A cada 27 horas, uma lésbica, gay, bissexual ou transexual é morto no Brasil. Segundo o relatório do Grupo Gay da Bahia referente a 2015, o número de assassinatos de LGBTs é alto. O país, segundo alguns estudos, seria o que possui a maior taxa de crimes contra transexuais e travestis, concentrando 50% dos crimes cometidos pelo mundo. Mas o número real pode ser maior, pois o país ainda não possui dados estatísticos oficiais. A violência que essa população sofre não se resume apenas a violência física. As humilhações e violências psicológicas também fazem parte do cotidiano dessa minoria.
(Unipautas, 05/07/2017 – acesse no site de origem)
Os órgãos legislativos garantem direitos igualitários a algumas minorias. Hoje, o racismo é crime, assim como agredir a uma mulher ou abusar de um menor de idade. Qualquer pessoa dessas minorias que sofra algum tipo de ato discriminatório ou abusivo motivado por sua característica pode recorrer aos braços da lei para se sentir amparado. O mesmo não acontece ao rapaz que sai de mãos dadas com o namorado. Essa demonstração de afeto desencadeia, muitas vezes, humilhações públicas, xingamentos invectivos e, nos piores casos, lesões corporais graves. A infração motivada por repúdio ao homossexual não confere crime atualmente, pois não há uma legislação vigente que acate esta demanda.
Na Câmara dos Deputados, existe um Projeto de lei criado pela ex-deputada Iara Bernardi, em 2006. O PL 122/2006 constitui como crime quaisquer atos discriminatórios em razão de identidade de gênero e opção sexual – não aderindo à heterossexualidade. Este PL que tramita no Congresso Nacional está arquivado atualmente, como a maioria dos projetos que visa garantir igualdade ou atender a demandas específicas da população LGBT. O PL 06/2015, da deputada Manuela D’ávila (PCdoB – RS), que equipara direitos para casais homossexuais terem direito à inscrição, como entidade familiar nos programas de habitação do Estado – como o Minha Casa, Minha Vida – ainda aguarda análise na Comissão de Direito e Justiça. A deputada, que já esteve na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias na Câmara dos Deputados, atua em audiências públicas com relação à violência homofóbica e transfóbica. Manuela presidiu a Frente Parlamentar LGBT em Brasília, na qual participou da criação do material didático para garantir respeito e diversidade na escola, o kit anti-homofobia. Outro projeto que não vingou, devido à resistência da bancada evangélica e membros mais conservadores da Câmara. O Deputado Jair Bolsonaro, é um ativo opositor das tentativas de avanço em direitos dos LGBT. Em alguns dos seus discursos na Câmara, Bolsonaro argumenta que as propostas que abordam direitos e tentativas de inclusão LGBT ferem os valores da família.
“Essa onda de querer combater a homofobia está estimulando o homossexualismo, a pederastia, a baixaria. Eu não quero isso para a minha neta, para o meu neto!
Apelo a todos para que não levem para a galhofa a imoralidade que a Comissão de Direitos Humanos e Minorias está patrocinando nesta Casa. Isso, no meu entender, é o maior escândalo de que se tem conhecimento no Brasil atual”, disse Bolsonaro em discurso na Câmara, na votação da primeira tentativa de inserir nas escolas públicas o kit anti-homofobia, em 2010. Em seu discurso, o deputado usa o termo “homossexualismo”, termo proposto em 1869, pelo médico húngaro Benkert. O uso desse termo configura em considerar a homossexualidade como patologia.
Como não há uma legislação específica para a população LGBT, há demandas que são direcionadas ao Poder Judiciário. Nesse âmbito, a população LGBT tem encontrado amparo e reconhecimento de direitos não previstos em lei, como possibilidade de adoção, cirurgia de mudança de sexo pelo SUS e reconhecimento de união estável. Foi essa a saída encontrada por Ana Naiara Malavolta para ter reconhecida legalmente sua união com sua companheira. Ana optou por oficializar sua união para ajudar na criação de jurisprudência. “Todos os direitos que são garantidos para a população LGBT são frutos de decisões judiciais. Não existe uma legislação consolidada. Existem, ainda, tentativas de reverter aquilo que se conseguiu por decisão judicial”, analisou. Ana se refere ao Estatuto da Família, PL criado em 2013 pelo deputado Anderson Ferreira (PR – PE), aprovado recentemente Câmara. O projeto define como entidade familiar núcleos formados por um homem e uma mulher em um casamento ou união estável, ou separadamente com seus descendentes. O projeto, ainda, visa garantir direitos prioritários às famílias que se encaixarem à normativa. Para a Deputada Federal, Maria do Rosário (PT), o projeto é retrógado, pois rotula as famílias e exclui da tutela do Estado a maioria das famílias brasileiras. “Ele (o projeto) desconhece os diferentes arranjos familiares, como os movidos por relações afetivas. Para atingir, que este era o objetivo, as pessoas homossexuais, ele atinge essas pessoas, retira-lhes direitos e, ao mesmo tempo, tira direitos de famílias que são diferenciadas, como as formadas por grupos de irmãos”, critica a deputada, que é conhecida pela defesa dos direitos humanos.
No Rio Grande do Sul, existe o único Centro de Referência de Direitos Humanos gestado pela Defensoria Pública. O centro possui duas linhas de atuação: violência contra mulher, que possui amparo específico, e violência estatal, mais abrangente, podendo, assim, atender aos LGBTs. Como a maioria das vítimas do Estado são pessoas socialmente vulneráveis, a instituição faz o acolhimento psicossocial das vítimas e toma as devidas providências para que não haja revitimização. Segundo a Defensora Pública, Mariana Py Muniz Capellari, as vítimas que recorrem à Defensoria Pública e se encaixam nas demandas são encaminhadas diretamente ao CRDH. No centro recebem acolhimento psicossocial, no qual é analisada a complexidade de cada caso. “Confeccionamos muitas vezes nesse acolhimento um plano de segurança. Dependendo da situação de violência, a vítima corre riscos à integridade, segurança e à própria vida”.
Uma forma de ter representatividade na sociedade foi a criação das ONGs LGBT, que atuam na área da informação, educação, cultura e visam lutar pelos direitos dessa população. Essas instituições também possuem papel importante na mensuração e criação de estatísticas. Uma vez que, não há legislação específica, há, consequentemente, invisibilidade na coleta de dados. Logo, não havendo essa mensuração de dados estatísticos sobre esses crimes, não há como ter embasamento para que se criem políticas públicas para a demanda da população LGBT. O Grupo Gay da Bahia é um referencial em dados estatísticos desse grupo, pois é pioneiro em ter um banco de dados de crimes movidos por ódio, além de divulgarem os dados em um boletim anual.
Outra ONG de importante participação na causa é o Grupo Nuances pela Livre Expressão Sexual. Segundo Célio Golin, um dos membros fundadores do grupo, que se chamava Movimento Homossexual Gaúcho quando foi criando em 1991, a ONG tem o papel de representar a população nas discussões na sociedade civil, inclusive em âmbito nacional. O Nuances participou da elaboração de diversas políticas públicas, como no Programa RS Sem Homofobia, no qual uma das ações feitas foi a criação do nome social para travestis e transexuais. Outra ação que o grupo realizou foi a formação, em parceria com a Secretaria de Segurança Pública, de um grupo de estudos de policiais civis, agentes penitenciários e pessoas do movimento social para discutir ações dentro do sistema carcerário e na área de segurança pública voltadas para os LGBTs. Nesses encontros eram discutidos assuntos como a implantação do item “homofobia” nos boletins de ocorrência. Porém, segundo Célio, com a troca de governo houve uma descontinuidade desses projetos
As Paradas de Orgulho Gay ou Paradas Livres são uma forma de resistir e se fazer notar da população LGBT. Esses eventos, que são vistos como festas ou citados como orgias, são eventos de cunho político, pois neles, são reivindicados direitos, levantadas bandeiras do movimento e, por haver uma grande movimentação de massa, há uma visibilidade perante o STF, parlamentos e ministérios. Desde 1997, em Porto Alegre, sempre houve apoio por parte da Prefeitura Municipal, doando infraestrutura. Nesse ano, a prefeitura já comunicou com meses de antecedência que não fornecerá recursos para a realização do evento.
Em contrapartida à realidade da escassez de dados oficiais, a Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro é vanguardista ao adicionar o item de crimes motivados por homofobia nos boletins de ocorrência. Esse avanço ainda é insuficiente para que se elaborem políticas públicas para a diminuição dessa violência. Segundo o Grupo Gay da Bahia, o estado teve o terceiro maior número de mortes de LGBT do Brasil, em 2016. É um problema maior do que legislativo. O descaso do Estado a essa minoria é apenas um reflexo do que é cultural, a heterossexualidade é tida como única e autêntica sexualidade. Ser homossexual e assumir isso, hoje, ainda é uma afronta ao sistema.
A equipe de reportagem tentou contato, por diversas vezes, com os deputados Jair Bolsonaro e Jean Wyllys, porém não obteve retorno. Tentou contato também com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre e não obteve retorno.
Robson Hermes é jornalista defensor dos direitos LGBT