(G1, 13/06/2016) Quase 20% dos estudantes de escola pública entre 15 e 29 anos não gostariam de ter um colega de classe travesti, homossexual, transexual ou transgênero – sendo que, no caso dos meninos, este percentual sobe para 31%. Entre esses dados, relatados na pesquisa “Juventudes na Escola, Sentidos e Buscas: Por que frequentam?” (2015), e o atentado ocorrido em Orlando, numa boate voltada ao público LGBT, há uma distância enorme, mas as raízes podem ser similares, ligadas à incapacidade crescente, em nossa cultura, de lidar com as diferenças e aceitar a diversidade – desde questões de gênero, até mesmo opiniões pessoais.
Observando brincadeiras de crianças em creches e pré-escolas, percebe-se que a convivência infantil é altamente inclusiva. Por exemplo, crianças com deficiências não costumam ser rejeitadas nas classes “regulares”; já os pais costumam se preocupar e muitos chegam a reclamar com a diretoria, julgando que seus filhos ficarão prejudicados. Em que momento desta trajetória de vida, cabecinhas que eram abertas e livres começam a se fechar?
Os valores fundamentais são aprendidos, em primeiro lugar, em casa: nos exemplos dos pais, nas conversas familiares, nas escolhas feitas a cada dia, em todos os âmbitos: na forma lidar com a própria saúde, o modo de usar o dinheiro, a maneira de lidar com os funcionários, o jeito de ver o trabalho, e assim por diante. No que se refere à homofobia, até simples piadinhas ditas pelos pais, “brincando” com a sexualidade de amigos e conhecidos, podem representar lições implícitas sobre o que é “normal” ou “fora do padrão”, o que é um comportamento “caricato” e deve ser rejeitado, o que é valorizável ou desprezível.
Isso também acontece na escola. É mais comum do que se pensa que os professores façam chacotas a respeito de gays e, ao mesmo tempo, não se envolvam quando um estudante sofre bullying ou é ridicularizado com apelidos de conotação sexual. Inclusive quando a escola tem a educação para a diversidade no seu projeto pedagógico, na prática, é comum que os conflitos de convivência sejam apagados, em vez de ser tratados abertamente.
Falta preparação dos professores para lidar com situações que serão cada vez mais comuns. Nos estudos de gênero, avançou-se muito nas orientações sobre termos e abordagens, para não reforçar preconceitos com a própria linguagem, o que é pouco conhecido na escola.
Senão, vejamos: sexualidade é “opção” ou orientação? As escolas conhecem a ideia de “identidade de gênero”, que se liga mais à maneira como a pessoa se vê, do que ao órgão sexual com que nasceu? E que tais identidades podem não ser simplesmente binárias? Independentemente de incluir ou não no currículo, os professores devem conhecer a relevância destas questões tanto quanto os avanços na matemática ou na física, para fazer uma educação alinhada à contemporaneidade e com o devido respeito pelos seus estudantes.
Felizmente, como disse Jean Paul Sartre, “nós não somos o que fazem de nós, mas o que fazemos com o que fazem de nós”. Por mais que vivamos numa cultura marcada por visões radicais – como o atentado de Orlando comprovou de forma dolorosa – pais e escolas podem educar as crianças para pensar fora da caixa e questionar os estereótipos. Só novas mentes, abertas e livres, podem construir um mundo que seja capaz de dialogar e conviver.
Acesse no site de origem: A homofobia começa em casa e na escola, por Andrea Ramal (G1, 13/06/2016)