(Folha de S. Paulo, 14/11/2014) Já é chocante o suficiente que 15 homens se entreguem ao espancamento de um casal gay, dentro de um vagão do metrô, como ocorreu no último domingo (9) em São Paulo. Agredido a socos e pontapés, um dos rapazes teve o nariz fraturado, depois que ele e seu companheiro se recusaram a sair do trem, como queriam os selvagens.
O ataque, injustificado e brutal, infelizmente não chega a ser incomum, mas talvez possa ser entendido pelo baixo nível ético e intelectual dos que o promoveram.
Surpreende ainda mais, porém, que atitudes comparáveis –pela estupidez, pela covardia, pela baixeza triunfante e coletiva– venham se registrando de forma sistemática entre os alunos de uma respeitada instituição de ensino superior.
Trata-se de uma faculdade da USP. Faculdade, aliás, de medicina, uma profissão em que o respeito à dor e à dignidade alheias se impõem como requisito vocacional.
Duas jovens denunciam ter sido estupradas durante festas acadêmicas. Tais crimes dificilmente podem constar como casos isolados.
Noticia-se que nessas ocasiões era praxe dos veteranos rodear as alunas vociferando cânticos intimidatórios e obscenos.
Não apenas estudantes do sexo feminino passam por tais humilhações. Calouros e calouras são forçados a ingerir quantidades descomunais de substância alcoólica. Um deles bebeu até perder a consciência e caiu; de sua entrada na faculdade traz, agora, a marca de um traumatismo craniano.
Publicado ontem nesta Folha, artigo do estudante Felipe Scalisa, que depôs em audiência pública na Assembleia Legislativa do Estado, relata a punição da “pasta”, em que creme dental é introduzido no ânus dos novatos.
Denunciar tais fatos é difícil em qualquer circunstância –e mais se a acusação se volta contra colegas de estudo e profissão. Mas estudantes de medicina se dedicam à apologia e à prática de um crime que, segundo o recém-divulgado Anuário Brasileiro de Segurança Pública, teve 50.320 casos registrados no país em 2013; estatísticas internacionais mostram que só 35% das vítimas de estupro denunciam o caso às autoridades.
Uma cultura que nunca deveria ter existido começa agora a ser combatida. Que professores, estudantes, policiais, promotores, juízes, psicólogos e, sem dúvida, médicos psiquiatras façam sua parte.
Acesse o PDF: Lições de brutalidade, editorial do Jornal Folha de S. Paulo (Folha de S. Paulo, 14/11/2014)