
No dia 20 de março: Dia da Missão Apostólica da Graça de Deus-Igreja Evangélica Cristo Vive;
No calendário da cidade já consta o dia da bíblia (2º domingo de dezembro)
No dia 19 de abril: Dia da Igreja Evangélica Pentecostal do Amor Ebenézer
No dia 21 de abril: “Dia da Decisão Cristã”
No dia 9 de julho: Dia Municipal da Igreja Universal do Reino de Deus
No dia 18 de junho: Dia das Assembleias de Deus e do Movimento Pentecostal;
No dia 23 junho: Dia da Mulher Cristã;
No dia 7 de setembro: a) Dia de Jacarepaguá para Jesus; b) Dia da Primeira Igreja Batista em Inhaúma
Como foi a votação:
CONTRA O PROJETO
Alexandre Isquierdo (DEM)
Carlos Caiado (DEM)
Carlos Bolsonaro (PSC)
Claudio Castro (PSC)
Jorge Manaia (SD)
Eliseu Kessler (PSD)
Ítalo Ciba (PTdoB)
Jair da Mendes Gomes (PMN)
Joao Mendes de Jesus (PRB)
Jones Moura (PSD)
Leandro Lyra (NOVO)
Otoni de Paula (PSC)
Professor Adalmir (PSDB)
Tania Bastos (PRB)
Vera Lins (PP)
William Coelho (PMDB)
Felipe Michel (PSDB)
Zico Bacana (PHS)
Luiz Carlos Ramos Filho (PODEMOS)
A FAVOR DO PROJETO
César Maia (DEM)
David Miranda (PSOL)
Dr. Joao Ricardo (PMDB)
Fernando William (PDT)
Leonel Brizola (PSOL)
Luciana Novaes (PT)
Marcelo Arar (PTB)
Marielle Franco (PSOL)
Paulo Messina (PROS)
Paulo Pinheiro (PSOL)
Reimont (PT)
Renato Cinco (PSOL)
Renato Moura (PDT)
Rosa Fernandes (PMDB)
Tarcísio Motta (PSOL)
Val Ceasa (PEN)
Veronica Costa (PMDB)
Camila Marins é jornalista. O texto foi revisado por Roberta Cassiano; Edição: Vivian Virissimo