Deputado propõe fim das cotas para transexuais, e advogada rebate: “o Estado não vê pessoas trans como parte da sociedade”

28 de agosto, 2019

Rodrigo Amorim (PSL) apresentou na ALERJ um PL que extingue reserva de vagas em concursos públicos para transexuais e travestis, incluindo ingresso em universidades

Rio – O deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL) deu entrada no PL 1042/2019, que proíbe reserva de vagas para candidatos transexuais, travestis, intersexuais e não binários em concursos públicos, incluindo ingresso em universidades públicas. No texto, ele pressupõe o sistema de cotas como algo que “divide negativamente” a sociedade. “As cotas definidas exclusivamente pelo gênero não correspondente ao sexo biológico do indivíduo possuem o potencial de corromper as instituições onde são aplicadas, aniquilando o valor do mérito acadêmico”. A advogada e militante transexual Maria Eduarda Barbosa rebateu o projeto, afirmando ser inconstitucional, tratando-se de uma perseguição ao público LGBTQI+.

Amorim também aguarda o parecer da Comissão de Constituição e Justiça do PL n° 331/2019, proposto em abril deste ano. Este restringe a participação de atletas trans em competições esportivas no estado do Rio. No texto, o critério biológico é fortemente defendido pelo autor. “Pelo fato de terem nascido homens, o corpo foi moldado com auxílio do hormônio masculino testosterona. Já as mulheres atletas, não têm esse direito de uso do referido hormônio masculino para aumento de capacidade corporal”.

Eleito em 2018 com mais de 140 mil votos, Amorim ficou conhecido por destruir a placa com o nome da vereadora Marielle Franco, conhecida defensora da causa LGBTQI+ assassinada em março de 2018. O parlamentar também tem no currículo passagem pela Secretaria Municipal de Cidadania e Direitos Humanos do Município de Nilópolis, na Baixada Fluminense.

A advogada transexual e ativista LGBTQI Maria Eduarda Barbosa, integrante do Grupo Pela Vidda no Rio de Janeiro, falou sobre os projetos de lei em andamento na Assembleia Estadual do Rio de Janeiro (ALERJ), de autoria do deputado Rodrigo Amorim (PSL).

Maria Eduarda Barbosa, advogada transexual e ativista LGBTQI, integrante do Grupo Pela Vidda no Rio de Janeiro

Quais você acredita que sejam os fundamentos e motivações do deputado para esses projetos?

Maria Eduarda: Eles se baseiam na ideia de meritocracia em relação ao PL que pretende proibir cotas para pessoas transexuais e ao que pretende proibir pessoas trans de competir em disputas desportivas estabelecendo apenas o critério biológico. Diria que há uma perseguição dos setores conservadores tal como o PSL em trazer leis que prejudiquem ou retirem direitos das pessoas transexuais por puro pensamento extremista ideológico. Além disso, fazer um projeto para restringir direitos de pessoas vulneráveis contra os direitos humanos dessa população é a meu ver inconstitucional, pois criar leis para restringir direitos tem caráter eminentemente discriminatório,  porque ferem o próprio princípio constitucional da isonomia e da não discriminação.

Em que medida o fim das cotas em concursos públicos pode afetar a população transexual do Rio de Janeiro?

Maria Eduarda: A questão principal de cotas para população trans segue o princípio da reparação histórica, equidade, sendo uma política afirmativa similar a cota racial conferida a população negra. Segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a população de mulheres transexuais e travestis que vive exclusivamente da prostituição chega a 90% e o número de transexuais nas universidades chega 0.02%*. Um dos grandes problemas é a expulsão do âmbito escolar e de casa.

A população transexual tem conseguido ter acesso às universidades com ajuda de incentivos e políticas afirmativas. Se o Estado corta tais políticas afirmativas e proíbe qualquer tipo de cota, ele sinaliza que não vê pessoas transexuais como pessoas parte dessa sociedade. Na minha visão é um ataque direto da ala conservadora da ALERJ as pessoas transexuais e travestis.

Por que é importante reservar cotas para essa população? O sistema vigente dá conta?

As políticas de equidade é o que conferem maior acesso das populações vulneráveis em relação a espaços de maioria branca e cis gênero privilegiada.  Há políticas, por exemplo, na Universidade Federal Fluminense, que oferecem cotas nos cursos de pós graduação, tem política de nome social e uso de banheiros públicos conforme gênero auto identificado. Se não pensarmos em incluir pessoas transexuais, negras e com deficiência na sociedade, estamos promovendo injustiça social e traindo o mandato público que deveria ser para servir a população, e não apenas uma parcela. As pessoas transexuais, com as cotas, podem ter acesso a uma formação tantas vezes negadas pelo grau de exclusão, preconceito e estigma em que são vítimas diariamente. Sem falar que o Brasil ainda é o local que mais mata travestis e transexuais no mundo.

Sobre o PL 331/2019, qual seriam as consequências para atletas trans que já estão competindo em desportos, e para seus clubes?

Maria Eduarda: A meu ver, podem ser sérias. Essa lei, caso aprovada, seguirá de base para promover uma verdadeira exclusão das pessoas trans dos esportes ignorando o que determina o Comitê Olímpico Internacional sobre os critérios para transexuais poderem participar de competições na categoria feminina, que hoje permite tranquilamente a participação dentro dos critérios estabelecidos, que é ter 2 mg de testosterona. É um ataque às pessoas transexuais, fruto do projeto político que se instaurou no Brasil de ódio às minorias.

No texto do PL, é citada a fala da atleta Ana Paula Henkel. Esse argumento é relevante para o debate, e pode ser colocado como exemplo para o caso?

Maria Eduarda: Trata-se de uma falácia. É semelhante ao caso da jogadora Tifanny Abreu, que é uma atleta abaixo da média, e sofre pura transfobia das demais jogadoras.  É comprovado que as mulheres transexuais em tratamento têm perda de massa muscular e densidade óssea, perdem força física dada a baixa testosterona. Não há vantagem quando analisando o desempenho de Tiffany comparado com a Tandara, por exemplo. Já há um projeto similar tramitando em São Paulo, e o medo é que isso vire uma febre e cause mais preconceito e estigma nas atletas transexuais que não poderão competir.

Por Edda Ribeiro

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